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Medidas como redução do Reintegra e reoneração da folha podem não suprir perda do subsídio ao diesel

O pacote tributário criado pelo governo para atender a alguns pedidos e pôr fim à greve dos caminhoneiros – subsídio ao preço do diesel que entrou em vigor dia 31 de maio – vai garantir uma economia de R$ 16,23 bilhões para 2019 para as contas públicas. É que as medidas adotadas para compensar parte da queda de R$ 0,46 no preço do diesel nas refinarias, acordada entre o governo e os líderes dos caminhoneiros, têm efeito permanente a partir de agora. Com isso, o governo tenta minimizar em 2019 uma parte do impacto negativo para as contas públicas da greve dos caminhoneiros.

Por outro lado, o efeito de queda na arrecadação de tributos ainda não foi dimensionado pela equipe econômica, mas já é esperado, por conta da parada de produção de muitos setores econômicos. Além disso, enfatiza o advogado tributarista João Luis de Azambuja Corsetti, sócio do escritório Ramos e Kruel Advogados, corre-se o risco de os prejuízos com o pacote de medidas do governo começarem a gerar preocupação ainda neste ano.

O especialista lembra que o governo já havia tentado estabelecer a reoneração da folha de um grupo de empresas. Porém, normalmente, as organizações não aceitam e evocam o princípio de que não se pode aumentar tributos no ano corrente. "Normalmente elas movem mandados de segurança com medida liminar e não são reoneradas", destaca Corsetti. Publicada em 30 de maio, a medida estabelecendo a reoneração da folha de pagamento deve começar a valer 90 dias após a publicação, ou seja, em 1 de setembro.

 Para o advogado tributarista, corre-se o risco de as mudanças gerarem uma confusão gigantesca nas contas do governo, pois, "a partir do momento em que as empresas não se enquadrarem na reoneração, o cálculo da redução de R$ 0,46 no preço do diesel não vai fechar". "A realidade é que essas medidas servem como o que chamamos de cobertor curto. O governo está diminuindo o valor do diesel para aumentar os tributos pagos a empresas que inevitavelmente terão de repassar os custos à população em geral", defende Corsetti.

A maior parte da economia em 2019 virá com a redução do Reintegra, subsídio que é dado para os exportadores de produtos manufaturados. O governo vai economizar R$ 10 bilhões em 2019 com a redução para 0,1% do benefício. O projeto de reoneração da folha deve permitir uma economia adicional no ano que vem de R$ 3,6 bilhões. O aperto na tributação dos concentrados para refrigerantes produzidos na Zona Franca de Manaus vai render mais R$ 1,9 bilhão e outros R$ 730 milhões com a extinção do Reiq, programa de incentivo para a indústria química.

Ao comentar as medidas, o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, avaliou que o Brasil tem gastos tributários, incentivos e desonerações de impostos e tributos, elevados e fora do padrão mundial. Segundo ele, esse custo é pago por todos os contribuintes.

As medidas fiscais não são consenso nem entre a base governista. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, já afirmou que não ficou satisfeito com a decisão do governo de vetar a redução da alíquota do PIS/Cofins para o óleo diesel. "Na minha opinião, a forma mais correta para reduzir R$ 0,46 no preço do diesel seria diminuindo a alíquota do PIS/Cofins", disse Maia.

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Andrade, engrossou as críticas. Segundo ele, a indústria é o setor que vai pagar a conta das medidas tributárias anunciadas para bancar o diesel mais barato para os caminhoneiros. "O problema é que o governo está querendo pagar a conta do subsídio ao diesel tirando incentivos muito importantes para a indústria. E sempre ela que está sendo penalizada", afirmou Andrade.

Robson Andrade ressaltou que a indústria paga 32% dos impostos federais e chegou a sugerir que as medidas atingissem outros setores que pagam menos tributos, como a agricultura. "Temos alertado o governo. A CNI teve uma reunião com o governo mostrando os prejuízos que a indústria teve. Isso (as medidas) vai piorar muito a situação das empresas que exportam", criticou o dirigente sindical.

