Por Marco Aurélio Serau Junior

No dia 22.3.2020 foi editada a Medida Provisória 927, destinada a promover alterações na CLT com o intuito de propiciar uma regulação jurídica mais adequada à situação econômica derivada das medidas de isolamento social voltada ao combate da Covid-19.

A MP 927 se soma, nesse esforço, à Lei 13.979/2020, que já havia previsto as faltas justificadas em virtude desse motivo, bem como à MP 928/2020, que lhe alterou parcialmente, revogando uma nova modalidade de suspensão contratual.

Essas novas normas trabalhistas foram editadas em meio a um cenário bem específico: a incerteza sobre o alcance, efeitos e duração da pandemia proporcionada pela Covid-19; fechamento compulsório de inúmeros estabelecimentos comerciais e atividades econômicas; migração imediata de inúmeras atividades de trabalho para o formato de teletrabalho (popularmente conhecido como homeoffice); e esse conjunto todo apontando para uma possível recessão econômica aguda e demissões em massa.

O grande desafio dos novos diplomas trabalhistas consiste em conciliar as preocupações sobre adequar a regulação dos contratos de trabalho a este cenário drástico com os princípios basilares do Direito do Trabalho, em geral consagrados no Texto Constitucional, em particular a ideia de proteção aos trabalhadores.

Nesse escopo, o artigo 3º da Medida Provisória 927/2020 introduziu diversas medidas trabalhistas destinadas à adaptação da CLT a estes tempos estranhos, decorrentes do combate à epidemia da Covid-19: teletrabalho (I); antecipação de férias individuais e concessão de férias coletivas (II e III); aproveitamento e a antecipação de feriados (IV); ampliação da metodologia de banco de horas (V); suspensão de certas exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho (VI), e o diferimento do recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS.

Algumas são objeto de severas críticas por parte da doutrina especializada, especialmente a ideia de abandono da negociação coletiva (ao arrepio da literalidade do texto constitucional) e a proposta inicial (do revogado artigo 18, da MP 927) de suspensão do contrato de trabalho, que parece ser o caminho mais adequado (diante do cenário econômico adverso), mas que não contemplava nenhuma política econômica de complementação de renda a cargo do Estado — em substituição à remuneração paga pelo empregador -, tal qual o modelo adotado por inúmeros países.

Trataremos neste artigo do diferimento do recolhimento das contribuições mensais ao FGTS (art. 3º, VIII, da MP 927).

As empresas poderão recolher o FGTS em outro momento economicamente mais oportuno, nos limites expressados pela Medida Provisória 927/2020.

Embora o FGTS constitua um importante patrimônio dos trabalhadores, tanto do ponto de vista individual (propiciando uma garantia econômica nas hipóteses de desemprego involuntário) como no aspecto social (como financiador de outras políticas públicas, em particular os programas de habitação), cremos que essa medida de extrafiscalidade vem bem a calhar para o momento, que exige adaptações. O artigo 19 da MP 927/2020 dispõe o seguinte:

Art. 19.  Fica suspensa a exigibilidade do recolhimento do FGTS pelos empregadores, referente às competências de março, abril e maio de 2020, com vencimento em abril, maio e junho de 2020, respectivamente.

Fica nítido que o artigo 19 da MP 927 introduz uma figura de moratória tributária, conforme previsão do artigo 151, I, do CTN, e regulamentação constante nos artigos 152 a 155, do mesmo diploma legal. Segundo Hugo de Brito Machado:

“Moratória significa prorrogação concedida pelo credor, ao devedor, do prazo para pagamento da dívida, de uma vez ou parceladamente.
No Direito Tributário também é assim. Moratória é prorrogação do prazo para pagamento do crédito tributário, com ou sem parcelamento.”
(Curso de Direito Tributário, 20ª ed., S. Paulo: Malheiros, 2002, p. 155-156)

Os empregadores poderão fazer uso dessa prerrogativa independentemente: do número de empregados; do regime de tributação; de sua natureza jurídica; do ramo de atividade econômica; e de adesão prévia (artigo 19, p. único).

As contribuições para o FGTS relativas às competências de março, abril e maio de 2020 poderão ser parceladas, sem a incidência da atualização, da multa e dos encargos previstos na Lei 8.036/90. Porém, eventual inadimplemento destas parcelas de FGTS submeterá o empregador ao pagamento de multa e de mais encargos já mencionados, bem como ensejará o bloqueio do certificado de regularidade do FGTS (arts. 23 e 24 da MP 927). Ainda quanto a isso, os prazos dos certificados de regularidade do FGTS emitidos anteriormente à data de vigência da MP 927 serão prorrogados por 90 dias.

No dizer de Paulo de Barros Carvalho, a suspensão proporcionada pela moratória é apenas da exigibilidade do crédito, não do próprio crédito tributário (Curso de Direito Tributário, 14ª ed., S. Paulo: Saraiva, 2002). Assim, eventual inadimplemento constatado no momento de retorno da exigibilidade desses créditos do FGTS ensejará as penalidades tributárias acima mencionadas.

Os prazos prescricionais relativos às contribuições do FGTS ficam suspensos por 120 dias contados da data de vigência da MP 927/2020. Inclusive é relevante acrescentar que os parcelamentos de débito do FGTS em curso, com parcelas a vencer nos meses de março, abril e maio, não impedirão a emissão de certificado de regularidade do FGTS.

Por fim, observe-se que durante o período de 180 dias, contados do início da vigência da MP 927, os prazos processuais para apresentação de defesa e recurso administrativos no âmbito de autos de infração trabalhistas e notificações de débito de FGTS ficam suspensos. Outrossim, nesse mesmo período, não ocorrerá (em relação ao recolhimento de contribuições ao FGTS) a atuação dos Auditores Fiscais do Trabalho do Ministério da Economia (arts. 28 e 31).

A MP 927/2020 também trouxe medidas protetivas aos trabalhadores e estabelece que, na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, a suspensão do recolhimento das contribuições ao FGTS é resolvida, isto é, deixa de ocorrer, e o empregador ficará obrigado ao recolhimento dos valores correspondentes, sem incidência da multa e dos encargos monetários. Além disso, será devido o depósito de 40% nos casos de despedida sem justa causa e de 20% nos casos de culpa recíproca.

A MP 927/2020 não faz menção expressa à hipótese de multa do FGTS no patamar de 20% prevista pela rescisão contratual consensual (conforme artigo 484-A, da CLT). Todavia, por interpretação analógica e sistemática da legislação trabalhista, cremos que não há impedimento algum para que isso ocorra.

 

[1] Professor da UFPR – Universidade Federal do Paraná, nas áreas de Direito do Trabalho e Direito Previdenciário. Doutor e Mestre em Direitos Humanos (USP).