Pesquisadores contestam impacto da reforma tributária sobre o PIB do Brasil

Os desentendimentos em relação às propostas que estão no Congresso, no entanto, vão além da questão técnica

O impacto da reforma tributária da Câmara dos Deputados sobre o potencial de crescimento da economia brasileira se tornou alvo de polêmica entre representantes de algumas das principais instituições de pesquisa econômica do país.

Os desentendimentos em relação às propostas que estão no Congresso, no entanto, vão além da questão técnica. No âmbito político, governo federal, estados e municípios têm apresentado cada vez mais divergências do que entendimentos sobre o tema, o que gera dúvidas sobre a possibilidade de que se aprove algo nesse sentido ainda neste governo.

Nesta quinta-feira (24), os pesquisadores José Roberto Afonso, professor do IDP (Instituto Brasiliense de Direito Público), Vagner Ardeo, vice-diretor do Ibre/FGV, e Geraldo Biasoto, professor da Unicamp, publicaram artigo em que questionam a validade dos cálculos feitos pelo economista Bráulio Borges, também do Ibre, a pedido do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), instituição que participou da elaboração da proposta da Câmara, a PEC 45/2019.

De acordo com Borges, a PEC que propõe a substituição de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) por um IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) resultaria em um aumento do PIB potencial do Brasil de 20,2% em 15 anos. Esse impacto decorre principalmente do aumento da produtividade de 14,4% e dos investimentos em ativos fixos, que geram uma elevação do estoque de capital de 12% no mesmo período.

"A nota preparada para o CCiF está muito longe de ser considerada uma avaliação próxima ao padrão internacional. Pecou nas bases econômicas e econométricas em que foi assentada a construção de seu suposto modelo e se revelou frágil na leitura de seus resultados", dizem os pesquisadores ao analisar a nota técnica de Borges feita para o CCiF.

"Primeiro, me chama a atenção que não é um trabalho de autorida do CCiF, que há tanto tempo estuda e se dedica ao projeto. Até agora eles não apresentaram seus dados e suas simulações. Apenas publicaram uma nota preparada por terceiro", diz Afonso.

Ele afirma que não se pode negar o mérito de que essa é a única nota a tentar avaliar o impacto da PEC 45, mas diz que se trata mais de um exercício que tentou identificar simplificação com produtividade e com crescimento.

Uma crítica, aliás, é que não foi considerado que, nos dez anos previstos de transição, o contribuinte terá que conviver com dois sistemas, o que significa que o custo de apuração vai dobrar, independente do tamanho da alíquota, segundo Afonso.

Outro autor da réplica, o professor Geraldo Biasoto afirma que Borges supõe que a reforma leva a economia brasileira a convergir em alguns indicadores para algo próximo do verificado em países desenvolvidos. Ele também questiona a falta de dados que mostrem impactos setoriais.

"Pode até ser que ele tenha razão, mas você não pode sair brandindo um estudo para levar a reforma a toque de caixa por causa disso", afirma Biasoto.

"O IBS tem problemas técnicos muito difíceis que têm de ser discutidos com cuidado. Podemos fazer uma coisa pior do que a que nós já temos. Não dá para dizer que tem de aprovar por causa do PIB potencial."

Os autores também questionam a forma como foram tratados os dados sobre renúncias tributárias e redução do custo do investimento. Dizem ainda que a nota técnica peca pelo excesso em ganhos com "compliance" e produtividade e, por outro lado, ignora questões essenciais para o sucesso de um imposto do tipo valor adicionado, como a devolução dos créditos acumulados.

Nesse ponto, lembram que só haverá crédito após o fornecedor recolher o imposto na etapa anterior da cadeia. "A maior aberração e, sem dúvida, uma invenção mundial é transformar o contribuinte em fiscal. É a inversão total de papéis. Além de apurar e pagar um imposto, ele precisa se assegurar que terceiro, seu fornecedor, pagou imposto", diz Afonso.

O professor Vagner Ardeo, do Ibre, afirma que faltam estudos para avaliar também o impacto das outras propostas. No artigo, ele e os colegas afirmam que os autores das três principais propostas em tramitação (da Câmara, do Senado e do Ministério da Economia) não apresentaram seus próprios cálculos.

"Avaliar esse impacto é uma questão muito complexa. Depende de respostas da sociedade. Será que os setores beneficiados vão repassar para preços os benefícios? Tem estudo internacionais, modelos, que poderiam ser usados. O que foi desenvolvido [o estudo de Borges] não é suficiente."

No artigo, os pesquisadores também afirmam que nenhum outro país está discutindo reforma tributária de forma tão intensa em meio à pandemia e que o aumento de tributo para alguns setores pode reduzir a renda disponível e disparar uma segunda onda recessiva.

Procurado, Borges informou que publicará um artigo sobre o tema no Blog do Ibre, mesmo canal de divulgação utilizado pelos autores da crítica ao seu trabalho, que foi publico em junho pelo CCiF.


Auditores fiscais pedem mudanças na tributação da renda e do patrimônio

Entidades de auditores fiscais insistiram em uma tributação maior dos mais ricos

Entidades de auditores fiscais, presentes em reunião virtual da Comissão Mista da Reforma Tributária, realizada nesta quinta-feira (24), insistiram em uma tributação maior dos mais ricos nos debates da reforma. Até o momento, as propostas mais discutidas são as que buscam simplificar impostos sobre o consumo como PIS, Cofins, ICMS e ISS.

