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Reforma Tributária consiste basicamente em transformar cinco tributos sobre consumo num único imposto

A proposta de reforma tributária, aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, consiste basicamente em transformar cinco tributos sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) num único imposto, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). Os detalhes do projeto, bem como os impactos previstos para as pequenas empresas, são analisados pela auditora fiscal e professora de direito tributário Karla Borges nesta entrevista exclusiva para A TARDE.

Quais as principais mudanças previstas na proposta já apresentada para a reforma tributária? Por que é uma questão que também deve ser acompanhada pelas pequenas empresas?

O foco dessa minirreforma é a simplificação da tributação sobre o consumo. Basicamente, consiste na unificação de cinco tributos (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) num único imposto que se chamará IBS – Imposto sobre Bens e Serviços, que será não cumulativo, permitindo, assim, a devolução dos créditos, eventualmente acumulados, e incidirá sempre no destino. Com a implantação do IBS, o contribuinte que cumpria obrigações distintas aos três entes da federação liquidará a obrigação principal, com o pagamento de um imposto único e terá obrigações acessórias iguais para a União, estados, Distrito Federal e municípios. A grande preocupação das pequenas empresas é a permanência ou não no Simples Nacional, que é um regime simplificado, abarcando outros tributos, além dos contemplados pelo IBS. Desta forma, se as micro e pequenas empresas permanecerem no Simples, não terão direito à não cumulatividade prevista pelo IBS, pois a tributação do Simples se dá sobre o faturamento, não sendo possível qualquer devolução de créditos. O contribuinte ainda poderá optar pelo pagamento do IBS fora do Simples, hipótese em que a parcela a ele relativa não será cobrada.

Essas mudanças, com unificação de impostos, implicam simplificação, mas com aumento da carga tributária?

Simplificação, sim, aumento, não necessariamente: dependerá do ramo de atividade do contribuinte. O IBS terá caráter nacional, sua alíquota será formada pela soma das alíquotas federal, estaduais e municipais; sendo que os estados e municípios determinarão suas alíquotas por lei. Estima-se uma alíquota de 25%, que seria considerada elevadíssima para o setor de serviços, por exemplo, que hoje tem uma alíquota máxima de ISS de 5%. Dificilmente o Estado abre mão de receita. Portanto, simplifica a tributação, mas com a mesma carga e, em alguns casos, com carga maior.

Na prática, como ficaria o recolhimento dos tributos para as empresas optantes do Simples Nacional?

O inciso V do artigo 146 da PEC [Proposta de Emenda Constitucional] 45 diz que o contribuinte do Simples poderá optar pelo pagamento do IBS, hipótese em que a parcela a ele relativa não será cobrada pelo regime unificado do Simples Nacional. Permanecendo no Simples, a pequena empresa pagará IBS, IRPJ, CSLL e INSS, conjuntamente, sobre o seu faturamento e não terá direito à não cumulatividade, não sendo possível pleitear a devolução de créditos acumulados. Imagino que a operacionalização deve ser semelhante ao que acontece hoje com os escritórios de contabilidade que são os únicos que pagam o ISS fora do Simples, conforme previsto na Lei 123/06. Assim como o DAS é zerado para o ISS, suponho que também o será quando se tratar do IBS fora do Simples Nacional, e, nesse caso, o contribuinte faria jus a devolução dos créditos, no meu entendimento.

Grande parte das pequenas empresas que atuam em Salvador é da área de serviços. Esse aspecto pode fazer diferença regionalmente?

Qualquer subsídio, isenção ou incentivo fiscal estará extinto, assim como qualquer regime diferenciado de tributação, como o referente às sociedades de profissionais que recolhem o imposto por um valor fixo. Não haverá mais distinção entre os diversos ramos de serviços, a alíquota será única, portanto, poderá haver um aumento significativo de carga tributária nesse setor, pois a flexibilidade nas alterações das alíquotas de acordo com o segmento de cada serviço não será possível. A proposta permite aos municípios a fixação das alíquotas de serviços, dessa forma, poderá haver alíquotas diferentes do IBS, dentro de um mesmo estado e até entre os estados.

Qual a avaliação que a senhora faz, ao longo dos anos, dos avanços já obtidos pelas pequenas empresas em relação ao sistema tributário? Quais os principais entraves?

Toda simplificação é bem-vinda desde que não aumente a carga tributária. As micro e pequenas empresas já têm a prerrogativa de aderir hoje ao Simples Nacional, diminuindo bastante o impacto dessa carga tributária tão elevada. Todavia, mais uma vez, o país perde a oportunidade de fazer uma reforma nos tributos sobre o patrimônio e renda, o que deveria ser feito com uma maior urgência, pois continuar operando com um sistema regressivo é extremamente penoso para população menos favorecida, já que a capacidade contributiva do contribuinte não é levada em consideração: o trabalhador que ganha um salário mínimo quando faz mercado paga o mesmo imposto sobre os produtos adquiridos que um bilionário. A partir do momento que começarmos a tributar a renda e o patrimônio de forma progressiva, poderíamos, sim, minimizar o impacto na tributação sobre o consumo. Quem tem mais pagaria mais.

Em termos de sistema tributário, como estamos em relação a outros países? Existe algum modelo externo considerado exemplar?

O IBS foi criado inspirado no IVA [Imposto sobre Valor Agregado) europeu, embora seja distinto. A questão da não cumulatividade desonera realmente a cadeia produtiva. O IVA tem problemas estruturais até hoje, fato que dá um enorme trabalho à União Europeia. Creio que o Sales tax americano seria mais transparente, mais fácil de ser cobrado e fiscalizado.

Em um cenário de sonegação, corrupção, cortes de recursos e falta de contrapartida em serviços, como promover uma reforma tributária que imprima credibilidade e aceitação junto aos contribuintes?

Mostrar ao contribuinte a destinação do produto da sua arrecadação seria uma arma poderosíssima. A boa aplicação dos recursos públicos estimula o combate à sonegação. Num sistema tão complicado como o nosso, falar em simplificação já anima, mas não tenha dúvida de que o contribuinte almeja por transparência. Ele não se opõe a contribuir, desde que seja de maneira justa e sabendo que os recursos serão direcionados para o bem comum, e não para os bolsos de alguns agentes políticos que fazem da atividade pública meio de vida.

 

Joyce de Sousa I Foto: Shirley Stolze I Ag A Tarde