Com o advento da Lei 13.670/2018, recentemente regulamentada pela Instrução Normativa RFB 1.810, de 14 de junho de 2018, diversas alterações foram promovidas no artigo 74, da Lei 9.430/96, que rege a compensação de tributos administrados pela Receita Federal. Além dessas, foram promovidas algumas alterações no regime de compensação para contribuições previdenciárias de contribuintes aderentes ao eSocial, passando-se a admitir a utilização de eventuais créditos para pagamento dos demais tributos administrados pela Receita.
Entre as alterações promovidas, destacam-se as seguintes:
- a vedação à compensação do débito que já tenha sido objeto de compensação não homologada, ainda que pendente de decisão definitiva na esfera administrativa;
- a proibição de compensação do valor do objeto de pedido de restituição ou de ressarcimento já indeferido pela autoridade competente, ainda que o pedido se encontre pendente de decisão definitiva na esfera administrativa;
- a impossibilidade de aproveitamento do crédito objeto de pedido de restituição ou ressarcimento e do crédito informado em declaração de compensação, cuja confirmação de liquidez e certeza esteja sob procedimento fiscal;
- a vedação à compensação dos débitos relativos ao recolhimento mensal por estimativa do IRPJ e da CSLL.
Nas primeiras três hipóteses, busca-se permitir um incremento do fluxo de caixa da União a partir da redução de garantias do contribuinte no âmbito administrativo. É dizer, muito embora o Supremo Tribunal Federal tenha garantido, por ocasião do julgamento do ADI 1.976[1], o duplo grau de jurisdição na esfera administrativa, pretendeu-se conferir ao despacho decisório caráter praticamente imutável, vedando-se eventual utilização de créditos cuja liquidez e certeza ainda estejam sujeitas à revisão por meio de manifestação de inconformidade ou de recursos, na forma do Decreto 70.235/72 e nos termos dos parágrafos 9º a 11º do próprio artigo 74 da Lei 9.430/96.
No caso, especificamente, das vedações ao aproveitamento do crédito, ainda que possa haver conexão entre os processos administrativos, caberia aos órgãos julgadores aplicar os dispositivos já contidos na legislação, notadamente os mecanismos de suspensão em virtude de prejudicialidade externa, contidos no Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente[2].
Deve-se ressaltar, outrossim, que a inclusão das referidas vedações com a Lei 13.670/18 acaba por tornar sem fundamento despachos decisórios proferidos pela Receita anteriormente, em que a autoridade fiscal tenha negado a compensação com referência a outros processos administrativos envolvendo o respectivo crédito. Isso porque a inclusão da referida negativa, ainda que questionável, na legislação em referência indica inexistir base legal prévia à negativa de homologação, afetando diretamente a legalidade dos referidos procedimentos.
No que toca à última vedação, atinente à utilização de créditos para compensação com débitos de recolhimento mensal pelo regime de estimativa[3], aduz-se que teria como objetivo garantir o fluxo de caixa arrecadatório, além de evitar eventuais ilegalidades no referido processo, impactando na análise do saldo negativo ao final do exercício[4]. Sob esse pretexto, optou-se por vedar a compensação, inclusive no próprio ano-calendário em que editada.
Ao contrário do quanto aduzido na exposição de motivos, entende-se inexistir qualquer critério de discrímen válido para justificar a diferenciação entre o referido débito, porventura objeto de compensação, e qualquer outro administrado pela Receita.
Na realidade, o argumento de que o processo de compensação impacta o fluxo de recebimentos governamentais não apresenta qualquer diferença em relação a outros tributos, em que o recolhimento seja mensal. Melhor sorte também não assiste à argumentação de que eventual não homologação geraria equívocos na aferição do saldo negativo, na medida em que, a par de imprimir um raciocínio a partir da patologia, baseia-se em efeitos reflexos que são inerentes aos atos ilícitos, e que inclusive possuem paralelos em outros casos observados em relação à própria formação do saldo negativo.
Não é demais lembrar, ainda, que, muito embora questionável e objeto de análise perante o Supremo Tribunal Federal, o artigo 74, parágrafo 17, da Lei 9.430/96 prevê penalidade específica para o caso de não homologação de compensação, de modo que, além de desarrazoada, a vedação à compensação nem sequer seria necessária ao objetivo colimado.
De todo modo, independentemente dos fundamentos legais aptos a questionar o fundamento da vedação, igualmente cumpre observar que a vigência imediata da vedação, em tributos periódicos (ie. complessivos) atenta contra a segurança jurídica do contribuinte, violando diretamente o preceito da certeza do Direito, apropriando de forma indevida o seu fluxo de caixa.
Por fim, cumpre mencionar que a IN RFB 1.810/18 inovou, juridicamente, ao acrescentar à IN RFB 1.717/17 duas vedações à compensação disciplinada pelo artigo 74, da Lei 9.430/96 que não estavam previstas na Lei 13.670/2018, sendo elas: (i) o crédito resultante do pagamento indevido ou a maior efetuado no âmbito da PFGN; e (ii) o débito ou o crédito que se refira ao AFRMM ou à TUM.
[1] STF, Tribunal Pleno, ADI 1976, rel. Ministro Joaquim Barbosa, j. em 28.03.2007.
[2] Cf. art. 313, V, “a”, do CPC/15.
[3] Ressalte-se que, conquanto a vedação se limite, nos termos da legislação posta, ao recolhimento mensal por estimativa, deve-se alertar para a possibilidade de entendimento, a nosso ver ilegal, pela RFB de que também se aplicaria ao regime de antecipação por meio de balancete de redução ou suspensão.
[4] Exposição de motivos do Projeto de Lei n8.456/2017, posteriormente convertido na Lei 13.670/2018. Disponível em: <http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2150170>. Acesso em: 21/6/2018.
Por Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro
Alexandre Luiz Moraes do Rêgo Monteiro é doutor em Direito Tributário pela Universidade de São Paulo (USP), conselheiro julgador da 4ª Câmara do Conselho Municipal de Tributos, juiz do Tribunal de Impostos e Taxas e professor da Faculdade Brasileira de Tributação.
Fonte: Consultor Jurídico