O desafio do emprego é mundial e afetará desde pequenas economias até potências globais. Embora as nações emergentes tenham a vantagem de oferecer mão de obra mais barata – o que levará a um processo mais lento de substituição de pessoas por máquinas ou ferramentas de inteligência artificial –, nações como o Brasil perdem no quesito qualificação. E, segundo especialistas, só ações de treinamento garantirão que o País possa gerar, nos próximos anos, vagas para atividades que hoje inexistem.
Embora já seja possível perceber o fechamento de vagas em setores que concentram grande quantidade de mão de obra no País, a corrida pelo conhecimento para postos mais qualificados caminha em velocidade inferior à de outras economias, incluindo latino-americanas. Hoje, 68% dos executivos brasileiros dizem ter dificuldade para achar pessoal qualificado para posições-chave. É um índice bem superior ao que se registra na Argentina (40%), na Costa Rica (40%) e no México (38%), aponta a McKinsey.
“A situação do mercado de trabalho é complexa”, diz Paulo Feldmann, professor de Economia da Universidade de São Paulo que se dedica à questão da automação há mais de 30 anos. “As funções que têm um padrão claro na tomada de decisões poderão ser substituídas por um computador.”
Enquanto há quem argumente que o homem sempre tenha conseguido manter sua relevância ao longo de séculos de inovações tecnológicas, Feldmann afirma que a situação atual representa uma clara ameaça à relevância humana. “Estamos falando de uma geração muito mais sofisticada de robôs e de softwares de inteligência artificial de alta capacidade cognitiva”, diz o professor da USP.
A escassez de empregos já faz estudiosos de todo o mundo pensarem em alternativas à geração de renda tradicional. Feldmann diz que, entre as possibilidades aventadas, estão a redução da jornada de trabalho – remédio que, segundo ele, já se revelou pouco eficaz – e a criação de programas de renda mínima. “É preciso debater a questão, pois os efeitos sociais da falta de atividade são seriíssimos.”
Enquanto se queixam da falta de preparação do trabalhador, as empresas brasileiras investem pouco na própria mão de obra. Um levantamento da Accenture mostra o Brasil na “lanterna” quando o assunto é a intenção de ampliar os esforços internos de capacitação de profissionais. A pesquisa mostra que, atualmente, 51% das companhias nacionais pretendem ampliar o valor aplicado em treinamentos. É um número inferior a mercados desenvolvidos, como EUA (72%) e Reino Unido (79%). O Brasil também perde para emergentes como a Índia, onde a intenção de ampliar os valores aplicados em recursos humanos é de 66%.
As vantagens competitivas do Brasil
Apesar da pouca disposição das empresas locais em investir nos funcionários e de dados da McKinsey apontarem a possibilidade de eliminação de até 14% dos empregos nacionais nos próximos 12 anos, a Accenture vê algumas vantagens competitivas do Brasil nessa nova era dos empregos digitais, como a força de trabalho relativamente jovem, a capacidade de enfrentar crises e de adaptação a dificuldades.
Embora admita que existe um forte desafio de base educacional no País, Matthew Govier, diretor executivo da Accenture Strategy, pondera que a presença do brasileiro em meios digitais e a tendência ao empreendedorismo podem ajudar o trabalhador local nessa “passagem” para a era da inteligência artificial. “Acredito que o processo (de substituição tecnológica) será gradual.”
A McKinsey também cita a presença do brasileiro na internet, especialmente em redes sociais, como possível fator positivo nessa “ponte” para a economia digital. Sócia da McKinsey, Fernanda Mayol ressalva, porém, que o tempo online precisa ser gasto em plataformas profissionalmente úteis, que permitam troca de informações e acesso a tendências de mercado. “Já se sabe que no futuro todos os profissionais terão de se reinventar três vezes na carreira.”
Fernando Scheller, O Estado de S.Paulo