Presidente da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Unafisco), Mauro Silva afirmou que o país perde R$ 324 bilhões por ano em privilégios tributários com a ausência de tributação de lucros e dividendos, a falta de regulamentação do Imposto sobre Grandes Fortunas e uma parcela de empresas do Simples que fatura mais de R$ 1,2 milhão por ano.

Ele disse ainda que os brasileiros que ganham mais que 40 salários mínimos, ou R$ 41.800, pagam menos imposto que os demais. E esse grupo representaria apenas 0,35% da população.

Também o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), Kleber Cabral, ressaltou a questão da renda e defendeu uma reestruturação da tributação sobre o patrimônio. Sobre a simplificação dos impostos sobre consumo, Cabral disse que a transição entre o velho e o novo sistema deve ser menor que os dez anos previstos na PEC 45/19. Isso porque a convivência dos dois sistemas elevará a complexidade para as empresas.

Para Kleber Cabral, é preciso também ter alíquotas diferenciadas para serviços de natureza pública como saúde e educação. Ele defendeu que o novo imposto seja separado para estados e União porque os estados precisam compensar perdas e ganhos com a mudança da tributação do local de produção para o local de consumo.

“Esses problemas dos estados em relação à jurisdição, em relação a origem e destino, não existem no âmbito federal. Ou seja, se você cria o IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) nacional, você atrai a União, que tem aí mais ou menos um terço da arrecadação da tributação sobre consumo, para um conjunto de problemas que não é dela.”

O deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE) concordou com o aumento da progressividade da tributação. “Fica muito claro que nós não podemos fazer reforma tributária só para juntar imposto. É impressionante como a questão do imposto sobre a propriedade; e estou falando do ITBI, ITCMD, IPVA inclusive diferenciando carros e barcos; como isso muitas vezes passa ao largo. É importante a gente deixar isso para o Brasil consolidar.”

Mas o deputado Alexis Fonteyne (Novo-SP) disse que a prioridade agora é destravar o crescimento econômico. “Mas é verdade, o sistema tributário brasileiro, do jeito que ele é complexo, ele concentra ainda mais. Mas ainda bem que a gente cria bilionários e ricos. Porque o duro é se ficasse multiplicando miseráveis como acontece em outros países que erram ainda mais no sistema tributário. Então nós temos que ter um sistema tributário que seja pró-produção”.

Nesta sexta-feira (25), a partir das 14h, a comissão ouvirá representantes da educação e da economia digital em audiência pública interativa remota.

Reportagem - Sílvia Mugnatto
Edição - Geórgia Moraes

Fonte: Agência Câmara de Notícias


Decisão do STF impacta o planejamento de empresas familiares

Por Lucas Moreira Gonçalves

Planejamentos sucessórios devem visar, sempre, à implementação de uma estrutura jurídica e operacional eficiente e personalizada para cada tipo de empresa familiar. A partir do mapeamento dos problemas empresariais e dos anseios dos sócios, soluções societárias e tributárias passam a ser estruturadas, garantindo solidez e crescimento para as corporações.

Iniciando pelos aspectos societários, as premissas-chave a serem trabalhadas com os sócios e diretores envolverá o fortalecimento da cultura/visão da empresa e a definição de qual será a posição das novas gerações (herdeiros) na estrutura societária.

Aprovadas as bases da reorganização societária, o próximo passo será a implementação de sua arquitetura. Nesse processo é comum ocorrer a segregação de ativos da empresa operacional — aquela que exerce a atividade empresária central — e a constituição de novas sociedades com finalidades específicas. Por exemplo, a empresa operacional poderá ser controlada por uma holding pura (sociedade de participações), enquanto a administração patrimonial poderá ser realizada em estruturas jurídicas próprias, ou seja, uma holding patrimonial para a proteção e administração de imóveis e fundos de investimento; ou offshores para a gestão de recursos financeiros.

As holdings patrimoniais são uma estrutura apartada da operação e nelas serão integralizados os imóveis presentes no capital social das empresas operacionais (registrados no ativo imobilizado) e os que sejam de propriedade dos sócios — declarados no Imposto de Renda da Pessoa Física. Dessa forma, eles possuirão uma camada de proteção contra os riscos da atividade empresária dos sócios e poderão ser utilizados como meio de geração de receitas de aluguel, com tributação inferior aquela que é aplicável às pessoas físicas.

Adentrando no viés sucessório, as holdings pura e patrimonial serão os meios adequados ao processo de consolidação das doações das participações societárias, dos patriarcas aos herdeiros. Em tal fase do planejamento sucessório, é de suma importância uma análise dos efeitos do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCD), principalmente no atual momento, em que as alíquotas praticadas no país, entre 5% e 8%, podem ser ampliadas para 20%, em atenção aos projetos em tramitação no Congresso. Assim, para evitar o impacto fiscal de tal aumento, é recomendável que as famílias antecipem seus projetos de sucessão patrimonial.

