Associações de auditores fiscais afirmam que é necessário focar na tributação em cima da renda e patrimônio dos mais ricos
Nesta semana, os auditores vão apresentar oito propostas que aumentam a arrecadação de União, estados e municípios em R$ 292 bilhões e incidem sobre as altas rendas, com foco em quem ganha mais de R$ 23 mil por mês ou tem patrimônio acima de R$ 10 milhões. Isso inclui uma revisão da tabela do IRPF (Imposto de Renda Pessoa Física), a tributação de lucros e dividendos e um imposto sobre grandes fortunas.
“Em face desse contexto de pandemia, a agenda de reforma tributária tem de mudar para a questão da renda e do patrimônio. Temos uma visão crítica dessa simplificação, pois não reduz a carga tributária sobre o consumo e pode até aumentar, a julgar por essa proposta que o governo mandou, o que onera mais os pobres e a classe média”, afirma o presidente da Fenafisco (Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital), Charles Alcantara.
“É preciso ter recursos novos. Não há saída da crise sem receitas novas. A nova tabela do IR desonera as rendas mais baixas, injeta recursos na base da sociedade. Empresas do Simples também estão sendo desoneradas”, afirma o auditor Dão Real Pereira dos Santos, um dos autores da proposta.
Os dois afirmam que a ideia do governo de desonerar a folha de pagamentos com uma contribuição sobre transações financeiras vai tirar recursos de áreas como Previdência e Saúde.
“Desonerar a folha é reduzir recursos para a seguridade social, que é a área mais afetada pela crise. Até propusemos desonerar a folha, mas não dessa forma”, afirma Dão, citando que a nova proposta teve como base a chamada Reforma Tributária Solidária, emenda apresentada à comissão do Congresso que trata do tema.
“O imposto sobre transações é um imposto fácil, simples, mas extremamente desigual, cumulativo, que afeta os mais pobres. As propostas que têm sido apresentadas não passam de tentativas de fugir do tema central, enfrentar a enorme concentração de renda e riqueza.”
O presidente da Fenafisco diz que a afirmação do governo de que é necessário desonerar a folha de pagamento para gerar emprego é uma falácia. “Isso ganhou status de verdade e ajuda a evitar o debate principal, que é a tributação progressiva no Brasil. A reforma trabalhista foi feita com base nessa mesma argumentação”, afirma.
Trabalho do Ipea (órgão do Ministério da Economia) concluiu, em 2018, que a programa de desoneração criado no governo Dilma Rousseff não gerou mais empregos. O texto foi assinado pelo atual secretário de Política Econômica do ministério, Adolfo Sachsida.
Há cerca de dois meses, o CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), que ajudou na elaboração da reforma tributária que tramita na Câmara, elaborou uma proposta de desoneração parcial da folha de pagamento, que reduz o custo de contratação em todas as faixas de salário, e coloca as contribuições praticamente no mesmo nível dos benefícios gerados. A perda de arrecadação seria compensada por mudanças no IRPF de forma a desonerar os mais pobres e tributar os mais ricos.
O CCiF é contra uma desoneração muito ampla da folha, o que poderia beneficiar as pessoas de maior renda, uma vez que elas não pagariam contribuição previdenciária suficiente para financiar o benefício do INSS que receberiam posteriormente.
NOVA ALÍQUOTAS DO IRPF
A proposta dos auditores elevaria a carga tributária de três a quatro pontos percentuais, para cerca de 36% do PIB (Produto Interno Bruto), e também ajudaria a compensar a queda na arrecadação esperada por conta da pandemia, além de tornar o sistema tributário nacional menos regressivo, segundo os autores.
Com a retomada do crescimento, a carga tributária poderá ser reequilibrada, reduzindo-se a tributação que incide sobre o consumo e sobre a folha nas faixas de menor renda, diz o trabalho.
A principal proposta é a revisão da tabela do IRPF, cuja alíquota máxima subiria de 27,5% para 45%. A nova tabela progressiva aumenta o limite de isenção para 34% dos contribuintes e amplia a alíquota para quem tem rendimentos líquidos mensais superiores a R$ 23.850, cerca de 1 milhão de pessoas ou 3,6% dos contribuintes.
Segundo os autores, nos EUA, a alíquota máxima atingiu 94% após a Segunda Guerra Mundial e estabilizou-se em torno de 90% até o início dos anos 1980, quando começou a ser reduzida (atualmente é de 37%).
Haveria contribuição adicional de 10% para salários a partir de R$ 60 mil para financiamento da seguridade social. Outra proposta é um Imposto sobre Grandes Fortunas com alíquotas progressivas de 0,5% a 1,5% para a parcela do patrimônio acima de R$ 10 milhões, com arrecadação dividia entre estados e municípios, além de mudanças nas regras do imposto sobre doações e heranças.
Pelo lado das empresas, haveria aumento da CSLL (Contribuição Social sobre Lucro Líquido) temporário para bancos e empresas do setor mineral, por quatro anos, desoneração para as empresas do Simples e tributação da distribuição de lucros e dividendos pela nova tabela do IRPF.
No Brasil, segundo os autores, renda e patrimônio respondem por 23% da arrecadação, ante 40% na média dos países da OCDE (organização que reúne as economias mais desenvolvidas). Na tributação do consumo, que afeta proporcionalmente mais os mais pobres, os percentuais são de 50% no Brasil e 32% na média da OCDE.
Assinam a iniciativa a Fenafisco, Anfip (associação dos auditores da Receita Federal), Sindifisco Nacional e os movimentos Auditores Fiscais pela Democracia e Instituto Justiça Fiscal.