A Abir, que reúne os fabricantes de bebidas não alcoólicas, disse que foi surpreendida pelo decreto e que a indústria terá impactos com a decisão. A entidade afirma que está empenhada em restabelecer esse diálogo a fim de evitar prejuízos ao setor e a consequente e inevitável redução da arrecadação federal.

Gasto foi de 3,5% para 4,5% do PIB em cinco anos

No momento em que o governo aumenta a conta de subsídios para reduzir impostos sobre o diesel, o ministro da Fazenda, Eduardo Guardia, criticou o crescimento do gasto tributário, que inclui incentivos e renúncias do governo federal. O ministro disse que, de 2010 a 2015, o gasto passou de 3,5% para 4,5% do PIB.

 "Isso não foi acompanhado com um processo de avaliação consistente", afirmou Guardia. Ele defende a adoção de soluções "consistentes e duradouras" para o grave problema fiscal enfrentado pelos governos federal, estaduais e municipais.

O ministro citou a necessidade de enfrentar questões como a reforma da Previdência e a guerra fiscal entre estados. "É difícil avançar com soluções pontuais. Não podemos melhorar serviços para a população na situação de crise fiscal que vivenciamos", afirmou.

Guardia ressaltou que a crise econômica enfrentada pelo País tem início no grave desequilíbrio fiscal visto nos últimos anos. No evento, que discute o financiamento para estados e municípios, ele ponderou que o problema fiscal hoje é maior na esfera federal, já que os entes ainda apresentam um pequeno superávit fiscal.

Ele destacou que a essência do problema fiscal é o crescimento das despesas primárias, particularmente da Previdência. Para o ministro, se a reforma da Previdência não for feita, haverá aumento da carga tributária para cobrir essas despesas, que já é alta para os padrões brasileiros.

Guardia também disse que as mudanças previdenciárias são necessárias antes da reforma tributária, ou não haverá solução duradoura. "Não haverá saída consistente para o País se não enfrentarmos problema previdenciário", concluiu.

O ministro da Fazenda disse ainda que o governo não vai flexibilizar os gastos e que é necessário explicitar os custos de cada "escolha" para a sociedade. Ele citou a redução de tributos sobre o diesel, feita após a greve dos caminhoneiros. "A questão do combustível tem custo para a sociedade. Se vamos reduzir conta do diesel, alguém está pagando essa conta", afirmou.

Guardia disse que a prioridade do governo é equacionar a questão fiscal e admitiu que os gastos não estão sendo feitos da melhor forma possível. "Qualquer coisa que o País quiser fazer tem que caber na restrição orçamentária. Qualquer decisão difícil que teremos que tomar, como a dos combustíveis, será tomada sem flexibilizar a questão fiscal", garantiu.

Impacto em 2019 das medidas tributárias:

1 – Revogação do Reiq, programa de incentivo à indústria química – R$ 730 milhões

2 – Redução para 0,1% do Reintegra, programa de incentivos aos exportadores – R$ 10 bilhões

3 – Aperto na tributação dos fabricantes de concentrados que são usados na fabricação de refrigerante – R$ 1,9 bilhão

4 – Redução dos setores beneficiados com desoneração da folha de pagamentos – R$ 3,6 bilhões.

Mudança em IPI reflete no planejamento tributário de refrigerantes

Parte do pacote tributário apresentado para compensar o subsídio ao preço do diesel, a mudança na alíquota de Imposto Sobre Produtos Industrializados (IPI) dos concentrados de refrigerantes divide empresas do setor. A alteração é vista como um impacto negativo para o que vinha sendo considerado uma forma de planejamento tributário das fabricantes de bebidas. Pequenos fabricantes comemoraram, enquanto a entidade que representa algumas das maiores indústrias do setor viu "ameaça aos investimentos".

A Associação Brasileira da Indústria de Refrigerantes e de Bebidas Não Alcoólicas (Abir), que representa alguns dos maiores do setor, como Coca-Cola e Ambev, afirmou que foi surpreendida. "A medida impacta profundamente o setor", disse, em nota, o presidente da entidade, Alexandre Jobim. "A mudança brusca do regime tributário de compensações fiscais ameaça os investimentos e mesmo a operação de diversas indústrias na Zona Franca de Manaus", afirma a entidade.

