*Gil Reis
Entre tantas urgências do Brasil de profundas desigualdades socioeconômicas, a reforma tributária é uma das mais prioritárias. Hoje, temos uma verdadeira colcha de retalhos sob a qual se estende um dos mais injustos sistemas tributários do planeta. Necessário, portanto, corrigir tais distorções para tirar das costas dos brasileiros o peso de uma carga de impostos equivalente a 35% dos seus rendimentos, sejam eles frutos de atividades de trabalhadores ou empreendedores urbanos ou rurais.
Nestes tempos de pandemia da covid-19, a reforma tributária se impõe ainda mais. No entanto, a sociedade precisa ficar atenta para impedir que o Congresso Nacional se deixe contagiar por propostas que, sob o patrocínio de interesses corporativos com carimbo federal ou de cabeças de planilhas impressionadas com números robustos que não refletem a realidade da base produtora, sirvam apenas para fazer uma maquiagem superficial na legislação tributária e penalizar mais quem produz.
No caso agro, impõe-se um tratamento específico na reforma tributária. Não para privilegiá-lo, tampouco para ampliar a sua taxação, mas para livrá-lo dos penduricalhos tributários que comprometem a competitividade do setor, que, assim mesmo, mantém-se como o mais exitoso da economia brasileira, respondendo por mais de 21% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, por mais de 44% das exportações e por cerca de 18 milhões de empregos.
O agronegócio e suas cadeias devem ter na reforma tributária tratamento igual ao que recebem, quase cotidianamente, quando têm enaltecida a sua importância fundamental na garantia de segurança alimentar do país e de cerca de 200 mercados mundo afora. Afinal, sem a crescente produção de alimentos, o Brasil estaria hoje vivendo um cenário de total precariedade.
Neste período de isolamento social da covid-19, não faltaram – e não faltam – alimentos para os brasileiros e ainda sobram excedentes para seguirmos enviando para destinos na Ásia, nas Américas, na Europa e na Ásia. Ou seja, o agro tem produzido mais do que o suficiente para que haja comida para todos. Se há ausência de alimentos em milhares de lares no país, por certo não é por culpa do produtor, mas por nossa injusta distribuição de renda.
As condições para assegurar o direito à alimentação dependem da plena garantia de que o produtor rural não venha a ser ainda mais sacrificado na simplificação da cobrança de tributos”
Espera-se, portanto, que a reforma não sobrecarregue ainda mais o agro. Ao contrário. A expectativa é que ela crie condições para que todos as famílias brasileiras possam se alimentar dignamente. Para tal, não podemos aceitar que se vislumbre a possibilidade de aumentar a taxação sobre o setor agrícola. Aliás, preocupa-nos que tais intenções circulem por aí, como alertou em recente entrevista ao AGROemDIA o advogado tributarista Fábio Calcini.
Tramitam atualmente no Congresso Nacional duas PECs (Propostas de Emendas à Constituição) que tratam da matéria. Dias atrás, o ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou ao Parlamento a proposta do governo, que prevê tão somente a unificação de PIS e Cofins, os dois tributos federais sobre o consumo. O texto encaminhado pelo Palácio do Planalto deve ser debatido concomitantemente com as duas PECs, cuja discussão avançou nas últimas semanas.
Segundo noticia a mídia, temas mais complexos, como a inclusão de tributos estaduais nesse imposto único, mudanças no Imposto de Renda e alteração da carga tributária devem ficar para uma segunda fase, ainda sem data para ser protocolada. Portais e sites também informam que as propostas em tramitação no Congresso não tratam da diminuição da carga de impostos, mas visam apenas simplificar a cobrança de tributos.
Se houvesse garantia de que tal roteiro seria fielmente seguido, poderíamos ficar tranquilos no recolhimento da pandemia. Como sabemos que no Brasil sempre há muitos atalhos para desvios de rotas, devemos ficar de prontidão para que os congressistas e técnicos que os cercam não tentem criar mecanismos tributários que ameacem o direito à alimentação, previsto no Artigo 6º da Constituição Federal.
As condições para assegurar o direito à alimentação dependem da plena garantia de que o produtor rural não venha a ser ainda mais sacrificado na simplificação da cobrança de tributos. Hoje, o agro ainda consegue cumprir sua função social de produzir alimentos, embora boa parte dos produtores viva atormentado por um endividamento astronômico e um passivo biliardário do Funrural – inventado pelas supremas togas –, o que pode lhes tirar o ânimo, caso se sintam injustiçados mais uma vez.
Por isso, o agro deve ficar atento para não ter que pagar a conta da pandemia por causa de sua resiliência e êxito diante do vírus estrangeiro.
*Consultor em agronegócio