A trajetória da tributação dos dividendos demonstra a fragilidade da solução apontada pelo governo
Por Samir Nemer
Se há um assunto no Brasil unânime é a necessidade de se repensar o sistema tributário, elevando-o a um patamar aceitável de simplicidade, transparência e equidade à melhoria do ambiente de negócios no país.
A ausência dessas características produz diversas consequências negativas, como distorções distributivas em que situações equivalentes são tributadas de forma discrepante; redução da produtividade e da competitividade; tributação sobre investimentos e a folha de pagamento; excesso de regimes especiais; dentre tantas outras deformações.
No Brasil, com mais de 60 tributos federais, estaduais e municipais, uma empresa gasta, em média, 62,5 dias ou 1.501 horas ao ano para pagar impostos, mostra o estudo Doing Business, do Banco Mundial. O país lidera a lista de maior tempo gasto para o pagamento tributário, seguido da Bolívia, onde são necessárias 1.025 horas anuais. Entre o grupo de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), esse tempo é, em média, de 158,8 horas. Na América Latina e Caribe, é de 317 horas por ano, 21% do total do que os empresários brasileiros gastam.
Sem dúvida é preciso mudar. Mas qual caminho seguir? Certamente não será tributando os dividendos gerados pelo setor produtivo nacional, como vem defendendo abertamente o Ministério da Economia nos últimos meses. Em recente declaração, o ministro Paulo Guedes afirmou que o governo incluirá tributação de dividendos na reforma tributária. “Não quero tributar empresa, mas se o dinheiro sair para o acionista, aí você tributa o dividendo. Não é possível que alguém pague zero sobre dividendo enquanto o trabalhador paga 27,5%”.
Mas, no Brasil, o lucro das empresas é tributado em 34%, pois já incluída nesta alíquota a tributação sobre os dividendos, conforme dispõe a Lei 9.249/95, que derruba o discurso do ilustre ministro.
A trajetória da tributação dos dividendos demonstra a fragilidade da solução apontada pelo governo. Os dividendos passaram a ser tributados a partir de 1988 pelo ILL – Imposto Sobre o Lucro Líquido – (artigo 35 da Lei 7.713), que incidia à alíquota de 8% sobre o lucro líquido comercial, em retenção na fonte. Em 1991, esse imposto passou a incidir somente sobre dividendos remetidos ao exterior (artigo 77 da Lei 8.383). Em 1992 e 1993, houve isenção dos lucros já tributados na pessoa jurídica. E no ano seguinte, a distribuição de lucros e dividendos voltou a ser tributada à alíquota de 15% (Leis 8.849/94 e 9.064/95).
Portanto, até 1995, os dividendos eram diretamente taxados na alíquota de 15%, mas com uma enorme diferença do cenário atual: a carga tributária no país era de 28,90%, e não os atuais 35% do PIB, conforme apontam diversos estudos.
A Lei 1.926/1995 estabeleceu que os dividendos calculados com base nos resultados apurados pelas empresas, a partir de janeiro de 1996, não ficariam sujeitos à incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte e tão pouco integrariam a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário. E sua distribuição isenta, dado que o pagamento do imposto seria de responsabilidade da pessoa jurídica. Na distribuição do lucro, após tributação na empresa, na forma de dividendos a seus sócios ou acionistas, estes passariam a declarar tal rubrica como isenta em suas declarações de imposto de renda.
Assim, esta lei apenas atenuou a carga tributária incidente sobre os dividendos no país, não sendo correta a ideia de que gozam de isenção plena, dada sua tributação reflexa.
Além disso, a referida norma veio facilitar a fiscalização, pois até 1995, os tributos eram recolhimentos de forma difusa por todos as empresas de um mesmo conglomerado e seus respectivos acionistas. A partir de 96, os recolhimentos passaram a ser concentrados na empresa que distribui os resultados, objetivando aumentar a eficiência fiscalizatória e, consequentemente, a arrecadação.
Diferentemente do imaginário popular, a dita “isenção dos dividendos” não beneficia apenas grandes empresas e multimilionários. Há 6,4 milhões de estabelecimentos, sendo 99% micro e pequenas empresas, responsáveis por 52% dos empregos com carteira assinada (16,1 milhões). Ou seja, a tributação dos dividendos afetará os micro e pequenos empresários, além de aumentar a chaga do desemprego.
E qualquer discussão a este respeito deve vir atrelada à atualização da tabela do imposto de renda. Se levada a efeito, aproximadamente 10 milhões de brasileiros ficariam isentos do imposto ou mesmo teriam uma carga tributária mais justa e equitativa. Isso porque as deduções legais com dependentes e educação dobrariam seu valor, tendo como consequência menos impostos ou maior restituição.
Samir Nemer é advogado tributarista, sócio do Furtado Nemer Advogados e membro do Grupo de Trabalho Fazendário da Secretaria de Estado da Fazenda do Espírito Santo (GTFAZ)