Quanto às holdings patrimoniais, é importante distingui-las em dois tipos: as que têm atividade imobiliária (compra, venda e locação de imóveis) e as que não possuem. As primeiras deverão pagar o Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) no ato de integralização dos imóveis em seu capital social. Contudo, as receitas de locação a serem tributadas na pessoa jurídica possuem alíquotas bem menores do que as do Imposto de Renda aplicáveis às pessoas físicas. Em relação aquelas que não exerçam atividade operacional, a Constituição Federal, no artigo 156, assegura a imunidade do ITBI no processo de integralização dos imóveis no capital social.

O tema imunidade do ITBI adquiriu destaque nas últimas semanas após  julgamento do STF por meio do qual os ministros alteraram o sentido semântico do texto constitucional e firmaram entendimento no sentido de que a parcela do valor dos imóveis integralizados no capital social da empresa permanecerá isenta de pagamento do ITBI, mas a quantia destinada à formação da reserva de capital não será isenta, pois sua destinação "escapa à finalidade da norma".

Tal decisão parece contrariar diretamente a Constituição Federal, já que o citado artigo constitucional não restringe o conceito de patrimônio, dispondo que o ITBI "não incide sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica, salvo se, nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil". De todo modo, é certo que, por meio da referida decisão, o STF, em claro ativismo judicial, limitou o alcance da imunidade do ITBI.

No entanto, não foi objeto da decisão a análise da constitucionalidade do artigo 23 da Lei nº 9.249/95, que dispõe sobre a possibilidade de as pessoas físicas integralizarem os bens imóveis pelo valor constante em suas declarações de Imposto de Renda ou pelo valor de mercado dos bens ora integralizados. Dessa forma, os eventos de aumento de capital, que se valem dos valores dos bens declarados no imposto de renda das pessoas físicas, permanecem válidos e eficazes.

Todavia, já há municípios que, distorcendo o dispositivo constitucional e, agora, mal interpretando a própria decisão do STF, estão reavaliando os imóveis integralizados no capital das pessoas jurídicas. Logo, pretendem tributar, indevida e ilegalmente, pelo ITBI, a diferença entre o valor de mercado (reavaliação) e aquele que consta registrado no capital social (valor, geralmente, histórico do bem).

Os fatos demonstram a clara e desordenada tentativa dos entes governamentais em ampliar suas arrecadações e extinguir com todas as formas de planejamento tributário. Em detrimento dos abusos governamentais, medidas jurídicas serão adotadas para preservar a Constituição e o direito dos empresários.


Crédito de PIS e Cofins na aquisição de insumos sujeitos à entrega futura

Por Diego Diniz Ribeiro e Débora R. March

A Receita Federal do Brasil (RFB) e o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) debruçaram-se, em determinadas ocasiões, sobre as operações conhecidas como venda para entrega futura, com a finalidade de identificar o momento em que deve ser reconhecida a receita para fins de incidência das contribuições ao PIS e à Cofins. O ponto a ser abordado na coluna de hoje, todavia, é o passo seguinte da operação, i.e., o momento do correlato creditamento naquelas operações sujeitas à não cumulatividade.

Antes, todavia, de seguir adiante, mister se faz dar um passo atrás para distinguir duas operações, a saber: 1) venda para entrega futura; e 2) faturamento antecipado.

A primeira dessas operações, i.e., venda para entrega futura, decorre daquelas situações em que a há a venda de bens mantidos em estoque do alienante, com o imediato recebimento do pagamento, mas que só serão remetidos ao adquirente em um momento ulterior. Nesse cenário, o bem negociado não é imediatamente entregue ao seu adquirente por uma liberalidade sua, o que fica retratado na avença.

Por sua vez, as operações com faturamento antecipado são aquelas decorrentes da venda de produtos que ainda serão adquiridos ou produzidos pelo alienante e, por isso mesmo, ainda não existem em seu estoque, havendo, igualmente, recebimento do pagamento com posterior remessa dos bens ao adquirente. Aqui os bens comprados não são entregues ao adquirente porque é impossível fazê-lo, já que o alienante ainda não os possui ou ainda não os produziu.

Assim, para a devida compreensão da discussão, é pressuposto esclarecer que a controvérsia perpassa, primeiramente, em identificar o momento adequado para submeter tais valores à tributação por parte do vendedor, seja ele no instante: 1) do recebimento dos valores; ou 2) da remessa dos bens alienados.

A Coordenação-Geral de Tributação da RFB, em 16/1/2017, emitiu a Solução de Consulta nº 12, oportunidade em que concluiu que, em se tratando de hipótese de venda para entrega futura, a receita, para fins de incidência de contribuição ao PIS e de Cofins, deveria ser reconhecida, sob o regime de competência, no período em que celebrado o contrato. O momento relevante, portanto, seria o instante da celebração do negócio jurídico e não o momento da remessa do bem, nessa segunda hipótese.

Por sua vez, ainda segundo a citada solução de consulta, em se tratando de faturamento antecipado, a receita deveria ser reconhecida na competência em que o produto for adquirido ou produzido. O relevante, nesse caso, não é o momento da celebração do negócio jurídico, mas, sim, o átimo temporal em que há a aquisição/produção do bem previamente negociado.

