Muito vem sendo comentado a respeito da reforma tributária, cuja necessidade é um consenso no Brasil. Apesar disso, não há uma ideia formada acerca da abrangência da reforma. Por exemplo, há quem defenda que envolva tributação federal, estadual e municipal, criando-se um tributo unificado sobre o consumo, mas há quem pondere que semelhante alteração poderia ser contrária à autonomia tributária que a Constituição pretendeu consagrar aos Estados e aos Municípios. O objetivo do presente artigo é demonstrar que, independentemente do modelo de reforma que venha a ser adotado, é possível melhorar, e muito, a situação quanto ao imposto de renda das pessoas físicas.
Pois bem, segundo estudo datado de janeiro de 2019, realizado pelo Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco), a tabela do imposto de renda das pessoas físicas está com uma defasagem média acumulada de 95%. Isto significa que os valores atuais, que são utilizados para isenção e para enquadramento em alíquotas, não espelham a realidade que representavam anos atrás. É sabido que a inflação corrói o poder aquisitivo e, por isso, os aumentos de rendimentos recebidos pelas pessoas físicas não são sinônimos de elevação da capacidade contributiva dessas pessoas. Os aumentos de rendimento, naquilo que apenas anulam a inflação do período, não representam ganho real, mas a elevação nominal desses rendimentos provoca alterações no enquadramento dos contribuintes nas faixas de isenção ou incidência.
É preciso lembrar que a isenção do imposto de renda não é simplesmente um favor da União para com os contribuintes. Na verdade, a mencionada isenção somente existe para se evitar que a pessoa seja tributada sobre o montante necessário para fazer frente aos gastos indispensáveis para a sua existência digna. Não por acaso, a doutrina jurídica denomina de “mínimo existencial” esse valor que não pode ser objeto de tributação. A dignidade, por sua vez, de acordo com a Constituição, é um dos fundamentos da República e, também, é uma das finalidades da ordem econômica, ou seja, existe uma carga normativa de densidade constitucional que impõe a preservação do mínimo existencial.
A ausência de atualização da base tributável termina, em termos práticos, por majorar a base de incidência. Assim, como muitos cidadãos passaram a ser tributados indevidamente pelo imposto de renda, tentou-se, perante o Judiciário, resolver esta distorção. Contudo, a resposta obtida foi no sentido de que pertence ao Poder Legislativo a competência para tratar do assunto. Foi o que afirmou o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, no Agravo Interno em Recurso Extraordinário nº 984.419, julgado em 2018. Nesse contexto, a solução terá que ser construída na esfera normativa, e para tanto bastaria uma lei ordinária que previsse que as faixas de isenção e incidência do imposto seriam corrigidas anualmente de acordo com a inflação oficial. Dentro da mesma lógica, seria preciso garantir que os valores das deduções também fossem atualizados.
Para que tais medidas não ficassem ao sabor de alterações políticas, a lei que as previsse não deveria estabelecer para quais exercícios financeiros seriam aplicáveis. A aplicação seria, na verdade, permanente. Nos últimos anos, algumas leis previram reajustes para a tabela do imposto de renda que, além de insuficientes, destinaram-se a exercícios determinados, o que contribuiu para que o problema não fosse resolvido.
A previsão de correção anual de acordo com a inflação impede o agravamento da distorção hoje existente, mas ainda seria preciso enfrentar a defasagem acumulada, circunstância que poderia ser prejudicada pela fragilidade atual das contas públicas. Seja como for, é necessário desenvolver esse debate, inclusive tendo em vista que os montantes não tributados poderão ser utilizados pelos contribuintes para alocação no consumo, fato que movimenta a economia e gera arrecadação tributária.
Existe mais um aspecto que torna oportuna a correção automática da tabela do imposto de renda conforme a variação da inflação. É ponto pacífico que qualquer reforma que venha a ser feita simplifique o sistema tributário e não eleve a carga tributária global. Pois bem, com a previsão, em lei ordinária, de correções automáticas e anuais pela inflação, não será preciso, de tempos em tempos, incorrer no desgaste pela aprovação de novas leis, e isto simplifica o sistema, que já padece com a imensa quantidade de normas. Ademais, a referida correção anual impediria o aumento indireto da carga tributária sobre as pessoas físicas.
Como demonstrado, as mudanças aqui abordadas podem ser aplicadas independentemente do perfil de reforma tributária que venha a ser efetivada. Para os milhões de contribuintes do imposto de renda, já seria algo impactante, e, por isso, digno de destaque no contexto de qualquer reforma do sistema tributário brasileiro.
Leonel Martins Bispo