Para evitar futuros problemas, tornou-se necessária uma intensa modificação de conceitos e quebras de paradigmas.
terça-feira, 9 de fevereiro de 2021
Em 1979 a Receita Federal realizou uma campanha publicitária para divulgação do Imposto de Renda, na qual utilizou a figura de um leão para chamar atenção dos contribuintes, os conscientizando da importância e relevância de entregarem suas declarações corretamente, imagem esta que se consolidou de tal forma a ponto de continuar sendo utilizada até hoje.
Neste ano que se findou, uma expressão muito utilizada embasou o título do presente artigo, “os olhos do leão pairam sobre o produtor rural”. Não precisamos de muito esforço para localizar inúmeras notícias veiculadas em vários canais de comunicação a respeito do agronegócio, sempre o mencionando como setor que salvou o país da crise ou setor que mais cresce, fato este que não tem passado despercebido pelo Fisco.
A Receita Federal emite um relatório anualmente, explicitando os resultados da fiscalização do ano anterior e quais serão as principais estratégias a serem adotadas no ano corrente, chamando a atenção no Plano Anual de 2019/2020 a intensificação de esforços sobre o produtor rural pessoa física.
Do citado relatório, percebemos que o foco da PGFN se direcionou em cruzamentos de dados fornecidos por várias pessoas físicas, jurídicas e entidades, permitindo determinar movimentações financeiras incompatíveis, omissão de rendimentos, renda incompatível com gastos de cartão de crédito e aquisição de bens, despesas fictícias lançadas na atividade rural, omissão de ganho de capital em alienação de imóveis, dentre outros.
Para a efetivação da tributação do Imposto de Renda da atividade rural exercida na pessoa física, sempre houve uma dependência das informações que o próprio produtor rural declarava para a RFB, através do famoso Livro Caixa, documento no qual é demonstrado as receitas e despesas do ano calendário, bem como se o resultado do período foi lucro ou prejuízo.
Tendo em vista o déficit de auditores fiscais, nunca foi possível uma fiscalização acirrada sobre as milhões de declarações entregues anualmente pelos Contribuintes, fato este que tem sido compensado com investimentos pesados em tecnologia de uns anos para cá, aumentando exponencialmente o acesso às informações e automatização dos procedimentos internos.
Buscando consolidar a fiscalização sobre a atividade rural, no ano de 2018 a Receita Federal editou a Instrução Normativa nº 1.848, instituindo o Livro Caixa Digital do Produtor Rural.
Inicialmente, para o ano de 2020, todos os produtores rurais que auferiram no ano de 2019 receita bruta da atividade rural superior a R$ 7.200.000,00 (sete milhões e duzentos mil reais) foram obrigados a entregar seu Livro Caixa Digital. A partir de 2021, ficaram obrigados a utilizar a nova modalidade quem auferir receita bruta anual superior a R$ 4.800.000,00 (quatro milhões e oitocentos mil reais).
Em que pese a existência dos limites supracitados para a obrigatoriedade de entrega do Livro Caixa Digital, trata-se de mera questão temporal até que seja a forma obrigatória a todos os produtores rurais, independentemente de seu faturamento, devendo os desobrigados começarem a se preparar.
Mas afinal, como este Livro Caixa, agora “Digital”, afeta o produtor rural? De simples análise do leiaute e manual de preenchimento da nova modalidade, extraímos inúmeras informações a serem prestadas pelo produtor rural, as quais poderão ser submetidas ao cruzamento automatizado de informações com outras milhões de declarações entregues por pessoas físicas e jurídicas.
A título de exemplo, o produtor rural está obrigado a informar as contas bancárias utilizadas no recebimento de cada nota fiscal emitida. Munida desta informação, a RFB consegue comparar com as declarações entregues pelos Bancos, permitindo verificar a veracidade do volume de movimentação financeira declarado pelo contribuinte, trazendo uma fiscalização para aqueles que não separaram a movimentação da atividade rural com suas movimentações pessoais ou de outras fontes.
Outro ponto polêmico diz respeito à atividade rural exercida em conjunto, através de arrendamento, comodato, parceria, etc., existindo no Livro Caixa Digital um campo específico para o produtor rural declarar todas as informações relativas às operações conjuntas a terceiros.
Em uma situação hipotética, a Receita Federal, ao verificar as informações prestadas por dois produtores rurais que declararam operar em regime de parceira, pode averiguar ausência de risco e constância nos pagamentos, qualificando a existência, na verdade, de um legítimo arrendamento firmado, atraindo uma carga tributária maior a ser objeto de autuação.
Qualquer divergência de informações encontrada nos cruzamentos de dados pode gerar uma fiscalização com posterior lavratura do auto de infração e imposição de penalidades. Insta mencionar ainda que havendo prestação de informações falsas ao Fisco, poderá ser tipificado o crime contra a ordem tributária, conduta amplamente utilizada atualmente.
Para evitar futuros problemas, tornou-se necessária uma intensa modificação de conceitos e quebras de paradigmas. Mesmo atuando na pessoa física, o produtor precisa se visualizar como uma empresa, segregando corretamente seu financeiro pessoal de sua atividade, organizando toda a parte documental mensalmente, criando procedimentos para separação e guarda do que for relativo à sua atividade rural de maneira correta.
A orientação principal é agir de maneira preventiva, buscando entender o impacto das informações a serem prestadas pelo Livro Caixa Digital, assegurando a existência de documentação hábil a comprovar a veracidade do que for declarado, permitindo um planejamento no decorrer do ano de forma a arcar com a menor carga tributária possível no ano seguinte, dentro da estrita legalidade.