Programa governamental usa métodos simples para ampliar a eficiência das empresas. Nas cerca de 3 mil que já aderiram, o ganho médio foi de 52% em produtividade. A meta agora é chegar a 100 mil participantes
Com alterações simples na disposição de máquinas e a padronização de processos, a indústria alimentícia Moinho de Pedras, de Goianira (GO) conseguiu reduzir o tempo de entregas de sete para dois dias. Em quatro meses, foi possível notar um ganho de produtividade de 85%. Além da eficiência na indústria, houve melhora na qualidade de produtos e, como consequência, mais pedidos e novos clientes.
Embora tenha sido fundada em 1996, a indústria passou a maior parte de sua trajetória focada em ampliar a carteira de produtos e só agora conseguiu dedicar tempo em aprimorar o jeito de produzir. “Os funcionários estão mais interessados e focados na entrega dos resultados”, afirma Letícia Borges, sócia da companhia. Desde a inauguração, a produção passou de fubá de arroz e canjica de milho para mais de 40 itens. Agora, eles são fabricados com os métodos considerados referência em todo o mundo.
Como a fabricante goiana, milhares de pequenas e médias indústrias ainda derrapam em produtividade. O País ocupa a 72º posição no ranking global de competitividade do Fórum Econômico Mundial, dentre 140 países. Esse quadro precisa melhorar rápido. E o programa federal Brasil Mais Produtivo (B+P) tem mostrado que pequenas mudanças podem trazer grandes resultados. Bons exemplos na faltam.
Também em Goiás, a confecção Kuka Maluca, em Senador Canedo, passou a aplicar técnicas de manufatura enxuta, conhecidas como “Sistema Toyota de Produção”. Além de mudar a disposição das máquinas, o processo eliminou estoques, gerando um ganho de 55% na produtividade. “Hoje trabalhamos apenas por demanda”, diz Helmo José Júnior, proprietário da confecção. “A produtividade é analisada diariamente por meio do novo sistema de controle de eficiência.” Aos 16 anos, Helmo surpreendeu os pais ao querer largar os estudos para empreender.
Sem muitos conhecimentos de gestão, levou um bom tempo para estruturar sua indústria. Voltou a estudar e se formou em economia. Mesmo assim, só após a participação no programa, conseguiu resolver os impasses de produtividade. Agora, consegue fazer mais com os mesmos 45 funcionários de antes. “Apliquei o método em uma das três células produtivas na empresa e vou aplicar nas outras”, diz. Ao alterar a disposição das máquinas, o tempo de movimentação da líder da costura caiu 44%.
CONTINUIDADE Idealizado na gestão Dilma Rousseff, em parceria com o SENAI, o Brasil Mais Produtivo entrou para o quadro das iniciativas públicas vistas como “apartidárias”. Foi renovado por Michel Temer (MDB) e será ampliado pelo governo atual. O motivo é óbvio: reverter o fraco desempenho da indústria. O setor, que chegou a representar mais de 40% do PIB na década de 1980, hoje tem uma fatia de 22% e responde por 49% das exportações. Depois de uma recuperação tímida pós-recessão, a produção segue em baixa em 2019, com queda de 0,8%.
Para impedir que a atividade indutrial se deteriore ainda mais, além de aventar a simplificação tributária, o governo decidiu apostar mais fichas no Brasil Mais Produtivo. Na primeira fase do programa, finalizada em 2018, o crescimento médio da produtividade foi de 52% nas 3 mil indústrias participantes. A meta agora é atingir 100 mil empresas até o fim do governo. Voltado às companhias de pequeno e médio portes, usando ferramentas de manufatura enxuta (lean manufacturing, em inglês) o programa conseguiu uma redução de 64,82% no retrabalho e aumentou, em média, em 11,11 vezes o retorno sobre o investimento.
A fabricante alimentícia Fast Açaí obteve um ganho de produtividade de 91% com a implementação do fluxo contínuo nas etapas de montagem e de embalagem, além da melhora na organização do processo de produção de sanduíches, com monitoramento de ferramentas de gestão e treinamento. “O programa nos ajudou a profissionalizar nossa produção”, afirma Pedro Lima, sócio da empresa. “Trouxe conhecimento, rapidez e melhoria no nosso transporte”.
A empresa foi montada sem estudo prévio por Pedro e outros três irmãos. Na época, os quatro lutavam jiu-jitsu e costumavam se reunir com os amigos no pós-treino. O açaí, fabricado em casa, era apreciado por todos. “Insistiram tanto para a gente vender, que começamos a investir nisso.” Hoje, a produção abastece a rede de franquias da marca com 182 lojas no Brasil e três em Angola. Para este ano, estão previstas novas unidades nos Estados Unidos e na África do Sul.
REDUÇÃO DE CUSTOS Para tentar extrapolar os ganhos de produtividade para a economia como um todo, o desafio do governo é ampliar a escala. “Se fosse em Portugal, esse resultado em 3 mil empresas seria transformador para o PIB do país”, afirma Caio Megale, secretário de Desenvolvimento da Indústria, Comércio, Serviço e Inovação do Ministério da Economia. “Aqui, temos 10 milhões de empresas.” Segundo ele, a nova fase do Brasil Mais Produtivo focará em duas frentes. A primeira é escala, para “fazer a diferença no PIB”. A outra é a redução dos custos. Hoje, em média, o atendimento do programa demanda R$ 18 mil por empresa. “É preciso repensar o modelo e criar condições para fazer com que ele ande com as próprias pernas”.
Uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) mostra que a adesão ao programa é decisiva. O levantamento indica que poucas empresas usam as 15 técnicas de produção enxuta em todos os processos e revela que a falta de conhecimento, o alto custo de implantação e a ausência de trabalhadores qualificados são os principais obstáculos encontrados pelos empresários. “O Brasil Mais Produtivo olha um pedacinho da empresa e, a partir dele, espalha para o resto da produção”, afirma o gerente-executivo de pesquisas da CNI, Renato da Fonseca.
A nova fase do programa irá abordar também a conectividade e digitalização. Há ainda a meta de buscar a eficiência energética. “O governo tem como norte diminuir o custo de energia de forma sustentável, mas essa é uma solução que demora”, afirma Megale. Outra fase que deve ser implementada é um pilar de qualificação. “Não adianta digitalizar a empresa e os funcionários não saberem como operar o maquinário.”
Para Megale, a solução para reverter a estagnação de 30 anos na produtividade é o empreendedorismo. O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e o Ministério da Economia vão lançar dia 3 de abril, na Câmara dos Deputados, uma consulta pública para o marco legal de startups. A idéia é fomentar incentivos fiscais aos investidores. Outra iniciativa visa reunir programas em parceria com o setor privado e a criação de um portal único para o empreendedor. “Hoje, os esforços estão difusos. O empreendedor não sabe se vai ao BNDES, à FINEP ou ao Ministério da Economia”. O objetivo final é atacar o desemprego. “O crescimento sustentável virá do reequilíbrio fiscal, do investimento público e do ganho de produtividade”. O Brasil precisa de tudo isso, e para ontem.