Após quase duas décadas de debate, vem chegando ao fim a discussão acerca da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da Cofins, inclusive com o trânsito em julgado de algumas decisões favoráveis aos contribuintes, motivo pelo qual muitas empresas têm se movimentado para reconhecer em seus resultados os valores a serem restituídos/compensados.
A Receita Federal, por meio da Solução de Divergência Cosit 19/2003, consolidou entendimento no sentido de que, com o trânsito em julgado da decisão judicial que reconhece o direito do contribuinte de reaver tributos indevidamente recolhidos, o montante equivalente aos créditos compensáveis passa a ser receita tributável pelo IRPJ e pela CSLL, desde que tenha sido computado como despesas dedutíveis do lucro real e da base de cálculo da CSLL em períodos anteriores.
No tocante aos juros de mora incidentes sobre o indébito, a mencionada solução de divergência esclarece que sobre eles “incidem tanto o IRPJ e CSLL, seja qual for a modalidade de apuração, como também, a Contribuição para o PIS/Pasep e a Cofins”.
De acordo com o posicionamento defendido pela Receita, tem-se, então, o seguinte cenário:
(a) em relação ao valor principal a ser restituído via compensação (sem considerar os juros), não há incidência de PIS e Cofins, mas tal montante deve ser adicionado ao lucro real e à base de cálculo da CSLL, desde que computado como despesa dedutível em períodos anteriores; e
(b) no tocante aos juros, por ser considerado receita nova, incidirá IRPJ, CSLL, PIS e Cofins.
Entendemos, entretanto, que é descabido impor à empresa que, tão logo haja o trânsito da decisão judicial favorável, seja ela obrigada a adicionar imediata e acumuladamente às bases de cálculo do IRPJ e da CSLL o valor total passível de compensação.
Isso porque, considerando que a declaração de inconstitucionalidade faz com que a situação retorne ao status quo ante (como se não tivesse havido cobrança de tributo a maior), cremos que o mais correto é que a empresa tenha o direito de recompor as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL apuradas nos anos anteriores, reduzindo as despesas com os pagamentos de PIS e Cofins, levando-se em consideração o prejuízo fiscal e a base negativa da CSSL apurados em cada ano cuja declaração foi retificada.
A depender do cenário vivenciado pela empresa, é possível que a retificação das declarações passadas gere apenas uma redução do montante registrado a título de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL, sem que isso, entretanto, gere diferença de IRPJ e CSLL a recolher.
Caso seja aplicado o entendimento da Receita, o contribuinte que desde sempre não recolheu o tributo debatido será beneficiado em detrimento daquele que agiu em conformidade com o que sustentava a Fazenda Nacional e aguardou o desfecho de seu processo para deixar de recolher as exações questionadas. Além disso, a União, ainda que seja obrigada a restituir os valores recebidos a maior, será inegavelmente beneficiada, pois as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL serão expressivamente aumentadas pelos valores que serão objeto de restituição.
Questão análoga foi julgada favoravelmente aos contribuintes pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do RE 614.406, que trata da incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física sobre valores recebidos acumuladamente, cuja discussão foi muito bem sintetizada pelo ministro Marco Aurélio:
“Não passa pela minha cabeça que o sistema possa apenar o contribuinte duas vezes. Explico melhor: o contribuinte não recebe as parcelas na época devida. É compelido a ingressar em Juízo para ver declarado o direito a essas parcelas e, recebendo-as posteriormente, há a junção para efeito de incidência do Imposto de Renda, surgindo, de início, a problemática da alíquota, norteada pelo valor recebido”.
Na ocasião, o STF afirmou que as alíquotas aplicáveis sobre os rendimentos recebidos acumuladamente devem ser aquelas que seriam utilizadas caso o contribuinte tivesse recebido o rendimento na data correta. A propósito, a ministra Cármen Lúcia manifestou-se no sentido de que “o dever fundamental de pagar o tributo, como advertido pela Ministra Ellen Gracie, não está dissociado da estrita observância dos princípios constitucionais da isonomia, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, consubstanciados, na espécie, pela cobrança do imposto de renda, segundo o regime de competência”.
Esclareça-se, por oportuno, que a retificação das declarações interrompe o prazo prescricional apenas no que for retificado, tal como já decidiu o Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.044.027 e AgRg no REsp 1.374.127).
Com relação ao período anterior aos últimos cinco anos, cuja retificação das declarações já não é mais possível, entendemos que existem argumentos para sustentar a decadência dos tributos eventualmente devidos, pois, sabendo que o contribuinte estava discutindo a questão judicialmente e que eventual êxito poderia alterar as bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, a Receita deveria ter glosado parcialmente as despesas de PIS e Cofins dos anos anteriores, a fim de prevenir a decadência, por aplicação análoga do artigo 63 da Lei 9.430/1996.
Por outro lado, no tocante aos acréscimos moratórios (juros e correção monetária), com respaldo em decisões do STJ, entendemos que somente os juros devem ser submetidos à tributação, pois “a parcela correspondente à inflação (lucro inflacionário) (…) não se expõe à incidência do Imposto de Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL” (REsp 1.574.231-RS).
Pelas razões acima expostas, cremos que as empresas têm o direito de (a) retificar as declarações de IRPJ e CSLL a fim de recompor as bases de cálculo de tais tributos, afastando-se, por conseguinte, o posicionamento manifestado na Solução de Divergência Cosit 19/2003; (b) não serem obrigadas a pagar eventuais saldos decorrentes de retificações de declarações referentes ao período anterior aos últimos cinco anos; e (c) incluir nas bases de cálculo do IRPJ e da CSLL somente os juros, de modo que não haja tributação em relação à correção monetária (equivalente ao IPCA).
Fonte: Consultor Jurídico
Rafael Alves dos Santos – sócio do Abreu, Freitas, Goulart & Santos – AFGS Advogados, coordenador e professor do Curso Avançado de Jurisprudência Tributária (PJT) e professor convidado da Unigranrio.