O governo Jair Bolsonaro (sem partido) apresentou recentemente proposta de reforma tributária. Especialistas que participaram de seminário virtual promovido nesta sexta-feira (14/8) pela TV ConJur divergiram se esse é o melhor momento para debater o assunto. Alguns argumentaram que o governo deveria se concentrar no combate à epidemia de Covid-19 e na crise econômica. Outros, porém, sustentaram que é preciso acelerar as discussões, para que as novas regras passem a valer em 2021 e ajudem empresas a se recuperar.
O debate é parte da série de encontros chamada “Saída de Emergência” e teve o tema “Reforma tributária na pandemia? Oportunidade e modelo”. O evento foi apresentado e organizado por Otavio Luiz Rodrigues Jr, professor da Universidade de São Paulo e integrante do Conselho Nacional do Ministério Público.
A advogada Lina Santin explicou que todas as propostas de reforma tributária sugerem a adoção de um imposto de valor agregado (IVA). Trata-se de um modelo utilizado por mais de 170 países. O IVA, segundo Lina, diminui a guerra fiscal e traz segurança jurídica.
Ela explicou que há duas propostas principais sobre o IVA: a com alíquota única (Proposta de Emenda à Constituição 45) e a com alíquotas reduzidas para setores essenciais, como saúde e educação (PEC 110).
A advogada prefere o modelo com alíquota única. Isso porque ela promove simplicidade e transparência. Além disso, acaba com lobbies de grupos econômicos para obtenção de benefícios fiscais a determinados setores. De acordo com Santin, devolver valores do IVA a pessoas de baixa renda é mais eficiente do que isenções tributárias, que servem aos mais ricos.
Luiz Gustavo Bichara, tributarista e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil, afirmou que a ordem das reformas está errada — a administrativa deveria ser a primeira, e a tributária, a segunda, e não o contrário. O mais importante é descobrir o custo do Estado brasileiro e ver como é possível enxugá-lo. Caso contrário, corre-se o risco de querer arrecadar e gastar mais, opinou.
Bichara criticou a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, de substituir o PIS e a Cofins pela Contribuição sobre receita decorrente de operações com Bens e Serviços (CBS). O novo tributo teria alíquota de 12% para empresas. Nessa proposta, apontou, a União quis garantir suas receitas antes de estados e municípios. Com tal taxa, o IVA seria de 30%, 32%, disse o tributarista, apontando que seria uma das mais altas do mundo.
Ele também ponderou que uma eventual tributação dos dividendos seria acompanhada pela redução da taxação de empresas. Portanto, daria na mesma.
O professor da USP Fernando Facury Scaff concorda e avaliou que essa não é a forma adequada de se combater a “pejotização”. Para o docente, não é o momento de se fazer uma reforma tributária. “Temos uma abissal queda de arrecadação e enorme aumento de despesas, que gerou até o orçamento de guerra. Há uma pandemia de saúde e uma econômica. Não podemos criar uma pandemia tributária. É hora de salvar vidas, empresas e empregos.”
Scaff também destacou que o projeto de Guedes não é uma reforma plena, pois só trata da tributação do consumo. E ressaltou que a União empurrou a redução da carga fiscal para estados e municípios. O professor ainda declarou que a ideia de reinstituir a CPMF não é adequada e disse ser “absurdo” propor o fim da isenção para gastos com saúde no meio da epidemia de Covid-19.
Nessa mesma linha, o professor do IDP José Roberto Afonso afirmou que é hora de salvar vidas, empresas e empregos. “Se é para discutir tributação, é para sair da crise, para ajudar setores que estão passando por dificuldades tremendas.”
O mais importante, na visão de Afonso, é estimular investimentos. “É preciso ter medidas tributárias que beneficiem o investimento, não o punam.”
Outro lado
O professor da USP Heleno Torres entende ser necessário acelerar a reforma tributária. De acordo com ele, o ideal seria que as novas regras entrassem em vigor em 1º de janeiro de 2021.
Torres defende uma reforma infraconstitucional, pois a constitucional não altera o sistema tributário em vigor. E que ataque seus problemas principais, como as obrigações acessórias.
No entanto, o tributarista criticou a ideia de extinguir as desonerações para gastos com educação. A seu ver, isso isso aumentará a carga fiscal e ameaça a existência de escolas privadas. Ele também opinou que, sem controle, uma desoneração da folha de salários poderia ser inócua e complicar a situação do Tesouro, como ocorreu no governo Dilma Rousseff (PT).
O deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ) ressaltou que o momento de crise e queda da arrecadação pode facilitar as negociações de uma reforma tributária. Afinal, os entes federativos estão com os cofres vazios e entendem a necessidade de racionalizar o sistema.
Por outro lado, a discussão poderia ficar mais difícil em um período de bonança, em que nenhuma das partes quer abrir mão de seus recursos.
O parlamentar também declarou que Paulo Guedes não quer resolver os problemas tributários do Brasil como um todo, apenas os da União. Conforme Leal, o ministro deveria incluir estados e municípios na discussão.