Por Henrique Dias

O PL n° 2337/2021 propõe alterações à Lei 9.249/1995 e, particularmente pelo seu artigo 3º, objetiva a inclusão do artigo 10-A na referida lei, pelo qual passará a incidir Imposto de Renda sobre os lucros e dividendos pagos ou creditados pelas pessoas jurídicas às pessoas físicas.

Entre outras especificidades, chama a atenção a redação do §4º do pretenso artigo 10-A, que segue colacionado:

“§4º. Os lucros recebidos por pessoas físicas residentes na República Federativa do Brasil pagos ou creditados por microempresas ou empresas de pequeno porte, de que trata a Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006, ficam isentos da incidência do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza até o limite de R$ 20 mil ao mês”.

Denota-se do citado parágrafo que os lucros recebidos por pessoas físicas pagos por microempresas e empresas de pequeno porte, estarão isentos do pagamento de Imposto de Renda até o limite de R$ 20 mil.

Destaca-se que se trata de uma isenção conferida às “pessoas físicas” para o fim de deixar claro nas linhas seguintes que o pretendido benefício fiscal é uma grave afronta aos princípios da isonomia tributária e da generalidade do Imposto de Renda, mas, antes disso, é preciso deixar claro que, apesar de querer transparecer ser um tratamento diferenciado às MEs e EPPs, não é essa a realidade.

A redação do §4º é muito nítida ao conceder um benefício fiscal de isenção às pessoas físicas, e após constatado isso, pouco importa a origem dos valores que estarão isentos do recolhimento de Imposto de Renda, se pagos por EPPs e MEs ou por empresas de médio e grande porte.

Dessa forma, as atenções devem estar voltadas àqueles que estarão sendo beneficiados pela isenção: as pessoas físicas que recebem lucros de empresa, e não as empresas em si, visto que é indiferente o porte da empresa que está pagando, importando apenas a natureza dos valores e aqueles que os recebem.

E aqui se faz essencial lembrar daquilo que preceitua o inciso II do artigo 150 da Constituição Federal, pelo qual é vedado à União instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, não sendo possível que seja instituída qualquer forma de distinção.

Especificamente quanto ao Imposto de Renda, tem-se que a Constituição Federal tratou em seu artigo 153, §2º, inciso I, a isonomia tributária como sendo uma necessária generalidade, que nada mais é do que a externalização do princípio da igualdade, já consagrado pelo artigo 5º de maneira geral e irrestrita, e no âmbito do Direito Tributário, tratado pelo já citado artigo 150, inciso II, significando, em verdade, que todos aqueles que auferem renda devem estar sujeitos à tributação, sem exceções de natureza pessoal.

Isso para podermos afirmar que não se está diante daquilo que a Constituição Federal estabelece em seu artigo 170, IX, e artigo 179 quando determina que as empresas de pequeno porte e as microempresas deverão receber um tratamento favorecido/diferenciado, não é este o caso, visto que o benefício da isenção ora em comento não é direcionado para estas empresas, mas sim para pessoas físicas.

Nesse sentido, tratam-se de lucros pagos às pessoas físicas, e isso é o relevante para a discussão que se propõe neste parecer: ofensa aos princípios da isonomia tributária e da generalidade do Imposto de Renda, ao passo que está sendo atribuído um tratamento diferenciado a pessoas que se encontram em situação equivalente.

Frente aos preceitos constitucionais acima delineados, certo é que a distinção estabelecida no PL n° 2337/2021, pela qual as pessoas físicas que receberem lucros de EPPs e MEs até o limite de R$ 20 mil estarão isentas do pagamento de Imposto de Renda, é uma grave afronta ao princípio da isonomia tributária, ao passo que estabelece um tratamento diferenciado a pessoas que se encontram em situações equivalente.

A questão que surge é a seguinte: qual é a diferença dos lucros recebidos por pessoas físicas de EPPs e MEs para os lucros recebidos por pessoas físicas de empresas de médio e grande portes? E a resposta é que não existe diferença alguma e, mesmo assim, pretende-se conferir um tratamento contrário à isonomia tributária, pautado em um critério ilógico que não se demonstrará como um benefício para as pequenas e microempresas, mas sim às pessoas físicas, e só. Este é o ponto: estamos tratando de Imposto de Renda de pessoas físicas, e não de empresas.

E nesse particular podemos nos valer da doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello [1], que assevera:

“O preceito magno da igualdade como já tem sido assinalado, é norma voltada que para o aplicador da lei quer para o próprio legislador. Deveras, não só perante a norma posta se nivelam os indivíduos, mas, a própria edição dela assujeita-se ao dever de dispensar tratamento equânime às pessoas”.

Evidente, portanto, que o tratamento diferenciado que está se propondo pela inclusão do artigo 10-A, §4º, na Lei 9.249/1995 se configura uma afronta aos princípios da isonomia tributária e da generalidade do Imposto de Renda, ao passo que traz o benefício da isenção para pessoas físicas que recebem lucros de MEs e EPPs até o limite de R$ 20 mil, em detrimento de outras pessoas físicas em situação equivalente.

Por isso é importante de se ressaltar: o benefício será concedido para pessoas físicas e não para as micro e pequenas empresas, e quando falamos de pessoas físicas não é possível que se estabeleça qualquer tipo de diferenciação no que tange ao recebimento de lucros.

A título de exemplo é possível citar a regra das faixas de isenção do Imposto de Renda retido na fonte, que é aplicada de maneira indiscriminada a todos aqueles que estão sujeitos à retenção do referido imposto na fonte, como os trabalhadores assalariados, que independentemente se o seu empregador é micro, pequena, média ou grande empresa, as faixas de isenção do IRRF serão sempre iguais, não havendo a distinção entre as pessoas físicas em situação equivalente.

Ou seja, independentemente da origem do salário, o que importa é que a pessoa física é um trabalhador assalariado, e se ela receber rendimentos acima de R$ 1.903,98 por mês será tributada de acordo com as faixas do IRRF de maneira progressiva, se os rendimentos ficarem abaixo disso, será isenta, regra que se aplica a todas as pessoas físicas que se encontram nessa situação, de maneira indiscriminada, exatamente como deve ser e de acordo com os preceitos da isonomia tributária.

Sendo assim, de maneira diversa, a reforma pretende estabelecer uma faixa de isenção que beneficiará apenas um grupo de pessoas físicas, enquanto outra parcela, que igualmente recebe lucros de empresas, não irá se beneficiar da isenção do Imposto de Renda até o limite de R$ 20 mil.

Posto isso, caso seja mantida a redação proposta para o §4º do artigo 10-A da Lei 9.249/1995, por certo que haverá uma grave ofensa aos princípios da isonomia tributária e da generalidade do Imposto de Renda, sendo que a isenção dos lucros distribuídos até o limite de R$ 20 mil deve ser estendida à todas as pessoas físicas que estejam em situação equivalente, sendo indiferente o porte da empresa que está realizado a distribuição.

[1] MELLO, Celso Antonio Bandeira de. O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. 3. Ed. São Paulo: Malheiros Ed., 1997.