O governo federal tem sinalizado que retomará a tributação de lucros e dividendos distribuídos aos sócios e acionistas. O debate sobre o assunto é pautado mais por questões ideológicas e políticas e menos por lógica e coerência.
O primeiro argumento sustentado pelos defensores da medida é que será restabelecida a justiça fiscal, pois empresários e assalariados passarão a ser tributados igualmente. Para alguns, trabalhadores pagam tributos e os empresários não. Reside aqui uma total incompreensão do regime de tributação brasileiro.
Quando a isenção foi criada, o então ministro da Fazenda explicou que se buscava “a completa integração entre a pessoa física e a pessoa jurídica, tributando esses rendimentos exclusivamente na empresa e isentando-os quando do recebimento pelos beneficiários”. Em outras palavras, ao invés de tributar o rendimento da atividade empreendedora em dois momentos (primeiro na empresa, depois no sócio), simplificou-se o regime e passou-se a tributar apenas na pessoa jurídica.
Não é correto falar em tratamento desigual entre trabalhador assalariado e empresário, pois enquanto o trabalhador assalariado possui as garantias da irredutibilidade dos salários, décimo terceiro, férias, fundo de garantia, repouso semanal remunerado; o empresário possui a expectativa de auferir lucro apenas se for bem-sucedido. Logo, não são situações equivalentes.
Um segundo equívoco cometido pelos detratores do regime atual reside na alegação que o Brasil seria o único país do mundo a não tributar a distribuição de lucros e dividendos. Como dito, o Brasil tomou a decisão política de tributar os rendimentos da atividade empresarial num único momento. Poderia ter adotado o modelo norte-americano que tributa, na imensa maioria dos regimes, apenas a pessoa física, pois adota-se um modelo de “pass-through entity”, isto é, a pessoa jurídica é desconsiderada para efeitos de tributação.
Tomando ainda o modelo estadunidense, alguns comentaristas tomam apenas o regime de tributação das “C Corporations”, no qual há tributação na pessoa jurídica e também na distribuição aos sócios para bradar que “até mesmo os Estados Unidos tributam a distribuição de lucros”. O erro está em tomar a exceção como regra, além de deixar de mencionar que a carga tributária somada (tributação na jurídica e física) não alcança a carga tributária atualmente imposta às pessoas jurídicas brasileiras.
Alega-se ainda que a implementação da tributação dos lucros e dividendos será acompanhada da redução da tributação das pessoas jurídicas. Mesmo que se possa conceder um voto de confiança em tal promessa, novamente comparar países não auxilia no debate. Enquanto a maior parte dos países utiliza apenas um tributo sobre a renda (income tax) e um sobre o consumo (sales tax), o Brasil acumula tributos sobre renda da pessoa jurídica (IRPJ, CSLL, Contribuições previdenciárias etc.) e empilha tributos sobre o consumo (ICMS, IPI, PIS e Cofins).
Ao que parece a proposta do governo apenas dividiria o atual imposto sobre a renda com carga aproximada de 34% para um percentual dividido entre física e jurídica (algo como 14% e 20%), o que no fim do dia é rigorosamente a mesma tributação. No entanto, esquece-se que se estará criando um fator de elevação da complexidade em cumprimento das obrigações tributárias, além de criar um fator de desestímulo para o empreendedorismo. Com efeito, a tributação sempre recairá sobre condutas humanas, comportamentos dos indivíduos e estes, como agentes racionais, poderão escolher realizar ou não determinada conduta a depender do regime de incentivos criado pelo legislador. A simplificação da tributação e a redução da carga tributária sobre o setor produtivo têm a capacidade de incentivar e atrair mais brasileiros para a produção de riqueza, já a oneração e complicação da atividade empresarial só agravará ainda mais o êxodo de brasileiros produtivos e criativos.
Éderson Garin Porto