Reforçando a conclusão adotada acima, em 17/10/2017, a Cosit também emitiu a Solução de Consulta nº 507, por meio da qual manifestou o entendimento de que "(n)a apuração da Contribuição para o PIS/Pasep pelo regime não cumulativo, as agroindústrias que vendem para entrega futura mercadorias resultantes da industrialização de sua própria produção devem reconhecer as receitas decorrentes dessas vendas no momento da celebração do contrato, quando o negócio se aperfeiçoa e o comprador torna-se proprietário dos referidos bens, e não no momento da transmissão da posse das mercadorias vendidas".

Feitos esses esclarecimentos, já possível agora se debruçar sobre o ponto central da coluna de hoje, ou seja, em que momento o adquirente do produto sujeito à uma operação de venda/aquisição para entrega futura pode creditar-se da contribuição ao PIS e à Cofins então incidentes, i.e., se no instante da celebração do negócio ou se no momento da efetiva entrada dos bens no estabelecimento do adquirente.

Mantendo coerência com as citadas soluções de consulta, a 2ª Turma Ordinária da 4ª Câmara da 3ª Seção do Carf, em 1/2/2018, por meio do Acórdão nº 3402­004.904 [1], analisou processo decorrente da glosa de créditos de contribuição ao PIS e de Cofins na hipótese de venda/aquisição para entrega futura.

No caso em análise e de acordo com a fiscalização, o adquirente só teria o direito ao crédito no efetivo momento da entrada dos bens em seu estabelecimento, sendo indevida, a seu ver, a apropriação de créditos com amparo nas notas fiscais decorrentes de compra para futuro recebimento.

Neste caso, com fundamento na já citada Solução de Consulta nº 507, por maioria de votos, refutou-se o posicionamento fiscal. Da leitura do voto vencedor [2] observa-se que o colegiado concluiu que a interpretação vigente e vinculante para os auditores da RFB para o artigo 3º, §3º, I, das Leis 10.833/03 e 10.637/02, em relação à venda para entrega futura, é que o fato gerador do direito ao crédito é a celebração do contrato, que marca a aquisição do bem, a despeito da transmissão se operar posteriormente.

Logo, se a celebração do contrato marca o momento em que a receita é auferida, neste instante também surge o correlato direito ao creditamento da contribuição ao PIS e à Cofins para o adquirente do bem negociado, ainda que sua entrega fique sujeita a um momento temporal futuro. Em idêntico sentido foi o teor do Acórdão nº 3402­004.905, de 1/2/2018.

Em 20/11/2018, julgando caso análogo ao tratado alhures, a 2ª Turma Câmara Superior de Recursos Fiscais, por unanimidade de votos, manifestou-se em sentido oposto ao que fora até então exposto, conforme se depreende do Acórdão nº 9303-007.629 [3]. Nessa oportunidade, o relator do caso [4] pautou-se na Solução de Consulta Disit/SRRF01 nº 50, de 2004 [5], ao argumentar que o creditamento só seria viável com a tradição da mercadoria adquirida.

O aludido voto ignora, entretanto, que a ratio da solução de consulta veiculada em 2004 e que lhe deu esteio, foi superada pelos fundamentos das outras soluções de consulta aqui mencionadas, ambas de 2017, afinal, não parece ser congruente que haja uma desconexão temporal entre os momentos do reconhecimento da receita e do correlato creditamento para uma mesmíssima operação empresarial.

É bem verdade que essa questão ainda foi pouco explorada no âmbito da CSRF, sendo possível, portanto, que com uma maior maturação do problema o entendimento então exarado seja revisto, especialmente para evitar uma notória incongruência entre tal posicionamento e as Soluções de Consulta nºs 12/2017 e 507/2017, bem como em relação à própria jurisprudência das turmas ordinárias daquele tribunal.


Fatura das dívidas adiadas começa a chegar para empresas

Prazo das parcelas começa a vencer em outubro. Para as empresas que conseguiram o Pronampe, pagamentos devem acontecer entre fevereiro e março do ano que vem

Com o faturamento ainda aquém dos níveis pré-pandemia e a demanda baixa, empresários priorizam o controle de custos e novas renegociações de crédito para sobreviver até o ano que vem. Além dos débitos que os bancos prorrogaram por até 180 dias – prazo que já começa a vencer a partir de outubro –, parcelas dos tributos adiados pelo governo e a volta do pagamento integral de aluguéis e da folha de salários também podem coincidir nos próximos meses e, segundo especialistas, aumentar os níveis de inadimplência.

Para as empresas que conseguiram pegar a primeira leva do Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte), entre junho e julho, os primeiros pagamentos devem acontecer entre fevereiro e março do ano que vem, quando acabam os oito meses de carência do programa.

José Ernesto Betteli, responsável pela área financeira do Mumbuca Buffet, em Palmas (TO), conseguiu tomar recursos do Pronampe, e a empresa deve ter fôlego para seguir com razoável tranquilidade até o fim deste ano. "A boa notícia é que a maioria dos nossos clientes não cancelou os seus eventos, só os adiou para 2021. Continuamos a segurar custos, e o Pronampe vai servir de capital de giro por um tempo", disse.Segundo a consultora de negócios do Sebrae-SP (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) Leidiane Lima, as medidas anunciadas pelo governo de acesso ao crédito para companhias, como o próprio Pronampe ou o crédito para pagar o salário de funcionários, foram positivas e ajudaram uma parcela importante de empresas a ter caixa para superar a crise, mas a maioria não terá recursos para cobrir as despesas dos próximos meses.

