Por Pedro Guilherme Gonçalves de Souza
O fim da empresa em uma economia é a geração de lucros para o seu acionista. Mesmo ciente de tal fato, o governo federal encabeçou o Projeto de Lei nº 2.337/2021 (PL 2337) — a que chamou de reforma tributária —, que, ao confiscar o lucro distribuído, tributando-o a 20%, desincentiva o investimento empresarial no país.
Para vender a ideia, o Ministério da Economia, munido de recortes enviesados de estudos econométricos, vale-se de três argumentos principais: que o lucro da empresa e o de seu acionista são grandezas incomunicáveis; que se deve corrigir uma injustiça: o privilégio da tributação do empreendedor empregador frente à do empregado assalariado; e que todos os países desenvolvidos tributam os dividendos.
No primeiro pilar argumentativo, defende-se a retenção do “quinto” (20%) sobre o lucro distribuído, silenciando sobre o fato de que, antes de colocar o primeiro real no bolso, o empresário já terá pagado 9,25% de tributos sobre a receita bruta (PIS e Cofins) e 29% sobre o lucro obtido (IRPJ + CSLL), já considerada a redução de 5% do IRPJ do PL 2337.
A riqueza gerada pelo empresário terá sido tributada a 38,25% quando o golpe de misericórdia de 20% for aplicado. Nenhuma análise de boa-fé desse quadro pode justificar a alardeada incomunicabilidade entre a tributação da empresa e a do lucro que ela gera.
O confisco — vedado pela Constituição de 1988 (“é vedado utilizar tributo com efeito de confisco”, artigo 150, IV) — é incontestável quando 58,25% do resultado econômico de uma atividade é revertido para alguém que não o gerou. No caso, o governo federal.
Além disso, faz-se vistas grossas ao fato de 36,8% sobre cada real pago como salário pelo empreendedor ser tributado (INSS, seguro acidente de trabalho, FGTS, contribuições a Sesi, Senai, Sebrae, Sesc, Senac, Senar, Incra, salário educação e afins). Isso para ficar somente com as despesas tributárias federais.
A resposta ao segundo pilar argumentativo — o empresário não é tributado enquanto o empregado paga até 27,5% — está contida nos parágrafos acima. Não é possível comparar o incomparável. A escolha do empregado de não correr riscos e buscar a estabilidade do salário não se confunde com o empreendedor em busca do lucro, que pode não vir.
As duas escolhas são legítimas, somente não podem ser cotejadas sob o mesmo prisma tributário. A medida constitucional de igualdade tributária (artigo 150, inciso II da CF-1988) é justamente estarem os contribuintes em “situação equivalente”. Não estão em situação equivalente aquele que assina uma ou diversas carteiras de trabalho, e carrega o ônus financeiro dessa escolha, e aquele que tem sua carteira assinada.
Se a geração de postos de trabalho é um bem jurídico tutelado (artigo 170, inciso VII, da CF-88: “A ordem econômica deve observar a busca ao pleno emprego”), o vetor interpretativo da comparação empreendedor versus assalariado deve ser invertido imediatamente pelo governo federal. Nesse âmbito, a comparação entre o empreendedor e o assalariado conduzirá, preferencialmente, sob o viés da utilidade gerada à ordem econômica, à desoneração daquele e não deste.
Também a falácia do combate à “pejotização” na proposta apresentada deve ser reavaliada. Tal fenômeno, legítimo, decorre antes da reforma trabalhista do que de qualquer desvio tributário. E a proposta de isenção dos dividendos pagos pelas pequenas empresas até o limite de R$ 20 mil no PL 2337 incentiva a pejotização, não a combate. A comparação do novo regime isento ao da carteira de trabalho, severamente onerado, diante de um sistema previdenciário que se esfarela, pende a favor do primeiro.
Quanto ao recurso à comparação com os países desenvolvidos (“somente o Brasil e a Estônia não tributam dividendos”), vale o contraponto: nenhum país do mundo tributa a receita bruta. Mas não precisa parar por aí: nenhum país do Ocidente desenvolvido que tribute dividendos o faz em patamar tão elevado se somado à tributação da empresa.
Observe-se o comparativo, já com a inclusão do Brasil caso o PL 2337 seja aprovado, no formato país (tributação da empresa + tributação dividendos): Alemanha (48,42%); Brasil (58,25% — proposta); Canadá (55,21%); Chile (40%); Colômbia (36%); Estados Unidos (47,22%); Itália (43,76%); México (42%); Suécia (44,42%) (Fonte: OCDE).
Caso o governo federal, de fato, queira colocar o Brasil como opção viável para investimentos produtivos no plano internacional, fica o convite para extinguir o PIS e a Cofins. Sob essa condição, o quinto sobre dividendos pode até ser palatável.
Por essa razão, seria útil que o PL 2337 fosse apreciado juntamente ao Projeto de Lei nº 3.887/2020, que propõe a substituição do PIS e da Cofins pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). A proposta carga de 12% para a CBS deve ser, nesse ínterim, zerada ou redefinida para um patamar máximo de 5%.
Por fim, para legitimar o quinto, é medida de urgência pautar a Proposta de Emenda Constitucional nº 32/2020 (reforma administrativa) antes de qualquer coisa.
Caso isso não seja feito, há sério risco de que o confiscatório patamar de 58,25% cobrado sobre as riquezas geradas seja inegociável apenas porque “a conta tem de fechar”. Afinal, sem a reforma, a esposa do falecido copeiro de um dos 43 assessores do subsecretário do ministro continuará ganhando R$ 20 mil mensais. Para cada 1% de dividendo tributado no PL 2337, valor correspondente de superávit primário deve ser gerado pela reforma administrativa.
Ao fundir o Ministério da Fazenda ao do Planejamento, criando o Superministério da Economia, criou-se a esperança de dias melhores. Cogitou-se que a tributação deixaria de ser mera forma de angariar recursos para pagar a obesa folha de salários públicos e se tornaria ferramenta de indução do desenvolvimento nacional. O desfecho da escorchante proposta de tributação de dividendos do PL 2337 demonstrará, de fato, aonde o país quer chegar.