Por oito anos, Wilson Ferreira Júnior presidiu a distribuidora CPFL Energia. Sob sua gestão, o valor de mercado da empresa havia subido de R$ 7 bilhões para R$ 21 bilhões. Desde 2016 à frente da Eletrobras, ele conseguiu diminuir a dívida da empresa de R$ 23 bilhões para R$ 17 bilhões. Agora ele se prepara para o desafio da privatização da empresa.

O engenheiro elétrico Wilson Ferreira Júnior estava no topo da carreira em meados de 2016. Nos oito anos anteriores, ele tinha presidido a distribuidora CPFL Energia. Sob sua gestão, o valor de mercado da empresa havia subido de R$ 7 bilhões para R$ 21 bilhões. Porém, Ferreira deixou o conforto da iniciativa privada para enfrentar um desafio: assumir a presidência da Eletrobras e prepará-la para a privatização. A missão era difícil. A holding estatal do setor elétrico, maior empresa latino-americana do setor, e responsável por 31% da geração e por 50% da transmissão de energia do Brasil, estava com pouca capacidade de investimento devido às intervenções durante a gestão da presidente Dilma Rousseff. Ferreira conseguiu diminuir a dívida da empresa de R$ 23 bilhões para R$ 17 bilhões. Seu objetivo, agora, é elevar a atual capacidade de investimento de R$ 6 bilhões para R$ 14 bilhões por ano. “Isso só vai se concretizar se o novo governo tiver interesse em que a empresa seja capitalizada por investidores privados”, diz ele. A primeira parte do seu plano, que previa a venda de seis distribuidoras deficitárias, está quase concluída. Ferreira garante que a empresa estará pronta para ser capitalizada no começo do ano que vem, mas isso vai depender de um aval do Congresso. Ele falou com a DINHEIRO:

DINHEIRO – Estamos vivendo um momento delicado por conta da incerteza na política. Qual a sua perspectiva para essa eleição?

WILSON FERREIRA JÚNIOR – Se o problema fiscal não for resolvido, os impostos terão de ser aumentados. A figura do presidente é importante. Mas o que aprendi nessa vida de dois anos de Estado é que o Congresso é a ala mais importante para que os projetos avancem. Por isso, temos de ter um candidato reformista, com capacidade de interagir com o Legislativo. Uma das principais saídas para o crescimento da nossa economia é a capacidade de o novo governo atrair capitais privados nacionais e internacionais para dobrar o investimento em infraestrutura. Isso vai contribuir para elevar a geração de emprego.

DINHEIRO – De acordo com dados da consultoria InterB, a infraestrutura brasileira perdeu o equivalente a US$ 40 bilhões nos últimos dois anos por conta da depreciação dos ativos. Como resolver esse problema?

FERREIRA JÚNIOR – O nosso investimento médio em infraestrutura nos últimos dez anos foi de 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Isso sequer repõe a depreciação dos ativos, enquanto os países em desenvolvimento trabalham com 4% ou 5%. Somos hoje a oitava maior economia do mundo, mas a nossa competitividade roda em octogésimo lugar. Somos pouco competitivos exatamente pela baixa qualidade da nossa infraestrutura. Temos carências relevantes em saneamento, energia, aeroportos e portos. É preciso, com a troca de presidente, de alguma maneira endereçar esse tema. Esse é um bom momento para discutir isso, porque o governo não tem dinheiro e precisa atrair capital.

DINHEIRO – Como atrair mais capital?

FERREIRA JÚNIOR – Com bons projetos. É muito importante termos empresas de planejamento de Estado, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) e a Planejamento em Logística (PL). No setor elétrico, a cada semestre nós temos leilão de transmissão e de geração, e isso reflete a atuação de uma empresa capaz de olhar o Brasil para dez anos para frente.

DINHEIRO – O setor energético é o mais bem planejado hoje?

FERREIRA JÚNIOR – É o melhor. Não só pela qualidade da área de planejamento, mas também pela própria agência. Precisamos ter isso para cada área da infraestrutura. Esse é o desafio para gerar competitividade e fazer esse setor crescer e gerar empregos. É o ciclo virtuoso. Mas estamos em um ciclo vicioso de perder isso, infelizmente. E precisamos virar esse jogo.

DINHEIRO – Jair Bolsonaro, do PSL, é o candidato que está à frente das pesquisas. O senhor acredita que um potencial governo dele, com Paulo Guedes no ministério da Fazenda, poderia promover as mudanças necessárias?

