O americano Brian Moynihan, presidente do Bank of America, disse recentemente que, agora, o emprego como CEO inclui investir seu tempo pessoal naquilo que traga retorno para a sociedade. “Não é exatamente ativismo político, mas ações em questões que vão além dos negócios”. É difícil precisar quando esse fenômeno teve início, mas empresários e executivos começaram a assumir, publicamente, posição em questões políticas e sociais. Temas controversos não são mais um tabu para os líderes corporativos. Nos Estados Unidos, eles têm sido extremante ativos desde a posse de Donald Trump.
Assim que o presidente anunciou que proibiria a entrada de imigrantes de sete países predominantemente muçulmanos, no ano passado, os CEOs de cerca de 100 empresas de tecnologia, como Tim Cook, da Apple; Mark Zuckerberg, do Facebook; além de Bill Gates, fundador da Microsoft, se manifestaram contra a medida de restrição à imigração. Outro exemplo aconteceu quando o estado da Carolina do Norte afirmou que, por lei, iria segregar o uso do banheiro por transsexuais. Dan Schulman, CEO do PayPal, cancelou os planos de abrir um centro global de operações em Charlotte, que teria criado mais de 400 empregos. Muitos de seus pares tomaram decisões parecidas, o que provocou uma perda estimada de US$ 3,7 bilhões em investimentos.
Esse movimento global também está presente no Brasil. Não é exagero colocar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff como um marco dessa transformação no País. Desde 2015, quando o cenário político brasileiro ficou turbulento e a economia nacional mergulhou em uma profunda crise, os executivos e empresários brasileiros passaram a se expressar sem medo de desagradar clientes ou acionistas. “Eu passei a minha vida inteira fugindo da política, nem querendo chegar perto. Hoje, eu acho isso errado”, disse o empresário Jorge Paulo Lemann, em um evento da Fundação Estudar, que é mantida por ele, em 2016. “A minha esperança é que os princípios da Fundação, a meritocracia, o pragmatismo, o escolher gente boa, sejam adotados pelo País, pelo governo. Espero que um futuro presidente brasileiro venha da Fundação.”
O fundador do 3G Capital, que é sócio do Burger King, da AB InBev e da Kraft Heinz, deu o exemplo e arrastou outros CEOs. Desde então, diversas iniciativas de mobilização começaram a aparecer. A mais recente é capitaneada por Rubens Menin, fundador da MRV Engenharia. Na segunda-feira, 27 de agosto, o movimento “Você muda o Brasil” foi apresentado em um grande evento em São Paulo. Apesar de o incentivo ao voto consciente ter sido tema do primeiro encontro, o objetivo é discutir o desenvolvimento da sociedade civil. O que antes era feito a portas fechadas, desde a semana passada passou a ser público.
Nos últimos dois anos, Menin vem se reunindo com executivos como Paulo Kakinoff, da GOL Linhas Aéreas; Walter Schalka, da Suzano; Jefferson de Paula, da ArcelorMittal; entre outros, para refletir sobre o País e buscar soluções que possam impactar o maior número possível de pessoas. “O momento de divisão que o Brasil vive não é bom, com essa confusão na gestão pública envolvendo a corrupção de determinados grupos empresarias”, diz o fundador da MRV. “O Brasil tem pressa. As lideranças empresariais têm um papel de ativismo. É um propósito. É preciso ir para fora e estar conectado com a sociedade.”
Embora tenham diversos tipos de motivação, os CEOs estão sendo cobrados a ter um maior senso de propósito social, segundo o estudo global “Edelman Trust Barometer 2018: expectativas para os CEOs”. Realizado pela agência de relações públicas, que ouviu mais de 33 mil pessoas em 28 países, a pesquisa revelou a importância da participação deles nas principais discussões contemporâneas. Para 74% dos entrevistados, os líderes corporativos deveriam mostrar quais trabalhos têm sido feitos pela companhia para beneficiar a sociedade. E 64% acreditam que os presidentes das empresas deveriam liderar as mudanças em vez de esperarem pelas imposições dos governos (leia seis destaques ao longo desta reportagem). “A confiança é um ativo de valor para as instituições”, diz Cristina Schachtitz, líder de engajamento corporativo na Edelman. “Ações contínuas de construção e manutenção de confiança devem ser uma prioridade estratégica.”