"A maior parte dos negócios não está com o caixa preparado. Todo o mundo fez o que pôde, mas muitos terão que partir para uma nova renegociação e, infelizmente, ainda vamos ver algumas empresas fechando as portas", afirmou.
Mesmo aqueles que conseguiram se preparar ainda enfrentaram dificuldades. Gerson Higuchi, dono do restaurante Apple Wood, no Jardim Anália Franco (zona leste de SP), afirma que se planejou com base em dois cenários: um otimista, que considerava que a pandemia terminaria entre junho e julho, e um pessimista, que projetava que a crise duraria até o fim do ano.

"Logo no começo eu já comecei a enxugar custos e cheguei a tentar quatro linhas de crédito. Negociamos boletos e aluguéis, aproveitei a deixa para adiar o pagamento de impostos, cancelei contratos com parceiros e prestadores de serviços e desliguei 15 das 20 pessoas da equipe", disse. "Também precisei afastar outras duas funcionárias essenciais, uma gestora e outra cozinheira, cujos cargos eu acabei assumindo."

Atualmente, Higuchi abre o salão do restaurante apenas de sexta a domingo. Seu faturamento está entre 10% e 30% dos níveis pré-pandemia. "Temos um planejamento para a fase de final de ano, mas, se eu disser que consegui fazer caixa, é mentira. É tudo baseado em negociação de contas, e o movimento não é constante: tem dias em que faço R$ 10, outros em que faço R$ 200. E eu já começo a ter receio de pegar crédito porque vou criar mais uma dívida. Pelo menos por enquanto, ainda que aos trancos e barrancos, a empresa está caminhando."

Para Vilson Borgmann, presidente do Sipcep (Sindicato da Indústria de Panificação e Confeitaria no Paraná), a maior preocupação é com aqueles que pegaram crédito bancário, com prazos menores e juros mais altos do que os oferecidos pelas linhas do governo. "Muitos tomaram crédito bancário porque ou pegava ou fechava. Nosso setor conseguiu se antecipar para a redução da jornada, o que ajudou a economizar, mas não existe sobra de dinheiro. Todos estão trabalhando no fio da navalha, e o medo é que as prestações comecem a chegar e que não haja faturamento para cobrir esses gastos."

Segundo o 11º boletim de tendências do Simpi (Sindicato da Micro e Pequena Indústria) com dados do Datafolha, 38% dessas empresas afirmam que não têm capital suficiente para fazer o giro dos seus negócios –e o acesso a crédito ainda afeta 8 em cada 10 micro e pequenas indústrias no estado de São Paulo. Apesar de os últimos dados da Febraban (Federação Brasileira de Bancos) apontarem que as instituições financeiras emprestaram cerca de R$ 1,8 trilhão de 1º de março a 21 de agosto, incluindo contratações, renovações e suspensão de parcelas, o acesso a esses recursos foi diferente para os diversos setores da economia, o que deve afetar a obrigação de pagamentos de parte considerável das empresas.
"O crédito demorou a vir e, quando veio, não atendeu a todos que precisavam dos recursos", disse o presidente da Alshop (Associação Brasileira dos Lojistas e Shopping), Nabil Sahyoun.

Nenhum dos quatro maiores bancos do país (BB, Bradesco, Itaú e Santander) havia se pronunciado até a publicação desta reportagem. "A maioria das empresas ainda precisa buscar capital de giro, renegociar contas, dívidas vindouras e até o aluguel da loja. Mas, com o faturamento ainda longe dos níveis pré-pandemia, a tendência é de aumento da inadimplência", disse Sahyoun. Isso inclui a quitação de tributos, apesar de o impacto ser menor em alguns setores, dado que o imposto é pago sobre o faturamento –que está baixo.

"Algumas empresas já começam a pagar os tributos adiados, mas, em muitos casos, não há preparo do caixa. É claro que, se há restrição de recursos, aspectos sociais, como salários, têm de ser privilegiados. Mas é preciso lembrar que a obrigação tributária não é flexível e traz multa, juro e correção", disse Eduardo Natal, sócio tributarista da Natal e Mansur Advogados.

Jorge Caetano, dono de dois restaurantes na zona norte da capital paulista, afirma que, mesmo tendo reduzido seu estoque pela metade, precisou aproveitar todas as oportunidades que teve para não diminuir o quadro de funcionários.
"Reduzimos jornada e antecipamos férias. Também peguei o crédito para pagamento da folha e o Pronampe, o que deu um fôlego. Agora, se conseguirmos pegar mais uma leva de recursos, vamos usar para antecipar o 13º [salário]."

Segundo o assessor econômico da FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens e Serviços de São Paulo) Guilherme Dietze, o que chega de crédito ao mercado tem ido principalmente para empresas que já começam a apresentar algum faturamento e possuem garantias. "Mas há discrepâncias. No varejo, por exemplo, uma coisa é falar do setor de vestuário, que não teve receita suficiente nos últimos meses. Outra é o setor de móveis e construção, cujo desempenho foi muito bom ante a adoção do home office", disse.

Para o vice-presidente da CDL (Câmara dos Dirigentes Lojistas) do Bom Retiro, Nelson Tranquez, o setor de varejo de roupas (predominante na região) tem uma expectativa mais otimista sobre os últimos meses do ano, com Black Friday, Natal e Ano-Novo.