FERREIRA JÚNIOR – O Estado brasileiro terá de ser diferente, e não só em relação à infraestrutura. É preciso enfrentar o déficit fiscal. Como vai ser difícil reduzir despesas na proporção necessária, será preciso privatizar. O Paulo Guedes, que assessora o candidato Bolsonaro, tem falado sobre privatizações. Outros, como o Geraldo Alckmin, também. É preciso reduzir o tamanho do Estado, mas isso não se faz de uma hora para outra. Estou tentando vender cinco distribuidoras há dois anos.

DINHEIRO – A Eletrobras conseguiu vender três distribuidoras deficitárias em agosto. Isso deixa o processo de capitalização mais próximo?

FERREIRA JÚNIOR – Nesse leilão, de 30 de agosto, vendemos a Eletroacre (AC), a Ceron (RO) e a Boa Vista Energia (RO). Já tínhamos vendido a Cepisa em julho. Falta Alagoas, que está sob os cuidados do Supremo Tribunal Federal (STF), após uma liminar contrária à venda do ministro Ricardo Lewandowski que diz respeito a uma disputa entre o Estado de Alagoas e governo federal. Falta também a do Amazonas, que depende de uma votação no Senado. Esse leilão deve ser cancelado, pois o projeto de lei que permite a venda deve ser votado somente depois das eleições. Por isso, esse leilão marcado para 26 de setembro deve ser cancelado. Essa decisão não é nossa. Se não vendermos essas empresas até o fim deste ano, elas serão liquidadas.

“Investimos cerca de R$ 10 bilhões nessa companhia e faltam R$ 14 bilhões para terminar.” – A usina nuclear de Angra 3, localizada no estado do Rio de Janeiro, está 63% pronta, mas as obras seguem paralisadas .

DINHEIRO – O endividamento da Eletrobras era um dos pontos mais preocupantes quando o senhor assumiu. Como está isso hoje?

FERREIRA JÚNIOR – A Eletrobras tinha, em julho de 2016, uma relação de dívida líquida sobre a geração de caixa medida pelo Ebitda de 8,8 vezes. A dívida líquida era R$ 23 bilhões e agora está em R$ 17 bilhões. O tema da desalavancagem era mais crítico, pois a companhia tinha muitos projetos em curso, muitos atrasos e não era capaz de tomar nenhum financiamento. O programa plurianual de investimentos era de R$ 50 bilhões em cinco anos. Nós reduzimos para R$ 20 bilhões. No segundo trimestre deste ano, essa relação caiu para 3,4 vezes. Nosso objetivo é reduzir para menos de três vezes no fim do ano.

DINHEIRO – Esse plano de investir R$ 20 bilhões em cinco anos é suficiente para uma companhia do porte da Eletrobras?

FERREIRA JÚNIOR – É uma empresa grande, que tem 31% da geração brasileira e quase 50% da transmissão. E isso é uma enorme responsabilidade. Nos últimos dois anos, não participamos de nenhum leilão. Foi assim que paramos o investimento da companhia. A ordem que demos era terminar o que já estava sendo feito e não assumir novas obras. Por sua relevância no mercado, a Eletrobras deveria estar disputando leilões para investir de R$ 10 bilhões a R$ 14 bilhões por ano. Para permitir a volta dos investimentos, será necessário capitalizar a Eletrobras, com a perda de controle pela União. Para que ela possa ser capitalizada, esse projeto tem de ser votado, mas não existe neste momento essa possibilidade. Só haverá se o novo governo tiver interesse em que essa capitalização seja feita pelos investidores privados em vez do próprio governo.

DINHEIRO – Quanto será investido em 2018?

FERREIRA JÚNIOR – No atual plano diretor de negócios, investimos em média R$ 4 bilhões por ano. Este ano, para a conclusão das obras, estamos rodando entre R$ 5,5 bilhões e R$ 6 bilhões. Devemos investir 90% dessa meta.

DINHEIRO – Isso é suficiente para concluir as obras da companhia?

FERREIRA JÚNIOR – Priorizamos concluir as obras em andamento. Já finalizamos a nossa parte de 40% em Santo Antônio (RO) e a nossa parte de 40% em Jirau (RO). Concluímos a usina termelétrica de Mauá 3 (AM) e a usina de São Manual (MT). Vamos finalizar até o fim do ano Sinop (MT). E colocamos a usina de Belo Monte (PA) no cronograma para concluí-la no fim do ano que vem. Mas ela já está mais da metade pronta.

