Um dos principais porta-vozes da direita no País, o criador da rede Havan vê seu patrimônio crescer vertiginosamente, apesar do modelo de negócios antiquado e das polêmicas em que vive se metendo
A voz do dono: o empresário na inauguração de uma loja em Mogi Mirim, interior paulista: sempre presente, ele valoriza o comprometimento de seu time de vendas (Crédito: Claudio Gatti)
ábado, 23 de março. Debaixo do calor interiorano da cidade de Mogi Mirim, a 128,4 km de São Paulo, duas centenas de funcionários e diversos simpatizantes aguardavam ansiosamente a chegada triunfal de um empresário. Algo raro num país que sempre olhou com suspeição para capitalistas. Naquele dia, a rede de lojas de departamentos Havan inaugurava seu 122º ponto de venda, uma unidade que recebeu aporte de R$ 25 milhões. Por volta das 9h, o dono do espetáculo entra em cena.
Aos 56 anos, o brusquense Luciano Hang, presidente da varejista, demonstra ter a energia de uma criança. Aproveita o som da canção religiosa “A Montanha”, eternizada na voz de Roberto Carlos, para pular no palco e agradecer o empenho de cada um dos funcionários que participaram das obras ou que passaram meses em treinamento nas outras unidades da rede. Não demora muito, porém, para que o empresário mostre seu lado mais polêmico. “O brasileiro foi enganado durante muitos anos por uma esquerda maldita que pregava que empresário não vale nada. Uma esquerda que pregava uma guerra que nunca existiu entre mim e vocês”, diz Luciano ao público. O brado gera euforia na plateia, que responde com gritos e aplausos.
Embora a Havan não seja tão conhecida nos grandes centros urbanos, já que a maioria das lojas fica em cidades de médio porte, é raro quem não tenha ouvido falar de Luciano Hang. O empresário foi um dos principais apoiadores da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL). Tamanha aproximação fez com seu nome fosse cotado para a vice-presidência e, posteriormente, para algum ministério. Nada disso aconteceu. Em entrevista exclusiva à DINHEIRO, Luciano contou os motivos que o levaram a apoiar o atual presidente da República. “Eu virei um ativista político em 5 de janeiro de 2018 e procurava um candidato que pudesse apoiar. Dentre todos, ele tinha duas coisas que me interessavam: liberalismo econômico e conservadorismo nos costumes”, diz o empresário, numa sala próxima ao hangar da Maga Aviation, no Aeroporto Campo dos Amarais, em Campinas (SP), onde seu avião particular, pintado com as cores da bandeira do Brasil, o aguardava para decolar.
O executivo afirma que, por conta do seu ativismo, foi vítima de perseguição por parte da imprensa. “A Folha de S. Paulo tentou deturpar a minha imagem para bater no Bolsonaro às vésperas da eleição, com matérias que diziam que eu era ‘sonegador’”, diz Luciano, que emenda um elogio ao presidente na sequência: “O Bolsonaro é que nem uma panela de pressão, daquelas de teflon. Aguenta pressão, é resistente e a sujeira não adere.”
Esse engajamento político tem, no entanto, causado dores de cabeça ao empresário. Às vésperas do segundo turno das eleições, ele afirma ter recebido ameaças de morte pouco antes de abrir uma loja em Volta Redonda (RJ). Em março deste ano, Mauricio Della Justina entrou na unidade matriz da rede, em Brusque (SC), e rasgou um boneco com a fisionomia do executivo. À polícia local, Della Justina disse que usou uma chave para mutilar a peça. Luciano afirma que ele portava uma faca. A mãe do empresário, que acompanha o filho em todas as inaugurações de lojas, demonstra preocupação e lança mão de insinuações para engrossar o caldo da luta ideológica. “Nós temos medo que aconteça alguma coisa com ele, porque o PT está calmo agora, mas não sabemos do amanhã”, diz Regina Hang, 80 anos.
Para reforçar o papel de ativista político, Luciano esteve em Brasília, na terça-feira 26, para reuniões com Bolsonaro e com o ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Ele faz parte de um grupo de empresários do chamado Movimento Brasil 200, idealizado por Flávio Rocha, presidente do conselho de administração da Riachuelo. No encontro, eles entregaram uma carta em apoio à reforma da Previdência. “As contas do País não fecham. Fomos lá apresentar as nossas ideias aos parlamentares, com o apoio da deputada e presidente do movimento, Joice Hasselmann”, diz João Appolinário, dono da Polishop, que participou da reunião ao lado de empresários como Gabriel Kanner; Sebastião Bomfim Filho, do grupo SBF, que controla as lojas Centauro; e Washington Cinel, fundador da Gocil.
