O Senado aprovou, nesta quarta-feira (10), a Medida Provisória (MP) 1.152/22, que modifica as regras para fixação de preços usados em transações entre empresas relacionadas, a fim de adequar as normas nacionais às praticadas pela Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE) e evitar práticas destinadas a diminuir o pagamento de tributos.
Aprovada na forma do Projeto de Lei de Conversão (PLV) 8/23, agora segue para sanção.
Editada no fim do último governo, o texto da MP foi aprovado com as mesmas mudanças inseridas na Câmara dos Deputados na forma de substitutivo. O substitutivo altera aspectos relacionados aos preços de commodities e de envio de royalties.
As novas regras terão vigência a partir de 1º de janeiro de 2024, mas o contribuinte interessado poderá optar por aplicá-las a partir de 2023.
De acordo com a exposição de motivos da proposição, esse seria o caso de multinacionais dos Estados Unidos que, devido a mudanças na legislação daquele país em janeiro de 2022, ao fazer essa opção poderiam voltar a contar com a dedução, no imposto a pagar pela matriz, do imposto pago pelas empresas relacionadas e cobrado no Brasil.
Veja, abaixo, alguns dos principais pontos da MP.
Paraíso fiscal
O texto aprovado também diminui de 20% para 17% a alíquota de imposto sobre a renda, abaixo da qual o país é considerado paraíso fiscal. A justificativa é de que a maior parte dos países diminuiu as alíquotas de tributos sobre a renda de 2000 a 2020, perfazendo, no caso da OCDE, uma alíquota média de 23,9%.
A manutenção de renda tributável em paraíso fiscal implica a perda de “benefícios” da legislação tributária, como dedução de juros em caso de endividamento superior a 30% do patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil e a impossibilidade de contar com tratamento tributário incentivado (isenção de ganho de capital) para investimentos de não residentes em bolsa de valores e assemelhados.
Princípio
A MP também estabelece critérios para que as transações entre as empresas jurídicas domiciliadas no Brasil e outras empresas relacionadas a elas no exterior sigam os mesmos termos e condições de transações que seriam feitas com empresas não relacionadas (terceiros). Chamado, pelo termo em inglês, de princípio Arm’s Length (em tradução literal, “distância de um braço”), esse conceito tenta evitar que as empresas usem brechas atuais na legislação para fazer um planejamento tributário a fim de pagar menos imposto.
Devido ao tributo sobre a renda ser menor em outros países, empresas sediadas no Brasil vendem seus produtos a empresas relacionadas com sede nesses países a um preço próximo do custo. Essas empresas no exterior então vendem o produto ao destinatário final e podem contar ainda com benefícios locais ou prejuízo acumulado para descontar o imposto a pagar nesses países, incidente sobre o lucro da operação de revenda.
Adicionalmente, no Brasil, quando da incorporação do lucro obtido na venda final, a diferença de imposto a pagar (34% da carga tributária brasileira menos os 20% no exterior) também pode ser reduzida com incentivos regionais existentes e a isenção no pagamento de juros sobre capital próprio, levando até mesmo a zerar o imposto.
Partes relacionadas
Essas transações são conhecidas como transações controladas, pois não derivam de negociações com empresas totalmente independentes, que seguem critérios de competitividade no estabelecimento do preço. Como a venda afeta a receita bruta, os impostos envolvidos nas novas regras são o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
A MP também amplia o conceito de empresas que podem ser consideradas uma parte relacionada nesse tipo de transação, retirando da legislação o termo “empresa vinculada”, que apresenta restrições devido à variedade de arranjos de negócios atualmente existente. Assim, nesse conceito, além dos casos mais claros de controle acionário (direto ou indireto, controladores ou participações mínimas em lucros), o texto também engloba, por exemplo, acordos de votos para controlar deliberações sociais. Isso tudo vale para qualquer entidade (pessoa natural ou jurídica e outros arranjos contratuais ou legais).
Comparação
Para determinar o preço desse tipo de transação (que vai impactar o valor de receita obtida passível de tributação), a empresa deve adotar os critérios listados usando termos do contrato da transação, características dos bens ou direitos negociados, circunstâncias econômicas das partes e do mercado em que operam e estratégias de negócios, entre outros itens.
Em qualquer situação, devem ser consideradas as opções realisticamente disponíveis para a implementação da transação, como se ela pudesse ser feita com uma parte não relacionada. Após a adoção de todos os parâmetros, a transação deve ser comparada com transação de igual tipo que poderia ocorrer com empresa não relacionada, a fim de garantir a aplicação do princípio Arm’s Length.
