O ano era 1954. O local: San Bernardino, Califórnia, então uma cidade tranquila à beira do deserto, cerca de 80 quilômetros a leste de Los Angeles.
Kroc vendia máquinas de milk-shake e Richard e Maurice (Mac) McDonald estavam entre seus melhores clientes.
O restaurante dos irmãos McDonald era pequeno, mas vendia muitos milk-shakes.
Apesar da insistência de Kroc, a dupla não queria abrir mais restaurantes, e Mac explicou o porquê: "Nós nos sentamos na varanda à noite e assistimos o pôr do sol. É a paz".
Abrir mais filiais seria uma dor de cabeça —viajar por aí, encontrar locais, arrumar gerentes, ficar em hotéis. Por quê? Eles já estavam ganhando mais dinheiro do que podiam gastar.
Isso não fazia sentido para Kroc. "A abordagem deles era totalmente estranha ao meu pensamento", recordou mais tarde.
Então ele convenceu os irmãos a deixá-lo expandir sua cadeia de restaurantes. Quando Kroc morreu, três décadas depois, o McDonald's tinha milhares de restaurantes —e um faturamento de bilhões de dólares.
O que mostra que os empreendedores de sucesso não são todos iguais. Eles têm talentos diferentes e querem coisas diferentes.
Tome como exemplo Dick e Mac. Eles foram brilhantes em descobrir maneiras mais eficientes de fazer hambúrgueres.
Como John F. Love observa em seu livro "McDonald's: Behind the Arches" (McDonald's: por trás dos arcos, em tradução livre), os irmãos trabalharam com um artesão local para inventar um novo tipo de espátula, um novo aparelho que sempre esguichava a mesma quantidade de ketchup e mostarda e uma plataforma giratória para acelerar o processo de montagem de hambúrguer, pão e condimentos.
O que Henry Ford fez pelos carros, os irmãos McDonald fizeram pelos hambúrgueres e batatas fritas: eles dividiram os processos em tarefas simples e repetitivas.
Batizaram esse sistema revolucionário, em que aplicavam os princípios da linha de produção ao fast-food, de 'Speedee Service System'.
Ou seja, eles passaram a produzir alimentos de maneira rápida, barata e consistente. Não havia nada parecido.
Mas quando se tratava de ampliar seus horizontes, os irmãos aparentemente eram bastante ignorantes.
Quando os concorrentes começaram a tentar entender o sucesso da dupla, Dick e Mac zombavam deles. Quando alguém lhes perguntava sobre aqueles engenhosos dispensadores de condimentos, eles comentavam sem meias palavras sobre seu amigo artesão. Nenhum deles se deu ao trabalho de patentear o design.
Com o crescente interesse do público, os irmãos começaram a vender franquias.
Por uma taxa única, você poderia comprar cópias da lanchonete, com os arcos dourados, uma descrição de 15 páginas do "Speedee Service System" e treinamento de uma semana. Depois disso, ficaria por conta própria.
Dick e Mac não esperavam que eles servissem o mesmo cardápio ou usassem o mesmo nome. Quando o primeiro deles disse que também chamaria seu novo restaurante de "McDonald's", Dick respondeu: "Por que diabos?"
Nesse cenário entra um homem com diferentes habilidades e desejos.
Ray Kroc estava na casa dos 50 anos e tinha problemas de saúde, incluindo diabetes e artrite.
Mas ele gostava mais de dinheiro do que do pôr do sol pacífico e adorava a vida na estrada.
Mais tarde, Kroc escreveu que "encontrar locais para o McDonald's é a coisa mais gratificante que posso imaginar".
Da mesma maneira que os irmãos repensaram as batatas fritas, Kroc iria repensar o conceito de franquia.
A ideia em si não era nova. A palavra "franquia" vem do francês antigo "franche", que significa "livre" ou "isento".
Em épocas passadas, um monarca poderia ter lhe concedido uma franquia que lhe daria o direito exclusivo de fazer uma determinada coisa —vender armadura ou administrar um mercado de gado -, em uma área definida e por um tempo determinado.
