Aprovada pelo Senado ontem, a nova lei de falências permite que o Fisco (federal, estadual ou municipal) peça à Justiça a falência de empresas em recuperação judicial que descumprirem acordo ou parcelamento de dívidas com a União, estados ou municípios. Atualmente, o entendimento que prevalece nos tribunais é que o Fisco não tem esse direito.
Especialistas dizem que esse ponto da legislação preocupa, apesar de avaliarem que, de modo geral, as mudanças na lei são modernizações que melhoram o ambiente de negócios no Brasil.
A lei ainda precisa ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), mas a expectativa é que não haja vetos, já que o governo apoiou e comemorou a aprovação do projeto.
Advogados dizem que a mudança é vaga, dá muito poder ao Fisco e pode colocar empresas que passam por dificuldades financeiras em uma situação de maior insegurança. Para a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, a nova regra é justa e deve ser aplicada apenas contra empresas inviáveis ou fraudulentas.
Como é hoje
A recuperação judicial funciona como uma tentativa de acordo entre a empresa em crise e todos os credores (pessoas físicas ou empresas que têm algo a receber), com a supervisão da Justiça.
O processo começa com um pedido da própria empresa que passa por dificuldades. Ela ganha um fôlego com a suspensão temporária de cobranças, mas precisa apresentar uma estratégia de recuperação. Quem decidirá se o plano é razoável são os credores, interessados em manter a empresa viva para que ela possa pagar o que deve.
Quando entra em recuperação judicial, a empresa tem a oportunidade de fazer um acordo com o Fisco para quitar as dívidas tributárias. Se não conseguir um acordo, tem direito pelo menos a um parcelamento.
Esse parcelamento, que era de 84 meses, foi ampliado para 120 meses (dez anos) no texto aprovado pelo Congresso.
Se a empresa em recuperação descumprir o plano aprovado, os credores podem pedir que a Justiça decrete a sua falência.
Mas hoje prevalece nos tribunais o entendimento de que um desses credores, o Fisco, não tem direito de fazer esse pedido. É aqui que entra a mudança aprovada no Congresso.
Especialistas dizem que medida é vaga
A nova lei diz que a Receita Federal e a Fazenda Nacional podem encerrar o parcelamento da empresa devedora se considerar que ela está se desfazendo de ativos para fraudar a recuperação judicial. Essa regra facilita o pedido de falência por parte do Fisco.
Para Caio Bartine, consultor e professor de direito empresarial, a lei ficou vaga, porque não há critérios objetivos para definir o que pode ser considerado como “esvaziamento patrimonial”. Isso, segundo ele, deixa a empresa desprotegida.
O advogado Paulo Trani, do escritório Abe Giovanini, afirma que, nos momentos de crise, é comum a empresa deixar de pagar impostos para priorizar o salário de funcionários e pagamentos a fornecedores essenciais.
O problema da inadimplência tributária não se resolve dando poderes ao Fisco para quebrar a empresa inadimplente.
Paulo Trani, advogado
Para Trani, a nova regra não está de acordo com o discurso do ministro Paulo Guedes (Economia), de fomentar o ambiente de negócios e evitar a falência de empresas.
Para o Fisco, nova regra é boa para a sociedade
O procurador da Fazenda Nacional Filipe Barros defende a nova regra, dizendo que não haverá arbitrariedade, pois o Fisco não tem interesse em encerrar empresas que podem continuar ativas. O objetivo, segundo ele, é apenas fortalecer a economia e proteger os cofres públicos.
“Falir não é crime, a não ser que seja fraude. Pode ser só uma circunstância econômica. Quem pode culpar um empresário por falir na pandemia, por exemplo?”, diz o procurador.
Ele afirma que o Poder Público muitas vezes tem dificuldade em garantir o cumprimento dos acordos e parcelamentos e que é comum que empresas paguem apenas as primeiras parcelas, depois abandonem o planejamento.
Na opinião do procurador, a nova regra equipara o Fisco a outros credores, tanto nos ônus quanto nos bônus da recuperação judicial, e dá ao Estado uma ferramenta para pressionar a empresa a pagar o que foi negociado.
Recuperação judicial não é mágica, é para salvar empresas viáveis. Se a empresa já está no buraco, é bom para a economia, para o Estado e para a concorrência que ela vá à falência, tenha seus bens vendidos e que outra empresa ocupe seu espaço.
Filipe de Barros, procurador da Fazenda Nacional