Por Adriana Aguiar — De São Paulo

Uma empresa do Rio de Janeiro obteve na Justiça Federal o direito a um novo julgamento no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), por ter perdido disputa com a Receita Federal pelo chamado voto de qualidade – o desempate pelo presidente da turma julgadora. A sentença é a primeira que se tem notícia com base na Lei nº 13.988, que acabou com a prática e determina a vitória do contribuinte em caso de empate.

A decisão é da juíza Geraldine Vital, da 27ª Vara Federal do Rio de Janeiro. Ela determinou a volta do caso ao Carf apesar de o pedido de anulação do julgamento ter sido apresentado pelo contribuinte antes da edição da Lei nº 13.988, de 14 de abril.

O caso é de uma empresa do setor de alimentos que importa insumos para fabricar uma espécie de carne desidratada, posteriormente exportada. Ela discute autuação fiscal por ter usufruído, entre 2004 e 2007, dos benefícios do drawback suspensão – que permite desoneração de impostos na importação vinculada a um compromisso de exportação. A Receita Federal entendeu que o contribuinte não teria preenchido todos os requisitos formais necessários para a obtenção dos benefícios.

A empresa foi autuada em cerca de R$ 25 milhões, montante que conseguiu reduzir desde a análise do caso pela primeira instância – Delegacia da Receita Federal de Julgamento (DRJ). O valor atual está em cerca de R$ 800 mil e inclui Imposto de Importação, IPI, PIS, Cofins.

Em julho de 2016, a empresa conseguiu derrubar a autuação na 1ª Turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do Carf, mas acabou perdendo na Câmara Superior, por meio do voto de qualidade, que restaurou em parte o auto de infração (acórdão nº 93030 07.378). Com a derrota, resolveu questionar o desempate desfavorável no Judiciário.

Segundo o advogado Gustavo Falcão, sócio da Manucci Advogados, que assessora a empresa, o voto de desempate proferido pelo presidente da Câmara Superior, contado em dobro, desequilibra a relação processual, viola o devido processo legal e os princípios da isonomia, legalidade e da moralidade. “O julgamento estava quatro a três a favor do contribuinte. Se o voto do presidente contasse como o dos outros, haveria empate no julgamento. E em caso de empate, deve prevalecer o entendimento favorável ao contribuinte”, diz.

A empresa entrou com ação judicial em novembro. Com a edição da nova lei que veda o voto de qualidade no Carf, em abril, os argumentos apresentados ganharam ainda mais força, de acordo com o advogado. A Fazenda Nacional, porém, defende no processo a legalidade da medida e destaca a possibilidade de o contribuinte levar a discussão de mérito ao Judiciário.

Ao analisar o caso, a juíza Geraldine Vital observou que, como o julgamento no Carf é feito por turmas paritárias, “não raro há casos de empate no resultado, em que necessário ser decidido por voto de qualidade do presidente da turma de julgamento”. Diferentemente dos processos judiciais, acrescentou, em que o presidente da sessão não toma parte na votação e “resolve o impasse do empate pelo chamado voto de minerva”.

Para a juíza, as normas regimentais que preveem o voto de qualidade não podem se sobrepor à prescrição contida no artigo 112 do Código Tributário Nacional. Pelo dispositivo, “a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida. No caso, o placar, antes do voto de qualidade, estava em quatro a três para o contribuinte.

Por fim, ela destacou que agora vigora o artigo 28 da Lei nº 13.988/2020. Determina que em caso de empate no julgamento do processo administrativo não se aplica o voto de qualidade, “resolvendo-se favoravelmente ao contribuinte”. “Considero, contudo, que como a lei em tela foi superveniente ao julgamento dos recursos administrativos, cuja matéria foi judicializada, deva-se garantir ao próprio Carf o rejulgamento do caso, afastado o instituto do voto de qualidade na espécie”, afirma em sua decisão.

Ainda cabe recurso, mas se prevalecer a sentença deve ser realizado um novo julgamento do mérito no Carf, segundo o advogado Gustavo Falcão. Para ele, a decisão deve servir de precedente para casos semelhantes, em embates nos quais os contribuintes perderam por voto de qualidade.

Maurício Faro, sócio do BMA Advogados, considera a decisão importante por abordar e aplicar a lei nova, mesmo em ação judicial anterior à sua edição. “É uma boa notícia para diversos contribuintes que estão na mesma situação”, diz o advogado.

Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informa que “pretende impugnar a decisão oportunamente, por meio do recurso cabível, ressaltando que ainda não ocorreu a intimação da Fazenda Nacional”.

De acordo com o coordenador-geral de Contencioso Administrativo Tributário, Moisés de Souza Carvalho Pereira, “a juíza não aplicou a nova regra de desempate no Carf, conforme o trecho da sentença transcrito na resposta inicial”. Se houvesse aplicado o artigo 28 da Lei nº 13.988/2020 (ou seja, o artigo 19-E da Lei nº 10.522/2002), acrescentou, a sentença teria exonerado o crédito tributário.