No século 19, por exemplo, você poderia ter comprado o direito exclusivo de vender máquinas de costura Singer em sua região.
Atualmente, as operações de franquia estão por toda parte: em hotéis, em lojas de aluguel de carros e até supermercados.
Origem
A ideia da franquia de formato comercial parece ter começado na década de 1890 com a canadense Martha Matilda Harper.
Ela construiu uma rede internacional de salões de beleza. Ex-criada, suas franquias transformaram a vida de muitas outras.
Mas foi o fast-food da década de 1950 que deu à franquia sua forma moderna, não apenas com o McDonald's, mas também com o Burger King, o Kentucky Fried Chicken (KFC) e outras marcas hoje esquecidas.
A grande sacada de Kroc foi a importância da padronização.
Não se vendia apenas o direito de usar o nome da empresa e aprender seus métodos —era preciso impor que as coisas fossem feitas de uma certa maneira.
O McDonald's abriu um centro de treinamento em tempo integral, a "Hamburger University", que treinava estudantes em vários assuntos, entre os quais, qual tipo de batata comprar.
Os fiscais escreviam relatórios de 27 páginas sobre se os franqueados cozinhavam os alimentos nas temperaturas certas e mantinham os banheiros limpos.
À primeira vista, o apelo não é óbvio.
Você não gostaria de criar sua própria marca e desenvolver seu próprio menu? Por que pagar à empresa McDonald's US$ 45 mil (R$ 191 mil) mais 4% das vendas brutas, apenas para que ela possa enviar um fiscal para vê-lo lavar seus próprios banheiros?
Bem, muito do que você está pagando é o benefício do uso da marca —e, se você estiver sendo monitorado para garantir que não corra riscos que danifiquem a marca, poderá se sentir seguro de que seus colegas franqueados também serão.
Quanto ao franqueador, por que não possuir e operar novas agências? Muitas empresas fazem as duas coisas —o McDonald's possui cerca de 15% de seus 36 mil pontos de venda.
Mas os franqueados trazem muito para a empresa, como dinheiro vivo: um restaurante do McDonald's pode custar mais de US$ 1 milhão (R$ 4,2 milhões) para ser lançado.
Os franqueados também fornecem conhecimento local, especialmente importante se você estiver expandindo para um novo país com uma cultura desconhecida.
E há motivação: um gerente-proprietário com seu próprio dinheiro em jogo pode se esforçar mais para manter os custos baixos do que um gerente com um salário corporativo.
O economista Alan Krueger encontrou evidências que sustentam essa teoria: trabalhadores e supervisores de turno aparentemente ganham mais em estabelecimentos de fast-food pertencentes à empresa do que em franqueados.
Obviamente, ambos os lados correm algum risco. O franqueador precisa confiar que o franqueado trabalhará duro; o franqueado precisa confiar que o franqueador criará e anunciará novos produtos interessantes.
Quando os dois lados se preocupam com o outro lado, isso é conhecido como risco moral duplo. Um ramo da economia chamado Teoria da Agência tenta entender como os contratos de franquia resolvem esse problema por meio de uma combinação de taxas iniciais e pagamentos percentuais.
Mas parece funcionar, talvez porque —como Kroc e os irmãos McDonald – diferentes empreendedores desejem coisas diferentes.
Algumas pessoas querem a liberdade de administrar seus próprios negócios no dia a dia, mas não estão interessadas em desenvolver produtos ou construir uma marca.
Um dos primeiros franqueados dos irmãos McDonald decidiu que ele não gostava muito dos arcos dourados, então ele contratou pessoas para torná-los pontudos e nomeou seu restaurante "Peaks" (picos, em inglês).
Aqueles eram tempos livres. Atualmente, é mais provável que a divisão do trabalho empresarial seja tão organizada e rígida quanto um carrossel cheio de hambúrgueres.
*O autor escreve a coluna Undercover Economist do jornal britânico Financial Times. A série As 50 coisas que fizeram a Economia Moderna é transmitido no Serviço Mundial da BBC