Em dezembro de 2001, o grupo Enron, que era a 7ª potência empresarial dos Estados Unidos pediu concordata com um enorme rombo e uma dívida de US$ 22 bilhões. A empresa era auditada há 10 anos pela Arthur Andersen. Acusada de fazer vista grossa para as irregularidades da 6ª empresa de energia do mundo, a AA quebrou também. Desde então, as autoridades reguladoras do mercado de capitais em todo o mundo, sob inspiração da Lei Sarbanne-Osley, aprovada pelo Congresso dos EUA, redobraram o cerco à contabilidade das empresas e às obrigações dos auditores.
As empresas de auditoria prestam também serviços de consultoria fiscal, planejamento tributário e elisão fiscal. Na prática, procuram driblar os braços da tributação dos diversos países para expor as empresas contratantes de seus serviços à menor tributação possível. Nesse campo conflituoso de interesses, empresas de auditoria e auditadas costumam levar cartões amarelos e até vermelhos.
Segunda maior companhia de auditoria do mundo, constituída e registrada na Suíça, mas com sede em Amsterdam (Holanda), a KPMG está no olho do furacão. Recebeu semana passada um cartão amarelo do Conselho de Relatórios Financeiros (FCR em inglês) do Banco da Inglaterra (o braço de fiscalização do Bank Of England para o mercado financeiro), equivalente à CVM, que no Brasil atua independente ao Banco Central, subordinada ao Ministério da Fazenda, sob acusação de que a qualidade de seus serviços “são inaceitáveis”, conforme relata o “Financial Times”.
Mais do que isso, o FCR indaga à auditoria e aos seus clientes- entre os quais está (desde 2008, com renovação do contrato em 2017) o próprio BoE, controlador da FCR, e ainda gigantes como o Barclays, o Standard Chartered, o Legal & General Group e o Prudential – se eles têm intenção de se afastar ou se a KPMG está com dificuldades em conquistar novos negócios. Tais indagações, segundo o FT são absolutamente fora da rotina.
As dúvidas surgem na sequência dos recentes escândalos que envolvem empresas auditadas por esta gigante que figura entre as denominadas “big four”. O mais recente escândalo teve como protagonista a Carillion, uma empresa britânica que se dedicava a gerir projetos do governo e que faliu. A KPMG era uma das auditoras que supervisionava a Carillion. A queda da empreiteira provocou a demissão de milhares de trabalhadores e prejuízos a milhares de cotistas de fundos de pensão.
A KPMG, junto com PricewaterhouseCoopers, Ernst & Young e Deloitte, é uma das principais envolvidas no escândalo financeiro internacional chamado Luxemburgo leaks, em que grandes empresas transnacionais evitaram o pagamento de impostos através de um artifício legal chamado elisão fiscal. No Brasil, ela atua como firma de Auditoria Independente ou Auditoria Externa e com forte influência na área contábil e de Demonstrações Financeiras.
Carga em Portugal
Mas, segundo divulgou no último fim de semana o site do jornal português “Expresso”, outra carga pesada contra a KPMG partiu do Banco de Portugal, que acusa a empresa auditora do Banco Espírito Santo (BES) e do Banco Espírito Santo Angola (BESA), cuja dupla falência ocorreu há quatro anos, de uma série de irregularidades. Para o BdP, a auditoria violou o dever de comunicação ao supervisor, e cinco membros da KPMG são acusados de terem prestado informações falsas. O montante da fraude varia de 500 mil a 1,5 milhão de euros. (R$ 2,215 milhões a R$ 6,645 milhões).
Segundo o “Expresso”, o Banco de Portugal acusa os representantes da auditoria de terem prestado informações completamente falsas e/ou incompletas às autoridades, em relação à carteira de crédito do BESA. Se a infração foi provada os acusados poderão pagar multas de até 2 milhões de euros (R$ 8,86 milhões), e de 5 milhões de euros (R$ 22,15 milhões) no caso da KPMG. Devido ao escândalo que atingiu o governo Agostinho dos Santos, a KPMG foi banida de atuar no país africano.
Caso Nacional
No Brasil, a grande bola fora da KPMG foi na auditoria do Banco Nacional, liquidado em 1998. Desde 1986, no Plano Cruzado, o banco ficou com rombo de US$ 600 milhões camuflado com 600 empréstimos fictícios jamais detectados pela auditoria. Em novembro de 1995, quando o rombo chegou a US$ 9,2 bilhões, veio a intervenção do Banco Central, com o Proer.
Jornal do BrasilGILBERTO MENEZES CÔRTES, gilberto.cortes@jb.com.br