Um dos trabalhos que mais têm se destacado é o do Mulheres do Brasil, um grupo criado em 2013 por lideranças como Luiza Helena Trajano, fundadora e presidente do conselho de administração do Magazine Luiza, e Chieko Aoki, presidente do grupo hoteleiro Blue Tree. Nesses cinco anos, quase 20 mil mulheres aderiram ao movimento e ajudam em um dos 13 comitês temáticos que, ativamente, têm analisado projetos e proposto soluções sobre a cidadania da mulher, o combate à desigualdade racial, a inclusão da mulher negra, melhorias na saúde e na qualidade da educação, entre outros.
Um dos comitês, chamado 80 por 8, por exemplo, que busca apoiar e aumentar o respeito e a valorização das carreiras profissionais das mulheres, especialmente de executivas em direção aos altos cargos de gestão, fez um corpo a corpo com o Congresso Nacional para a aprovação do Projeto de Lei que institui cotas mínimas para elas nos conselhos de administração de empresas públicas e de capital misto. Aprovado há um ano, as mulheres terão de ocupar até 30% das cadeiras até 2022. “O que mais tenho sentido, e através do grupo Mulheres do Brasil tentamos fazer, é tirar as crenças que nos limitam tanto”, diz Luiza. “Nós sabemos o que o Brasil precisa e, nesses cinco anos, estamos fazendo acontecer.”
CONSCIENTIZAÇÃO A preocupação neste ano é com a eleição presidencial, a primeira após o impeachment de Dilma. Há duas semanas, Luiza Trajano reuniu os candidatos à Presidência – só Jair Bolsonaro (PSL) não compareceu – para levar as pautas femininas aos presidenciáveis, como combater a violência contra a mulher. “Foi um debate rico, sem ataques, para mostrar o que estamos trabalhando na saúde e educação”, diz ela. “Agora, no segundo turno, vamos levar as propostas. Não queremos reclamar, queremos ajudar.”
Executivos e empresários têm se esforçado para mudar a sensação de descrença na política, que tomou conta de parte da população. A possibilidade de um número recorde de votos em branco e nulo tem recebido especial atenção. A Votorantim, da família Ermírio de Moraes, tem um engajamento especial na educação pública, com programas que visam a melhorar a qualidade do ensino. Mas, agora, o grupo decidiu ampliar sua participação com o apoio à plataforma digital Guia do Voto, uma ferramenta de conscientização do voto que ajuda o eleitor a tomar a melhor decisão na escolha de seu representante.
O projeto recebeu atenção do CEO da Votorantim, João Miranda, que enxerga nessa iniciativa uma chance de engajar o cidadão com o futuro do Brasil, com a valorização do voto e com informações sobre o acompanhamento dos candidatos eleitos. “As eleições gerais deste ano acontecem em meio a um debate intenso sobre a ética na política, o que é positivo para a sociedade”, afirma Miranda. “Esperamos que nossa iniciativa possa se juntar a várias outras para estimular a participação no processo eleitoral e contribuir com um novo ciclo virtuoso para o Brasil.”
Copresidente da Multilaser, empresa brasileira de tecnologia com faturamento superior a R$ 2 bilhões, Renato Feder foi um dos primeiros a surfar nessa onda recente do ativismo empresarial no País. Ao lado do sócio Alexandre Ostrowiecki, ele lançou, em 2012, o portal Ranking dos Políticos, que monitora a vida de deputados e senadores. “Assim como nós, existem muitos empresários, com capital e fôlego extra, que estão dispostos a ajudar a mudar os rumos do País”, diz Feder. A plataforma criada por eles estabelece uma lista com os melhores parlamentares a partir de dados públicos, como o voto em pautas relevantes, a assiduidade no Congresso Nacional e a ficha de processos judiciais.
