Maria Helena Zockun afirma que a proposta contribuiria para a criação de um sistema tributário mais equânime e com maior retorno aos cidadãos
Proposta do Ministério da Economia pode colocar fim ao sistema de dedução de gastos do Imposto de Renda (IR), principalmente com saúde e educação. O estudo do governo aponta o fim das deduções médicas em troca de um corte de todas as alíquotas do Imposto de Renda da Pessoa Física, o que poderia ser compensado com a redução de 8% das alíquotas de todas as faixas de renda. A mudança tem potencial de atingir um número maior de brasileiros que pagam IR e custaria mais barato para os cofres públicos. Segundo as simulações feitas pelo governo, um corte de 8% de cada uma das alíquotas atuais (7,5%, 15%, 22,5%, 27,5%) implicaria uma renúncia de R$ 14,6 bilhões. O Jornal da USP no Ar conversou sobre os possíveis impactos da medida com Maria Helena Zockun, economista formada pela Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP e diretora de Pesquisas da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).
A especialista afirma que é necessária uma revisão do sistema tributário por inteiro. Em se tratando do Imposto de Renda, suas distorções interferem significativamente no pagamento e arrecadação, tornando o imposto – pensado originalmente para ser progressivo, com aumentos gradativos de acordo com o aumento da renda – regressivo, ou seja, na prática, quanto maior a renda, menos imposto o indivíduo paga. Maria Helena explica essa aparente contradição: “Apesar de as alíquotas nominais serem progressivas, quando você faz as contas de quanto a pessoa recebeu e o quanto ela pagou efetivamente de impostos, você percebe que o IR é regressivo, até um ponto ele sobe e fica de acordo com o aumento da renda, mas depois começa a cair por conta das deduções e abatimentos. Parando nos 27,5%, muitas pessoas com grande poder aquisitivo ficam isentas do pagamento, o que contribui com a má distribuição de renda que temos no País. Sob esse aspecto, podemos considerar esse imposto injusto”.
As deduções permitem diminuir o valor do imposto a ser pago ou aumentar a restituição a receber. Para a economista, as opções feitas pelos cidadãos não deveriam interferir no valor pago em tributos, pois “a contribuição deve respeitar a capacidade contributiva de cada um, que é dada pela renda. Ela não deve ser influenciada pelas escolhas que alguém faz como cidadão. Não interessa quantos filhos o indivíduo tem, ou se ele os coloca numa escola pública ou privada – isso é uma escolha particular. É a mesma coisa com a saúde, há uma opção entre usar o sistema público ou privado. Com o atual sistema, essas opções podem reduzir a contribuição ao financiamento do Estado, e isso afeta a classe mais pobre, que não tem as mesmas condições de escolha”.
Para deixar o sistema mais justo, a diretora defende o fim das isenções tributárias no Imposto de Renda, não só como forma de reduzir os prejuízos do governo – que, neste ano, segundo o Demonstrativo de Gastos Tributários (DGT), será de R$ 20,098 bilhões apenas com o que o governo deixará de arrecadar com as deduções –, mas também proporcionar um exercício maior de cidadania, principalmente pelas pessoas de renda mais baixa. “Não deveríamos ter isenção nenhuma, todas as classes sociais deveriam pagar. Isso deveria ser encarado como uma obrigação de todo o cidadão, criando a tão necessária consciência de que o Estado não dá nada de graça, pois ele cobra muito caro, e quanto mais pobre a família maior é a parcela da renda destinada ao pagamento de tributos. Portanto, para se alcançar uma justiça fiscal, a faixa de isenção não deveria aumentar e sim ser extinta. As distorções tributárias intensificam a concentração de renda, e sua distribuição deveria ser considerada. É claro que o Estado tem que arrecadar o que a sociedade acha válido em gastos públicos, mas isso deveria ser feito de forma justa”, explica.
Na visão de Maria Helena, a revisão da tabela de alíquotas é um problema pequeno e a demanda mais urgente consiste na simplificação tributária. “É necessário rever o sistema como um todo. Já que o IR não é progressivo, como deveria ser, por que não simplificamos e colocamos uma alíquota única igual para todos? Aí então poderia ser feita a fusão do Imposto de Renda de pessoas físicas e jurídicas, o que deixaria o sistema mais simples e coerente”, defende ela, e complementa dizendo que “estamos seguindo um bom caminho, pois acabar com as deduções e abatimentos é uma medida corretíssima no cenário em que nos encontramos”.
Por Laura Alegre – Editorias: Atualidades, Jornal da USP no Ar