Objetivo é estimular as empresas a adotarem boas práticas FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
A Receita Federal anunciou, em meados de outubro, o início da criação do Programa de Estímulo à Conformidade Tributária – Pró-Conformidade. O órgão abriu a Consulta Pública RFB nº 4, de 2018, para receber opiniões sobre o programa, encerrada no dia 31 do mês passado.
O objetivo da medida é estimular as empresas a adotarem boas práticas com o fim de evitar desvios de conduta, por meio do estabelecimento de uma classificação dos contribuintes conforme o grau de risco que representam para o Fisco. De acordo com a RFB, a proposta se inspira em boas práticas adotadas por outras administrações tributárias, seguindo modelo mundialmente reconhecido de favorecimento às práticas de conformidade tributária.
Serão criadas condições mais favoráveis aos contribuintes que têm um bom relacionamento com o Fisco, facilitando o cumprimento de suas obrigações e lhes prestando atendimento eficiente e ágil, quando demandarem. O bom contribuinte terá então prioridade em suas demandas e será previamente comunicado de suas pendências, para fins de autorregularização.
O programa pretende estabelecer uma classificação dos contribuintes, levando em conta seu histórico recente de relacionamento com a administração tributária federal. Essa classificação servirá de referência para a relação entre o Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e o contribuinte, direcionando as ações de cumprimento cooperativo, fiscalização, atendimento, análise de requerimentos (inclusive restituição e compensação), julgamento de recursos, dentre outras.
Contudo, conforme a minuta da proposta da Receita Federal, a classificação será divulgada ao contribuinte, que poderá contestá-la em face de erro material na aplicação dos critérios de classificação. Ainda de acordo com o documento, o programa pretende estabelecer uma classificação dos contribuintes, levando em conta seu histórico recente de relacionamento com a administração tributária federal.
Aqueles que oferecem maior risco, por sua vez, estarão sujeitos, de forma prioritária, aos rigores da lei, como a inclusão em regime diferenciado de fiscalização ou mesma a aplicação prioritária de medidas legais que os incentive ao pagamento dos tributos, dentre as quais a cassação de benefícios fiscais. Com isso, estima-se que haverá aumento na eficiência dos procedimentos adotados por este órgão, sobretudo na alocação de recursos, que redundará em redução do custo para o contribuinte quando do cumprimento das obrigações tributárias.
A proposta surge como resposta a um estímulo da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE) para que os países trabalhem no intuito de construir relações de maior confiança e troca entre o Fisco e os contribuintes. Essa é uma tendência global de fortalecimento de um trabalho "mais colaborativo e não tão conflitivo, como vem sendo até agora", explica o coordenador do Conselho de Assuntos Tributários, Legais e Cíveis (Contec) da Federação das Indústrias do Estado (Fiergs), José Luis Korman Tenenbaum.
No entanto, a consulta pública e, consequentemente, a primeira apreciação do programa por parte da população em geral não dá sinais claros de ter levado em conta essa diretriz. Além do prazo bastante curto, "os critérios que irão definir que uma determinada empresa seja classificada como A, B ou C, ainda estão bastante obscuros", diz Tenenbaum.
Como etapa de testes à implantação do programa, a Receita Federal vai realizar a classificação dos contribuintes levando em conta quatro critérios objetivos que avaliam o seu comportamento para com o Fisco federal: situação cadastral compatível com as atividades da empresa; aderência nas informações prestadas à Receita Federal por meio de declarações e escriturações; tempestividade na apresentação das declarações e das escriturações; e adimplência no pagamento dos tributos devidos.
Especialista salienta que critérios têm de ser aprimorados
O coordenador do Conselho de Assuntos Tributários, Legais e Cíveis (Contec) da Fiergs, José Luis Korman Tenenbaum, sustenta que em geral o Pró-Conformidade vai estar alinhado com anseios do próprio setor produtivo. Porém, ainda é preciso aguardar que os paradigmas sejam totalmente expostos pelo Fisco.
Para ele, ainda estão bastante obscuros quais são os critérios que irão definir que uma determinada empresa seja classificada como A, B ou C, como o programa traz nesse momento. "Vamos esperar ainda a elaboração de todo ele e talvez tenhamos de formar um grupo para conversar com a Receita Federal a fim de tornar mais claro alguns qualificadores e a sua intenção", destaca Tenenbaum. Para ele, é preciso tomar cuidado para que as classificações não se tornem empecilhos ou limitem o exercício das atividades empresariais.
"Órgão públicos poderão vir a fazer editais em que só podem participar empresas com certificação A. Isso pode tolher muitas organizações de participarem licitações", exemplifica. Paralelamente, se uma empresa que estava tendo benefícios fiscais chegar a ser colocada na categoria C, é necessário definir o impacto da penalização, como o empresário poderá contrapor esta decisão e em que instância.
Para Tenenbaum, é preciso salientar que nem todas as empresas com débitos tributários ou que tenham problemas em sua situação fiscal estão assim por que querem ou por que não desejam se regularizar. "Talvez um número considerável de empresas tenha um comportamento do ponto de vista tributário não muito adequado por motivo de má fé. Mas muitas delas estão assim em decorrência da conjuntura, do mercado, ou por que foram autuadas e ainda estão contestando a decisão", diz o integrante da Fiergs, complementando que as organizações não podem ser penalizadas e deixarem de fazer negócios.