"Estamos começando a retomar a produção, e a venda, gradativamente, e já começamos a ajustar os custos aos pouquinhos", afirmou. Alguns segmentos específicos, como turismo e serviços, que sentiram forte impacto da crise e ainda não retomaram completamente as atividades, devem sofrer por mais tempo.
Associações afirmam que ainda há uma grande preocupação em relação à sobrevivência dos pequenos negócios a médio e longo prazo.
Segundo João Emílio Padovani Gonçalves, gerente-executivo de política industrial da CNI (Confederação Nacional da Indústria), parte dessa preocupação também vem da heterogeneidade da retomada. "Falta sincronia. Muitas das empresas que querem ou precisam retomar agora não têm fornecedor ou porque fecharam ou porque ainda não estão em condições de produzir. Isso traz dificuldade de acesso à matéria-prima e custos mais elevados para o setor", disse.

Ainda de acordo com o levantamento do Simpi, 84% das micro e pequenas indústrias enfrentaram dificuldades com a alta de preços de matérias-primas e insumos. Além disso, 30% das companhias afirmaram que tiveram algum fornecedor que faliu ou entrou em recuperação judicial desde o início da pandemia.

Empresas de diversos setores têm se queixado de escassez ou reajustes excessivos de insumos. O aço, por exemplo, subiu até 35% desde julho, e uma nova alta é esperada para outubro. A alta do algodão já ameaça deixar as roupas mais caras, e o setor calçadista teme que falte produto para as vendas de fim de ano.

Pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) aponta que 47,6% das empresas consultadas relataram algum problema para obter insumos, matérias-primas ou mercadorias, principalmente devido à parada total ou parcial da produção no início da pandemia e à explosão de demanda com a volta gradativa das atividades.

No caso do material de construção civil, a falta de insumos atinge 55% das empresas do setor, e empresários já são obrigados a adiar a entrega de obras devido à escassez de itens como louça sanitária.

"Há uma sensação de que o cenário melhora em relação ao que era, mas ainda estamos longe do nível pré-pandemia. Com todo esse cenário de acúmulo de dívidas, a tendência é que vejamos níveis maiores de desemprego e um cenário ainda mais preocupante no fim deste ano e no começo de 2021", afirmou o presidente do Simpi, Joseph Couri.


Governo e líderes decidem apoiar derrubada de veto à desoneração da folha de empresas

O governo e líderes da base aliada no Congresso Nacional decidiram apoiar a derrubada do veto do presidente Jair Bolsonaro à prorrogação da desoneração da folha de pagamento de 17 setores intensivos em mão de obra da economia.

A decisão foi tomada após um diagnóstico, em reuniões entre a noite de terça-feira (22) e a manhã desta quarta (23), de que a derrubada é inevitável.

O governo não conseguiu, em dois meses de negociação, reverter a posição majoritária de senadores e deputados que defendem manter a desoneração por mais um ano.

Em troca do veto, que deve ser derrubado no Congresso na próxima semana, o governo corre para finalizar uma proposta que agregue um novo tributo, nos moldes da antiga CPMF, e uma desoneração mais ampla para todos os setores da economia – mas de forma escalonada.

Por essa proposta, o percentual de desconto nos tributos que incidem sobre a folha seria maior para salários mais baixos.

Sem lutar para manter o veto, os líderes argumentam que têm mais chances de receber apoio para essa ideia.

Seria a segunda fase da reforma tributária, que o governo pode enviar ainda nesta semana ao Congresso. Na primeira fase, foi proposta apenas a unificação do PIS e da Cofins.

O plano pode incluir ainda a ampliação do limite de isenção do Imposto de Renda Pessoa Física, dos atuais R$ 1,9 mil para R$ 3 mil. A cifra ficaria, assim, mais próxima da promessa de campanha de Jair Bolsonaro.

Resistência ao novo imposto

A proposta de uma nova tributação ainda sobre muita resistência no Congresso. O presidente da comissão mista da reforma tributária, senador Roberto Rocha (PSDB-MA), afirmou nesta quarta que "não há clima" para aprovar esse imposto.

Rocha também disse que a ideia pode "contaminar" as discussões no Congresso, ou seja, atrapalhar o debate de outros pontos. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, também segue com posição contrária à nova CPMF.

A proposta do governo, caso aprovada, tem impacto na geração e na manutenção de empregos, em um momento em que dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) demonstram crescimento da população desempregada.

Nesta quarta, ao sair de uma reunião no Palácio do Planalto, o ministro Paulo Guedes afirmou que os focos do governo são "emprego e renda".

O novo programa de renda básica, entretanto, não poderá ser pago com recursos do novo imposto. Isto, porque a regra do teto de gastos determina que novas despesas, como a criação de um Bolsa Família reforçado, só podem ser criadas de forma permanente se houver corte nos gastos já existentes.


Nova CPMF pode contaminar reforma tributária, diz presidente de comissão

Segundo o senador Roberto Rocha, presidente da Comissão Mista da Reforma Tributária no Congresso, "não há ambiente político para discutir nova CPMF"

O senador Roberto Rocha (PSDB-MA), presidente da Comissão Mista da Reforma Tributária no Congresso Nacional, disse que “não há ambiente político” para a recriação da CPMF. Segundo ele, a medida poderia “contaminar” a reforma. A declaração ocorreu no Palácio do Planalto, momentos antes de ele se reunir com o presidente Jair Bolsonaro, ministros e líderes do governo. No encontro, além da reforma tributária, foram discutidas formas de financiamento para o novo programa social que o governo pretende criar.