DINHEIRO – A usina hidrelétrica de Belo Monte (PA) é uma das maiores obras do Brasil e a Eletrobras detém 30%. A usina está operando em qual nível de capacidade?

FERREIRA JÚNIOR – Deve terminar este ano com algo próximo a oito mil megawatts/hora. A linha de transmissão que trará essa energia para a região Sudeste já está concluída. Ela vai chegar a 11 mil megawatt /hora no fim do ano que vem, que é a sua capacidade máxima.

DINHEIRO – Existe uma data para a retomada das obras da usina nuclear de Angra 3, no Rio de Janeiro?

FERREIRA JÚNIOR – Hoje a obra está 63% pronta e a sua retomada depende de uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE). Investimos cerca de R$ 10 bilhões nessa companhia, entre capital próprio e financiamentos, especialmente do BNDES. Faltam R$ 14 bilhões para terminar. Quando ela foi constituída, 92% dos gastos eram financiados e apenas 8% era capital próprio. Nós interrompemos a obra e auditamos todos os investimentos. Identificamos perdas e as colocamos no balanço. Isso era uma questão importante, aqui e nos Estados Unidos. Nossas ações quase foram retiradas das bolsas americanas por conta de dois balanços pendentes. Além disso, recalculamos quanto falta investir, pois não teremos mais financiamentos tão abundantes. Em vez de termos 92%, devemos ter 70%.

“Somos a oitava maior economia do mundo, mas a nossa competitividade roda em octogésimo lugar” – O investimento em infraestrutura poderia diminuir a taxa de desemprego, que hoje é de 12,4%.

 DINHEIRO – Por conta dessa mudança no financiamento, deve haver um ajuste na tarifa?

FERREIRA JÚNIOR – A tarifa que tinha sido proposta lá atrás pressupunha esses financiamentos muito bons em uma quantidade muito grande. Há uma revisão da tarifa de Angra para que se possa chamar um parceiro privado. Hoje a Eletrobras tem praticamente 100% da Eletronuclear, que é a empresa que detém as duas usinas em operação e 63% da usina de Angra 3. Vamos oferecer uma participação na empresa Eletronuclear para concluir essa obra. Já há conglomerados internacionais franceses e russos interessados nesse negócio.

DINHEIRO – A União tem hoje 60% da Eletrobras. Como ficaria essa conta após a capitalizacão?

FERREIRA JÚNIOR – A União ficaria com menos de 50%. Nossa proposta prevê uma capitalização privada, com a emissão de novas ações nas três bolsas em que estamos listados: São Paulo, Nova York e Madrid. A empresa receberia uma injeção de R$ 12 bilhões, o que a tornaria uma grande corporação, com uma golden share para proteger os interesses nacionais.

DINHEIRO – Quando o senhor acredita que essa votação pode acontecer?

FERREIRA JÚNIOR – Em um cenário no qual um candidato adepto às reformas ganhe a eleição, existe mais de 70% de chance de capitalizar a Eletrobras no primeiro semestre do ano que vem.

DINHEIRO – Existem 14 hidrelétricas que funcionam no sistema de cotas (operam cobrando apenas os custos de operação e manutenção, com preços pré-definidos). Como vai ficar essa situação com a capitalização?

FERREIRA JÚNIOR – O regime de cotas reduziu a tarifa para os consumidores em 20%, e para a subsidiárias em 70%. Óbvio que se criou um problema. Nenhuma outra empresa é capaz de operar assim. Quando o governo da Dilma Rousseff (PT) colocou essa mudança, ele passou o chamado risco hidrelétrico para o consumidor, que não é capaz de gerir esse risco. Interessa à Chesf, à Eletrobras (e às demais subsidiárias) passar a administrar esse risco. A razão da capitalização é fazer a Eletrobras ser uma produtora independente de energia, administrando risco.

DINHEIRO – O senhor defende o aumento da utilização de outras fontes alternativas de energias renováveis. A Eletrobras tem iniciativas nesse sentido?

FERREIRA JÚNIOR – Temos algumas iniciativas em energia eólica e hídrica, que hoje somam 6% da nossa geração. O mais importante é saber combinar essas fontes. É esse tipo de energia renovável que vai complementar a matriz brasileira, sem a necessidade de abrir mão das hidrelétricas.

Priscilla Arroyo