Além disso, Tenenbaum relativiza a eficácia da aplicação do programa através da emissão de uma portaria da Receita Federal. Para ele, não é o mais adequado. "O certo talvez fosse, para evitar justamente insegurança jurídica, que a novidade fosse aprovada por Lei Ordinária, passando pela apreciação do Congresso Nacional", sintetiza.
Modelo pode ser inspirado no projeto paulista 'Nos conformes'
Programa de São Paulo conta com metodologia bem definida /FREEPIK.COM/DIVULGAÇÃO/JC
O programa em fase de elaboração pela Receita Federal vem sendo discutido pelas entidades representativas dos empresários de diferentes setores. Uma delas, a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP) debateu o tema em reunião do Conselho de Assuntos Tributários (CAT).
Conforme a Fecomércio-SP, a novidade deve seguir as mesmas diretrizes propostas pelo Programa de Conformidade Fiscal ("Nos conformes"), em fase de testes de implantação na Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP).
Segundo o presidente do CAT e do Conselho Estadual de Defesa do Contribuinte (Codecon), Márcio Olívio Fernandes da Costa, a iniciativa segue a tendência da nova maneira de os fiscos se relacionarem com o contribuinte, que promove o princípio da boa-fé. "Vamos acompanhar as audiências públicas e sugerir melhorias para garantir que essa nova filosofia de relacionamento se torne viável", aponta Costa.
Criado pela Secretaria da Fazenda do Estado de São Paulo (Sefaz-SP), por meio da Lei Complementar nº 1.320/2018, o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária, também conhecido como "Nos conformes", foi aprovado através da Lei Complementar nº 1.320 de 2018, de 6 de abril de 2018. O programa pode servir de alento a quem teme o fato de o Pró-Conformidade ainda estar muito em aberto. O Nos conformes já conta com metodologia e critérios de avaliação bem definidos.
Conforme a Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz-SP), o programa paulista funciona sob tripé aderência, que diz respeito à compatibilidade entre as informações prestadas pelo contribuinte à Sefaz e a realidade da empresa; manutenção dos pagamentos do ICMS em dia; e fornecedores que prestam serviço ao contribuinte.
Esse terceiro ponto é bastante delicado. De acordo com a assessoria técnica da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomércio-SP), a empresa estará mais bem classificada no programa se tiver relações com fornecedores que também estejam bem classificados. Ou seja, na formação do ranking do programa, o desempenho de uma empresa afeta a nota das outras com as quais possui relação.
Em geral, quanto mais adequada a esses três critérios, mais facilidades a empresa tem perante o Fisco. Dentro dessa lógica, os contribuintes serão classificados em seis faixas de riscos a exposição de passivos tributários (A , A, B, C, D e E) sendo "A " a menor exposição e "E" a de maior risco. Desta forma, o fisco passará a prestar assistência e tratamento diferenciado aos classificados em segmentos de menor risco de descumprimento (categorias A , A, B e C), que representam cerca de 80% dos contribuintes paulistas.
OAB carioca pede mudanças no Pró-Conformidade
Rachid recebeu ofício sobre consulta pública a respeito do Pró-Conformidade /MARCELLO CASAL JR /ABR/JC
A Comissão Especial de Assuntos Tributários (Ceat) da Ordem dos Advogados do Brasil do estado do Rio de Janeiro (OAB-RJ) enviou um ofício ao secretário da Receita Federal, Jorge Antonio Deher Rachid, se manifestando formalmente quanto à consulta pública que colhia opiniões a respeito do Pró-Conformidade.
A OAB-RJ foi uma das primeiras entidades que solicitou que o prazo da consulta pública fosse maior. O desejo era que a data final para que os contribuintes se manifestassem sobre o projeto se estendesse até o final de dezembro, em virtude da coincidência com o período eleitoral.
No ofício, a ordem requer que sejam reconsiderados os termos da minuta da portaria para que a inscrição em dívida ativa seja excluída como critério para classificação dos contribuintes. Também pede que os critérios para classificação sejam melhor definidos, bem como o tratamento a ser dispensado ao contribuinte enquadrado na categoria B. Por fim, pede que seja restringida a aplicação da cobrança administrativa especial apenas para os contribuintes enquadrados na categoria C.
A nota da OAB-RJ admite que a arrecadação sem dúvida é um objetivo importante a ser buscado, até porque é essencial para o atingimento dos fins do Estado. Porém, "deve ser desenvolvida sob o manto constitucional e com respeito aos direitos individuais. Portanto, se for mantida a tônica da minuta da portaria, ao invés de reduzir a litigiosidade entre contribuintes e Fisco, haverá claramente um aumento nas discussões entre eles o que não é benéfico para ninguém, com perda para a sociedade como um todo", diz o ofício, assinado pelo presidente em exercício da OAB-RJ, Ronaldo Cramer, e pelo presidente da Ceat, Maurício Faro.
Roberta Mello – Jornal do Comércio