“Na realidade, não é criar um imposto o que o governo quer, o governo quer é desonerar a folha de pagamento das empresas. E a maneira que ele encontra para desonerar a folha é criando essa movimentação financeira. Ou faz assim, ou aumenta o IVA, elevando a carga tributária. Mas esse é um assunto delicado, que não me parece oportuno discutir neste momento", explicou.

De acordo com Rocha, “não há ambiente político” para discutir o tema, e insistir na medida poderá ainda “contaminar” o avanço da reforma.

"Acho que não (chega ao Congresso a discussão da nova CPMF). É muito delicado esse tema. Isso pode de algum modo contaminar a reforma. Não há ambiente político para discutir esse assunto", concluiu.
O relatório com a proposta de reforma tributária deverá ser apresentado na semana que vem, a depender do andamento das discussões.

Pouco tempo depois, o ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que o governo federal decidiu apresentar o restante da sua proposta de reforma tributária ao Congresso. O texto deve propor a criação de um novo imposto de base ampla que incida sobre as transações digitais, nos moldes da antiga CPMF, tributo que, segundo o ministro, vai permitir a desoneração da folha de pagamento das empresas.

O líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), reforçou que o presidente Jair Bolsonaro "autorizou que pudéssemos instrumentalizar a reforma tributária, para que o líder Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), o relator e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), possam discutir o texto completo com as contribuições do governo".

"Vamos avançar com a reforma, estamos costurando acordos, construindo soluções", reforçou Guedes, que já havia se reunido com Barros e líderes partidários na terça-feira (22/09) para tentar buscar apoio à proposta da equipe econômica.

No entanto, ciente da resistência de Maia e de boa parte do Congresso em relação à proposta de Guedes de criar um imposto similar à antiga CPMF, Barros destacou que não haverá aumento de carga tributária.

“Reafirmamos nosso compromisso com o teto de gastos e o rigor fiscal. Nenhuma proposta que será encaminhada vai tratar dessa questão. Estamos buscando dentro do orçamento recursos para poder avançar nos programas e se houver a necessidade, faremos uma substituição tributária, mas não haverá aumento de carga tributária. Esses pressupostos precisam ficar claros, não tem aumento de carga tributária, tem compromisso com o teto de gastos e com a responsabilidade fiscal”, concluiu.


A complexidade de uma reforma tributária no Estado

Sem apoio dentro e fora da Assembleia Legislativa, não restou ao governador Eduardo Leite (PSDB) senão pedir a retirada da proposta de reforma tributária para o Rio Grande do Sul. O governador acabou aceitando que o tema é complexo e que é necessário, como lideranças e parlamentares pediam, mais discussões que evitassem uma decisão errada.
A Federação das Associações Comerciais (Federasul) e a Federação das Indústrias (Fiergs) explicitaram o que desejam, com debate amplo, para a modernização e facilitação empresarial no Estado.
Há consenso de lideranças do comércio de que o Rio Grande do Sul precisa se modernizar e voltar a atrair investimentos, reter talentos, inovar em modelos de negócio que só se estabelecerão no Estado se o ambiente for amigável e competitivo. E isso envolve empresas de todos os setores, como indústria, comércio, serviços, agronegócio e, com bastante peso, em novas tecnologias.
Mas, na defesa dos projetos, o governo explicou que como conjunto de propostas estruturantes, a reforma tributária buscava uma redistribuição da carga tributária para garantir maior justiça tributária, reduzindo o imposto sobre o consumo (ICMS) e compensando parte das perdas com o aumento da tributação sobre o patrimônio (IPVA e (ITCD).
Com a retirada da proposta, caso nada seja aprovado até 31 de dezembro, as alíquotas de ICMS majoradas voltarão ao patamar de 2015 automaticamente - de álcool, gasolina, energia e telecomunicações de 30% para 25%, e a alíquota modal, de 18% para 17%. Com isso, o Estado perderá R$ 2,85 bilhões por ano de arrecadação, dos quais R$ 850 milhões são dos municípios.
Ao retirar a proposta, o governador acentuou que não será o governo nem ele que pagarão a conta. Frisou que o preço será pago especialmente pelos gaúchos mais pobres, que precisam de um Estado que tenha capacidade de prover serviços para a educação dos seus filhos, para a segurança dos seus patrimônios, para a assistência nos hospitais e postos de saúde dos municípios, caso não seja aprovada na Assembleia proposta que mantenha a capacidade de arrecadação do Estado e municípios.
Agora, cabe aos deputados apresentarem uma nova fórmula para o governo do Estado sair da sua já tradicional falta de recursos, piorada com a pandemia.
O que deve ficar claro é que o Estado precisa sim de uma reforma tributária. Se tiver consenso em torno dela, no Legislativo e entidades, será ótimo para todos.

