BRASÍLIA – O clima esquentou novamente no dia marcado para a votação do projeto que altera o Imposto de Renda cobrado sobre empresas, pessoas físicas e investimentos. Sem acordo com o relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), os Estados e as prefeituras das capitais se posicionaram nesta terça-feira, 17, contrários ao parecer e pediram aos deputados que votem não ao projeto. De acordo com os cálculos dos secretários estaduais de Fazenda, a perda é de R$ 11,7 bilhões por ano para os cofres de Esados e municípios.
Essa será a terceira tentativa de votação do projeto encaminhado pelo governo Bolsonaro e que tem gerado grande polêmica e oposição. Na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), chegou a iniciar o processo de votação, mas os líderes pediram para adiar a votação.
Na semana anterior, o projeto foi retirado de pauta depois de forte mobilização de setores empresariais, Estados e municípios, que divulgaram uma bateria de manifestos contrários ao projeto. Lira argumentou que o substitutivo de Sabino avançou no que era possível.
Em nova mobilização, os Estados divulgaram nesta terça mais uma carta aberta aos deputados. No documento, o Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz) diz que é preciso reagir a essa perda “inadmissível” de receitas que levará os governos regionais à insolvência fiscal, agravando os efeitos da crise econômica.
O Estadão/Broadcast teve acesso à nova planilha Comsefaz que aponta uma perda de R$ 11,7 bilhões para Estados e municípios com base na última versão do parecer de Sabino: R$ 6,4 bilhões para os governos estaduais e R$ 5,4 bilhões para os municípios. Se considerada o quanto a União vai perder de arrecadação, o impacto é de R$ 29,2 bilhões.
Na primeira versão do parecer, a perda para Estados e municípios estava em R$ 27 bilhões, valor que caiu com modificações que foram feitas depois, mas consideradas insuficientes. As perdas ocorrem porque a arrecadação do IR é dividida com os Estados e municípios. Eles argumentam que as medidas de desoneração do IR contida no projeto não foram compensadas com outras ações de aumento da arrecadação.
Os Estados advertem os deputados de que a decisão de impor perdas agora aos governos regionais, com a aprovação do projeto, será cobrada no futuro com o comprometimento dos serviços públicos. Segundo eles, mesmo após uma série de reuniões, debates, articulações e esforço de consenso, junto ao relator e ao Ministério da Economia, nenhuma de suas sugestões que evitariam prejuízo federativo foi considerada no último texto protocolado por Sabino.
No último parecer protocolado, Sabino prevê uma queda de 8,5 pontos porcentuais na alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), passando de 25% para 16,5%. A Contribuição Social sobre Líquido (CSLL) cairá 1,5 ponto porcentual. A CSLL tem três alíquotas: 9%, 15% e 20%, que serão reduzidas em 1,5 ponto porcentual.
Como mostrou reportagem do Estadão, a proposta em discussão era reduzir a velocidade da queda para 7,5 pontos porcentuais para minimizar as perdas para os cofres estaduais e municipais, mas não houve acordo.
A bancada ruralista também se manifestou contrária à aprovação do texto nesta terça. Para o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Sérgio Souza (MDB-PR), a reforma do IR “ainda precisa de ajustes”. “Pode vir um aumento de carga tributária para o agro e encarecer ainda mais o nosso custo de produção, fica nosso alerta e precisamos prestar muita atenção no debate da proposta”, disse Souza em nota. “O texto do projeto ainda não está do jeito que o setor agropecuário gostaria, falta um ou outro ponto para ajustar.”
A reforma se transformou numa guerra de números de perdas e ganhos como projeto. De um lado, o relator e a Receita Federal e de outro lado, os empresários, Estados e municípios.
Ao Estadão, o relator disse que Estados e municípios estão fazendo as contas erradas. Sabino disse que não vai mudar o substitutivo e que o projeto será votado nesta terça. Segundo ele, a reforma será neutra para os Estados e municípios. “Estão fazendo as contas erradas. Por isso, não mostram. Cadê a planilha?”, questionou o relator. Nem Sabino nem a Receita Federal, porém, apresentaram publicamente os novos cálculos com o parecer final que foi protocolado na semana passada.
O diretor institucional do Comsefaz, André Horta, disse que os diálogos com o relator foram entrecortados. Segundo ele, Sabino vai querer segurar a queda da alíquota do IR de 25% para 16,5%. “Tentamos até o fim o acordo e não foi possível”, disse Horta. Segundo ele, há uma articulação no Congresso para a volta da possibilidade de dedução dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), uma forma de remuneração aos acionistas com desconto no imposto a pagar pelas empresas, o que pode trazer perdas ainda maiores.
Em nota, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) diz que a última versão do substitutivo permanece inadequada e não compensa as perdas dos municípios e Estados. Pelos cálculos da Abrasf, as capitais e maiores cidades do País perderão cerca de R$ 1,5 bilhão. Desse total, aproximadamente R$ 800 milhões de perda do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Os R$ 700 milhões restantes de diminuição de receitas ocorrerá com o recolhimento do IR na fonte dos seus servidores devido à correção da tabela.
A Abrasf diz que reconhece o esforço dos envolvidos para aperfeiçoar o texto, mas alerta que, ainda assim, não é uma proposta neutra, conforme diz o relator Sabino. Segundo a associação, se o projeto for aprovado do jeito que está, os municípios sofrerão ainda mais para reorganizar suas contas.
Para as prefeituras das capitais, apesar da redução nas perdas, a diferença ainda afeta muito as contas dos municípios, que lidam diretamente com os problemas das cidades. “Continuamos bancando a reforma. Houve cautela para tornar a reforma o mais neutra possível para a União, mas o mesmo não aconteceu com os demais entes”, diz o presidente da Abrasf e secretário da Fazenda de Aracaju (SE), Jeferson Passos.
As mudanças no IR também atingem as pessoas físicas. Nesse caso, porém, o relator manteve a proposta original do governo. A faixa de isenção sobe de R$ 1.903,98 para R$ 2,5 mil, uma correção de 31%. Com isso, mais de 5,6 milhões passarão a ser considerados isentos. As demais faixas do IR também foram ajustadas, mas em menor proporção (cerca de 13%).
O uso do desconto simplificado na declaração do IR fica limitado. Pelas regras atuais, todas pessoas físicas podem optar por esse desconto, e o abatimento é limitado a R$ 16.754,34. Pela proposta, quem tem renda acima até R$ 40 mil por ano (pouco mais de R$ 3 mil por mês) não poderá mais optar pelo desconto simplificado na declaração anual do IR – que estará limitado a R$ 8 mil.
A proposta ainda reduz a alíquota do IR sobre ganhos de capital na venda de imóveis para 5% se o contribuinte atualizar o valor da propriedade. Pelas regras atuais, a alíquota do IR sobre ganhos de capital é de 15% e 22,5% e a incidência ocorre quando o contribuinte vende ou transfere a posse do imóvel. O prazo para atualizar o valor do imóvel, e pagar uma alíquota menor, pela proposta do governo, será de janeiro a abril de 2022.