A análise de cada projeto em votação realizada por um conselho formado por economistas, advogados e professores é um dos elementos utilizados para definir o ranking. Com base no posicionamento ideológico do internauta, o site também identifica o político com maior aderência ao “eleitor”. Em breve, o empresário lançará um aplicativo que, entre outras funções, permitirá que o usuário capture qualquer imagem de um determinado candidato – na tevê, por exemplo – e tenha acesso a um perfil detalhado do mesmo, com recursos de reconhecimento facial.
plataforma A ideia do ranking começou a ser desenhada em 2010. Na época, com a proximidade das eleições, Feder decidiu pesquisar para escolher os seus candidatos ao Congresso. E simplesmente não conseguiu definir em quem votar, pois não havia um canal que centralizasse informações de cada político. Ele ressalta que, passados seis anos, o Ranking dos Políticos se tornou uma referência. E não apenas para os eleitores. “Somos procurados frequentemente pelos parlamentares para saber a nossa posição sobre pautas relevantes em votação”, afirma. Com esse status e um volume acumulado de 2,5 milhões de visitantes únicos no ano, ele acredita que o ranking será um fator de peso na escolha dos eleitores no pleito desse ano e na renovação da Câmara e do Senado. “Com a plataforma, eu consigo fazer muito mais pelo País do que eu faria se fosse um político”, diz o empresário, que estabeleceu a meta de reeleger os 150 melhores candidatos ranqueados e tirar do Congresso os 150 piores.
Com mais de 20 anos de experiência no mercado financeiro, sendo os últimos oito atuando como principal executivo do PayPal no Brasil e na América Latina, Mário Mello é mais um nome de destaque que está participando ativamente desse processo. A escolha por esse caminho veio no início do ano, quando ele foi chamado pela gigante americana de serviços de pagamento para assumir uma nova posição fora do mercado latino-americano. O convite coincidiu com um momento de questionamento interno do executivo. “Eu estava indignado com a situação do País e percebi que precisava criar algo que me desse esperança. Então, decidi ficar”, afirma Mello. O seu “dia do Fico” também foi influenciado por outro componente: sua formação de engenheiro civil na Escola Politécnica da USP, há exatos trinta anos. “Quem pagou meus estudos foi a população brasileira. Eu, de alguma forma, tinha que achar alguma maneira de dar o meu retorno.”
Longe de um mero discurso, Mello deixou o PayPal e colocou em prática seus planos. O resultado é o Poder do Voto, um aplicativo gratuito que busca estabelecer um diálogo entre os parlamentares e seus eleitores. O executivo investiu recursos próprios e captou, até o momento, R$ 600 mil com pessoas físicas e fundações para desenvolver o projeto. Um dos ganchos do programa, que já tem 2,5 mil usuários ativos, é identificar projetos que estão sendo votados na Câmara e no Senado. A partir de um cadastro rápido, no qual é possível escolher um deputado e até três senadores, cada usuário recebe, com uma semana de antecedência, as pautas mais relevantes nas duas Casas. Ao mesmo tempo, cada parlamentar recebe, diariamente, um relatório com o posicionamento de seus eleitores e poderá produzir conteúdos para se comunicar com eles por meio da plataforma.
O aplicativo oferece ainda outros recursos, como uma ferramenta baseada em inteligência artificial, que permite identificar os políticos do Congresso com os quais o usuário tem mais sintonia. A prioridade de Mello, no entanto, é garantir a pluralidade da plataforma. A cada votação, o usuário pode acessar diferentes opiniões sobre uma pauta. O leque inclui, por exemplo, análises da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e da Central Única dos Trabalhadores (CUT). “Nós estamos vivendo um momento de muita polarização e energia negativa. Nossa ideia é canalizar isso para criar diálogos construtivos”, afirma o presidente e fundador do Poder do Voto.
Enquanto essas plataformas buscam orientar o eleitor sobre os atuais candidatos, Eduardo Mufarej, sócio da Tarpon Investimentos e então CEO da Somos Educação (vendida para a Kroton, em abril deste ano, por R$ 4,6 bilhões), preocupa-se com os futuros representantes. Em outubro do ano passado, ele comandou o lançamento do RenovaBR, um movimento apartidário que se propõe a treinar as novas lideranças para o Congresso Nacional. Entre janeiro e julho deste ano, 133 pessoas participaram de uma seleção que contou com mais de mil inscritos. Eles frequentaram mais de 200 horas de aulas presenciais, com 49 professores. Com opiniões e partidos diferentes, eles tiveram um extenso curso sobre política e temas como saúde, segurança pública, educação e finanças.