LGPD: Mais uma empresa é questionada sobre proteção de dados na Justiça

Menos de uma semana depois de ser sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais foi utilizada para um estudante acionar a Justiça pelo direito da usar o bilhete eletrônico "VEM Estudante" no Recife. Beneficiário da meia entrada, o reclamante não consegue utilizar o transporte público por não ter feito cadastramento de biometria facial. A reportagem é do portal Conjur.

Ao ser informado da necessidade do cadastramento, o estudante questionou o funcionário da empresa sobre a política de proteção de dados da empresa, que administra o sistema, e não foi informado sobre o regramento. Impossibilitado de ter acesso ao benefício, decidiu ajuizar ação na 18ª Vara Cível do Recife. Na inicial, alega que o impedimento do uso do cartão sem os devidos esclarecimentos sobre a política de dados da operadora do sistema desrespeita o artigo 1 da LGPD.

"Esta Lei dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural."

O reclamante também argumenta que a classificação do dado biométrico como sensível não deriva apenas da lei, "mas à própria proteção que deve ter o seu fornecimento, já que é a biometria que consegue nos identificar como indivíduos".

O advogado Denes Menezes, que representa o estudante na ação, afirma que a questão é abrangente, já que muitas empresas ainda não estão preparadas para obedecer a LGPD. "O direito à intimidade e à proteção de dados é reconhecido já como um direito fundamental, já presente na legislação consumerista, e a LGPD veio para dar força a sua aplicação", justifica. Entre os pedidos formulados na inicial está o recadastramento imediato sem a biometria facial até que a ação seja julgada e citação das partes demandadas.


Você tem controle sobre os seus dados pessoais?

 

Advogado George Wieck da Costa & Wieck Advogados Associados e DPO da Assespro/RS

A Lei Geral de Proteção de Dados - LGPD (Lei 13.709/18), além de representar um importante marco regulatório para a proteção de dados pessoais, demonstra a preocupação do legislador brasileiro em gerar maior segurança jurídica às transações realizadas em ambiente digital. Porém, engana-se quem pensa que a LGPD se destina apenas ao ramo tecnológico. A proteção de sados imposta pela lei não faz qualquer distinção entre as empresas, quer seja quanto ao seu porte ou área de atuação.
A vigência da LGPD estava agendada para iniciar em agosto de 2020. Entretanto, a MP nº 959/2020 postergou a sua vigência para maio de 2021. Ocorre que, em 26 de agosto de 2020, o Senado Federal aprovou a conversão da MP em Lei, mas retirou o seu artigo 4º que justamente previa o adiamento da entrada em vigor.
Dessa forma, o projeto de lei foi encaminhado para sanção ou veto do presidente. Porém, independentemente da sua sanção ou veto, a vigência da lei está confirmada, de forma retroativa, para 14 de agosto de 2020, sendo que as suas penalidades passarão a ser impostas a partir de agosto de 2021 (fato que não afasta a imediata necessidade de adequação uma vez que outras penalidades poderão ser impostas).
Os benefícios trazidos pela LGPD são inúmeros. A proteção de dados terá que fazer parte da cultura das empresas. A adequação ao novo regramento fará com que a privacidade de dados seja um importante ativo empresarial.
Quais os dados protegidos pela LGPD? A Lei se refere aos Dados Pessoais e aos Dados Sensíveis. Dado Pessoal é toda e qualquer informação relacionada à pessoa natural identificada ou identificável. Os Dados Sensíveis são dados pessoais que a LGPD atribuiu necessidade ainda maior de proteção (origem racial ou étnica, opinião política etc). A LGPD não é aplicada quando estivermos diante de dados anônimos ou anonimizados e aos dados que não se refiram à pessoa natural.
Como se adequar à LGPD? A jornada de implantação consiste, inicialmente, no mapeamento dos dados e entrevistas com todos os setores da empresa pelos quais os dados trafegam. A criação de um comitê multidisciplinar auxiliará muito, apesar de não ser requisito para a implantação.
A elaboração da política de privacidade de acordo com os regramentos trazidos pela lei também é necessária. Aliás, a política de privacidade tem vital relevância, pois demonstrará aos clientes como a empresa lida com a proteção dos dados pessoais.
Além disso, a implantação necessita de uma adequação dos contratos firmados com os parceiros e empresas terceirizadas uma vez que a responsabilidade civil imposta pela LGPD é solidária entre os agentes. Portanto, toda a cadeia de relacionamento da empresa também deverá realizar a adequação.
Segundo a LGPD, a privacidade deve ser observada e protegida desde a concepção do projeto, produto ou serviço (Privacy by Design). Não se admite projetar um novo produto ou serviço sem que a privacidade dos dados pessoais seja o elemento central do projeto.
Outra imposição legal reside na obrigatoriedade de contratação do Encarregado de Proteção de Dados, ou DPO (Data Protection Officer). Esse profissional será o canal de comunicação entre a empresa, titulares dos dados e a Agência Nacional de Proteção de Dados.
A LGPD não é um obstáculo ao crescimento econômico, mas sim um grande avanço e, acima de tudo, uma necessidade neste mundo cada vez mais digitalizado. Não tem por objetivo impedir a circulação de dados, mas tornar mais ética a forma como os nossos dados pessoais são tratados. A sua implantação é um tanto complexa e necessita ser feita por profissional especializado em LGPD e em Proteção de Dados para que o trabalho seja realizado corretamente.