Luciano Hang é bastante conhecido hoje, mas nem sempre foi assim. Com a expansão acelerada da Havan nas últimas duas décadas, rumores ligavam a empresa aos ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff, ao bispo Edir Macedo e até mesmo ao apresentador Silvio Santos. Em 2016, o então discreto Luciano teve a ideia de criar uma campanha publicitária que esclarecesse o mal entendido. Intitulada “De quem é a Havan?”, as peças mostravam um Luciano comedido e pronto para ocupar os holofotes. Concedeu entrevistas a programas de televisão e expôs, de forma clara, seu posicionamento político. Há mais de três anos, a Havan patrocina um quiz de 45 minutos no programa “Domingo Legal”, apresentado pelo garoto-propaganda da marca, Celso Portiolli. A parceria com o SBT, dono da atração, rendeu R$ 50 milhões em receita publicitária à emissora em 2018.
Com 122 lojas em 15 estados, mais de 16 mil funcionários e um faturamento de R$ 7,3 bilhões em 2018, a Havan teve um avanço de 45% na receita no ano passado. Muitos consideram o modelo de negócio ultrapassado, a exemplo das fracassadas Mesbla e Mappin, mas a Havan segue inaugurando megalojas, uma atrás da outra. Este ano serão 25. A próxima será aberta dia 6 de abril em Indaiatuba (SP). A meta é ter 200 unidades até 2022. Cada loja oferece cerca de 100 mil itens em suas gôndolas. “Nenhuma de nossas unidades dá prejuízo. Este ano, devemos chegar a um faturamento de R$ 11 bilhões”, diz Nilton Hang, primo de Luciano e diretor de expansão da empresa. “A Havan encontrou uma espécie de ‘oceano azul’ e navega em categorias que não têm tanta pressão de preço, o que faz com que ela construa uma margem mais interessante”, diz Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC).
Outro segredo para o sucesso é o que o varejo tem chamado de “experiência de compra”. Desde 1994, a Havan coloca uma réplica da estátua da liberdade, com 35 metros de altura cada, à frente dos pontos de venda. Um ano antes, a fachada da primeira loja já tinha se transformado numa réplica da Casa Branca, residência oficial do presidente dos EUA. A proposta é considerada “brega” por muita gente, mas especialistas dizem que isso é um exemplo de gestão de marketing. Como são localizadas em cidades interioranas, geralmente próximas às rodovias, as lojas da rede se tornam pontos turísticos. “A Havan pode até competir em pequenas cidades com a Lojas Americanas, mas ela ganha em proposta de valor”, diz Eduardo Terra. Hoje, uma unidade tem entre 7 mil e 9 mil metros quadrados. Algumas contam com salas de cinema e praças de alimentação.
Os negócios do grupo são diversificados. Além das lojas de departamentos, a Havan tem cinco pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) — outras duas estão em fase de construção —, uma administradora de imóveis, um depósito de combustíveis, agência de viagens, agência de publicidade e participação em um hotel em Joinville (SC). Não por acaso, Luciano Hang entrou na lista de bilionários da revista Forbes em 2019 como o 1.057º homem mais rico do mundo. Seu patrimônio é estimado em R$ 8,3 bilhões. “Eu acho que isso só me traz mais responsabilidade, para que outras pessoas possam me seguir como exemplo e ajudar a criar um país de empreendedores”, diz ele.
O empresário ficou na mira da Justiça por diversas vezes. Em outubro de 2018, o Ministério Público do Trabalho em Santa Catarina (MPT-SC) entrou com uma ação judicial contra a rede de lojas após Luciano ter recomendado em vídeo que seus funcionários votassem em Bolsonaro. Acusado pelo órgão de ter coagido os empregados, Luciano rebate. “Tu achas que eu preciso pressionar? Tu visses como eu me dou com os meus funcionários? Eu não preciso coagir ninguém. O que eu disse foi que se a esquerda vencesse as eleições eu iria parar, eu iria vender [a empresa]. Se a direita vencesse eu iria investir”, diz, com seu sotaque catarinense.
Antes disso, em setembro, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) decidiu multar o empresário em R$ 10 mil por impulsionar publicações no Facebook que promoviam a campanha do candidato da direita. A lei estabelece que pessoas físicas não podem contratar diretamente o impulsionamento. Luciano afirma não saber que isso era ilegal. Além disso, o dono da Havan foi condenado, em 2008, por crimes contra o sistema financeiro nacional e lavagem de dinheiro, mas o processo prescreveu. E assim Luciano Hang segue colecionando bilhões e polêmicas.