O principal método para determinação do preço a ser considerado de modo geral é o que compara o preço pago com aquele de transações semelhantes entre partes não relacionadas, conhecido como Preço Independente Comparável (PIC).
A adoção de outros métodos deverá ser justificada pela empresa, ao contrário do que ocorre atualmente.
Commodities
Em relação às commodities — nas quais se incluem os principais produtos exportados pelo Brasil, como grãos e minérios — o PIC será aplicado quando informações confiáveis de preços independentes estiverem disponíveis, incluindo preços de cotação publicados por bolsas e índices divulgados por agências de preços. Nesse tópico, também poderão ser usados os preços praticados com partes não relacionadas, inclusive preços públicos, exceto em condições extraordinárias de mercado que levem a um resultado incompatível com o princípio postulado na MP.
Para outro método poder ser aplicado, o texto aprovado permite que sejam levados em conta outros fatores, como os ativos, as funções e os riscos de cada entidade na cadeia de valor. A MP também prevê que um método alternativo poderá ser aplicado quando a confiabilidade do PIC for afetada a ponto de justificar método diferente, mesmo após ajustes para se chegar a um preço comparável entre transações controladas e não controladas.
Ajustes
Devido à complexidade de vários tipos de operações, a MP permite ao contribuinte realizar ajuste espontâneo na base de cálculo dos tributos quando ela for inferior à que seria calculada em transações entre partes não relacionadas. E também permite que seja feito um ajuste compensatório até o encerramento do ano-calendário.
O texto prevê que esses ajustes não podem reduzir a base de cálculo encontrada ou aumentar o valor do prejuízo fiscal do IRPJ ou a base de cálculo negativa da CSLL, exceto se realizados na forma e no prazo estipulados pela Receita Federal, no âmbito de mecanismos de solução de disputa previstos em acordos ou convenções internacionais para eliminar dupla tributação. Caso o contribuinte não faça nenhum desses ajustes quando necessário, o fiscal da Receita fará o ajuste primário de ofício, adicionando o valor à base de cálculo.
Outra mudança no texto, incluída durante a tramitação da matéria na Câmara, exclui o chamado ajuste secundário, previsto para lidar com as consequências da transferência indevida de lucros para outras jurisdições por causa da base de cálculo errônea. Essas consequências ocorrem porque, apesar de haver uma correção da alocação dos lucros para fins tributários, isso não muda o fato de que o lucro transferido permanece localizado e registrado em outro país.
Direitos autorais
As novas regras para determinação do preço de transferência valerão ainda no caso de bens considerados intangíveis (como direitos autorais, patentes, marcas e outros). A MP prevê que, em transações com bens intangíveis de difícil valoração, as incertezas incidentes na precificação ou na avaliação do bem deverão ser consideradas.
O texto aprovado revoga da legislação o limite de 5% da dedução de despesas com pagamentos de royalties ao exterior, remetendo ao mecanismo de cálculo do preço de transferência a medição do valor dedutível a fim de evitar deduções que estejam dentro do limite, mas acima do que seria devido na comparação da transação com terceiros.
A MP ainda disciplina casos para evitar que a dedução de royalties provoque a chamada dupla não tributação, quando as empresas não pagam o imposto incidente sobre essa parte no Brasil nem no outro país para o qual o valor foi remetido.
Multas
A MP estabelece multas com percentuais de 0,2%, 3% ou 5%, incidentes sobre a receita bruta, a receita consolidada do grupo multinacional ou o valor da transação, conforme o caso, pela não entrega ou entrega atrasada ou com erros de documentação que tenha servido de subsídio para se encontrar a base de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Os valores nominais devem ser de R$ 20 mil, no mínimo, a R$ 5 milhões, no máximo.
Se o contribuinte cooperar com o Fisco e tiver errado o cálculo devido à sua complexidade, por exemplo, poderá ser dispensado de multas caso aceite a retificação e pague a diferença com acréscimos legais.
Consulta
A Receita Federal poderá instituir um processo de consulta a respeito da metodologia prevista na MP com resposta a ser aplicada nas transações futuras segundo os parâmetros fornecidos pelo contribuinte para fundamentar a consulta.
Para começar o processo – O interessado deve pagar uma taxa de R$ 80 mil e fornecer as informações necessárias. A resposta da consulta terá validade de 4 anos, podendo ser prorrogada por mais 2 anos com o pagamento de taxa de R$ 20 mil.
Se mudarem as premissas que embasam a solução ou a legislação sobre o assunto, a Receita Federal poderá revisar a resposta, tornando inválida a resposta anterior.
Fonte: Agência Câmara de Notícias e Fenacon | Imagem: Freepik