A reforma do IR (Imposto de Renda) apresentada pelo Ministério da Economia terá efeitos positivos no caixa do governo. Segundo cálculos da Receita Federal, as alterações vão gerar R$ 980 milhões a mais de receita em 2022; R$ 330 milhões adicionais em 2023; e R$ 590 milhões de acréscimo em 2024. Mesmo assim, o governo afirma que a reforma “tende a ser neutra”, isto é, que não vai alterar a carga de impostos paga pelos contribuintes atualmente.
Especialistas ouvidos pelo UOL afirmam que é difícil que o balanço entre reduções e aumento de impostos fique no zero a zero, pela complexidade do sistema tributário. Eles dizem, porém, que os cálculos do governo estão subestimados: a arrecadação de impostos deve crescer mais do que os valores apresentados pela Receita – e, se aprovadas, as medidas devem resultar em um aumento nos tributos. Uma parte da classe média e empresas médias e grandes devem ser afetadas.
A proposta do governo aumenta a faixa de isenção para pessoas físicas, e diminui o número de contribuintes que podem usufruir do desconto simplificado. Os mais afetados, nesse caso, devem ser contribuintes de classe média e os que não terão despesas a deduzir no IR (como plano de saúde e escola particular, por exemplo).
No caso das empresas, o texto diminui a alíquota do IR em 5%, mas institui a tributação de lucros e dividendos em 20%. A alíquota não seria aplicada para valores de até R$ 20 mil por mês pagos por micro ou pequenas empresas. Segundo tributaristas, uma coisa não compensa a outra, e empresas, principalmente médias e grandes, serão oneradas.
Cálculo é complexo
Manoel Pires, pesquisador associado do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas), afirma que as estimativas sobre aumento e redução no valor pago em impostos têm imprecisões.
Alterações nas regras tributárias podem, por exemplo, fazer com que as pessoas mudem comportamentos com o objetivo de pagar menos impostos – o que nem sempre pode ser medido em modelos matemáticos.
É muito difícil fazer uma reforma tributária e zerar completamente os efeitos de aumento e perda de imposto. É normal que haja, no final, algum resíduo de aumento de receita.
Manoel Pires
Há potencial de arrecadação maior
Ele afirma, no entanto, que os valores apresentados pelo governo estão envolvidos em “muita incerteza”. No caso da tributação de dividendos, Pires diz que pode haver uma mudança de comportamento nas empresas, ou seja, haver menos distribuição de lucros e dividendos para diminuir o pagamento de imposto.
Mesmo assim, segundo ele, cobrar imposto sobre lucros e dividendos tem grande potencial arrecadatório.
O governo está sendo muito conservador nessa projeção [do impacto da reforma na arrecadação]. A diferença vai ser maior, em favor do governo.
Manoel Pires
Empresas do setor produtivo vão sofrer, diz especialista
Para Gilberto Luiz do Amaral, presidente do Conselho Superior do IBPT (Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação), a carga tributária vai aumentar “muito mais do que o governo divulgou”, com impacto principalmente sobre as empresas.
O governo está fazendo uma proposta para aumentar a arrecadação. Não é um projeto com finalidade neutra, infelizmente. Ele taxa as empresas do setor produtivo de modo a desestimular investimentos.
Gilberto Luiz do Amaral
Em nota ao UOL, o Ministério da Economia afirmou que não é possível comparar a tributação de empresas com a de dividendos, porque “são tributações distintas sobre pessoas diferentes”.
Para Amaral, o argumento não faz sentido, porque o empresário é, também, investidor nos negócios. “Se ele [o empresário] paga na pessoa física ou na pessoa jurídica, o resultado é o mesmo”, afirma.
Falta transparência dos dados
Josué Pellegrini, consultor legislativo do Senado, declara que o problema não é o cálculo apresentado pelo governo, e sim a falta de transparência a respeito dele. A metodologia e as premissas das contas não foram divulgadas pelo Ministério da Economia. Questionado pelo UOL, o órgão não encaminhou os números.
A gente não sabe nem se isso vai ser mesmo parte de uma reforma tributária maior ou se vai ser uma peça isolada. Do jeito que está, não sei nem se dá para chamar de reforma, está mais para uma ‘obrinha’.
Josué Pellegrini
O governo prometeu encaminhar a reforma tributária ao Congresso em quatro etapas. Até agora, além do projeto do IR, somente a proposta de fusão de PIS e Cofins foi enviada. Resta, ainda, o texto com alterações no IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e na tributação da folha de pagamentos.
Visão do todo
Luís Wulff, presidente do Tax Group, diz que falta uma “visão sistêmica” da reforma, o que não permite que seja feito um balanço completo de benefícios e prejuízos.
A reforma ideal levaria em conta a tributação do consumo; em segundo lugar, a da renda; em terceiro, a do patrimônio; e, por fim, a tributação sobre a folha de pagamentos, que só existe no Brasil.
Luís Wulff
O que diz o governo
Em nota, o Ministério da Economia afirmou que as projeções consideram parâmetros macroeconômicos, informações da Receita Federal e cenários futuros elaborados pela Secretaria de Política Econômica.
Segundo o órgão, o efeito das medidas não é zero, mas “tende a ser neutro”. “No caso do projeto do Imposto de Renda, as medidas estão na ordem de dezenas de bilhões de reais, o que permite considerar os valores positivos finais como relativamente baixos, considerando-se a magnitude das medidas propostas”, conclui a nota.