O governo decidiu restringir o incentivo tributário para concentrados de bebidas que são produzidos na Zona Franca de Manaus e que servem de base para a produção de refrigerantes. Para isso, a alíquota do IPI foi reduzida a 4% para garantir que o insumo tenha alíquota inferior à dos produtos finais. Segundo a Receita Federal, essa medida garantirá R$ 740 milhões até o final do ano.

Na avaliação de pequenos fabricantes representados pela Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil (Afrebras), a mudança vai favorecer a competição no setor. O presidente da Afrebras, Fernando Rodrigues de Bairros, acusa as grandes empresas de elevarem excessivamente os preços do concentrado fabricado por suas subsidiárias na Zona Franca. Isso, segundo a entidade, gera um alto volume de créditos tributários, que as empresas usam para compensar o IPI que deveria incidir sobre o refrigerante pronto e até mesmo sobre outras bebidas comercializadas.

A Abir rebate dizendo que, nos últimos 30 anos, "a indústria brasileira de refrigerantes e de bebidas não alcoólicas tornou-se responsável por um recolhimento de R$ 10 bilhões em impostos federais, estaduais e municipais".

Após paralisação, defesa do ICMS vira palanque nos estados

Pré-candidatos ao governo do Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Bahia e Pernambuco usaram a greve de caminhoneiros como palanque para criticar a política de formação de preços de combustíveis adotada pelo governo federal e defender a parte que cabe aos estados neste quinhão: o ICMS. O imposto estadual é responsável por 14% do preço do diesel e 28% do da gasolina.

No Rio Grande do Sul, ao menos três pré-candidatos ao governo, Eduardo Leite (PSDB), Jairo Jorge (PDT) e Luis Carlos Heize (PP), defenderam a redução da carga tributária. Para o tucano, o governo gasta mal. O pedetista afirmou que o Brasil precisa diminuir "impostos e a burocracia", e Heize disse ser a favor da revisão da política de preços dos combustíveis.

Entre os governadores pré-candidatos à reeleição, os petistas Rui Costa (Bahia) e Fernando Pimentel (Minas) foram os mais incisivos, em contraste com a discrição do pernambucano Paulo Câmara (PSB) e do gaúcho José Ivo Sartori (MDB).

Principais nomes da oposição em Minas e Bahia, Antonio Anastasia (PSDB) e José Ronaldo (DEM) foram concisos nas redes sociais. O tucano mineiro defendeu ais para defender a pacificação e a "busca de soluções", enquanto o baiano criticou a falta de diálogo do governo com os grevistas.

Em Pernambuco, as principais críticas partiram do pré-candidato Armando Monteiro (PTB). Segundo ele, a paralisação foi o resultado da "política de preço exercida pela Petrobras e a estrutura tributária vigente".

Setores afetados pela reoneração fiscal:

*   Alumínio e suas obras

*   Instrumentos óticos

*   Autopeças

*   Manutenção e reparação de embarcações

*   Bicicletas

*   Medicamentos e fármacos

*   Borracha

*   Obras de ferro fundido, ferro ou aço

*   Brinquedos

*   Obras diversas de metais comuns

*   Carga, descarga e armazenagem de contêineres

*   Pães e massas  

*   Cerâmicas

*   Papel e celulose

*   Cobre e suas obras

*   Parafusos, porcas e trefilados

*   Comércio varejista (exceto calçados)

*   Pedras e rochas ornamentais

*   Construção metálica

*   Plásticos

*   Design houses

*   Pneus e câmaras de ar

*   Fabricação de aviões

*   Suporte técnico em informática

*   Fabricação de ferramentas

*   Tintas e vernizes

*   Fabricação de forjados de aço

*   Transporte ferroviário de cargas

*   Fogões, refrigeradores e lavadoras

*   Transporte marítimo e fluvial  

*   Hotéis

*   Vidros 

 

NELSON ALMEIDA/AFP/JC – Jornal do Comércio