Muito se tem especulado sobre os efeitos práticos do acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no RE nº 796.376 para as holdings familiares.

Alguns profissionais têm interpretado o acórdão como uma abertura para que os Municípios passem a cobrar o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) sobre a diferença entre o valor do imóvel integralizado no capital social e o valor venal / valor de mercado arbitrado pela fiscalização. Outros, mais pragmáticos, estão se manifestando pela falta de rigor do Tribunal ao abordar assuntos de natureza tributária e societária.

É necessário analisar o julgamento com bastante cautela.

Recapitulando os fatos: em agosto de 2020, o STF decidiu, em sede de repercussão geral, que a imunidade do ITBI sobre imóveis incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica a título de integralização de capital social está limitada ao valor atribuído à conta “capital social”.

O ITBI, tributo de competência dos municípios, tem como fato gerador a transmissão inter vivos da propriedade imobiliária. O artigo 156, inciso I, § 2º, da Constituição Federal, estabelece que o imposto não incide sobre a transmissão de bens “incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital”, assegurando sua imunidade.

O Mandado de Segurança que originou a discussão explica que o capital social da holding familiar, no valor de R$ 24 mil, foi integralizado com 17 imóveis avaliados em valor muito superior (aproximadamente R$ 800 mil), sendo que a diferença entre a conta “capital social” e o valor atribuído aos imóveis foi contabilizada na conta “ágio na subscrição de quotas, do patrimônio líquido”, de acordo com o parágrafo quinto da cláusula quinta do Contrato Social da companhia.

O município onde se encontravam os imóveis se recusou a emitir a guia de ITBI com a imunidade integral do imposto por ocasião da transferência de titularidade dos imóveis, sob a justificativa de que a imunidade deveria abranger apenas o valor destinado à conta “capital social”.

O caso foi levado ao STF que, por 7 votos a 4, fixou a seguinte tese: “A imunidade em relação ao ITBI, prevista no inciso I do § 2º do art. 156 da Constituição Federal, não alcança o valor dos bens que exceder o limite do capital social a ser integralizado”.

A decisão do STF merece críticas porque cria uma limitação não autorizada pela Constituição, uma vez que a norma é clara ao garantir a imunidade do imposto na transmissão de bens incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, sem qualquer limitação de valor.

O STF ainda deixou de analisar detidamente a norma societária, segundo a qual as contas de reserva de capital (como é o caso da conta “ágio na subscrição de quotas”) compõem o patrimônio líquido da sociedade (artigo 178, § 2º, inciso III da Lei nº 6.404/1976). O simples fato de o sócio destinar parcela do valor do imóvel incorporado ao patrimônio da pessoa jurídica para uma das contas de “reserva de capital” não descaracteriza a imunidade.

O voto vencido traz uma interpretação bastante razoável sobre o tema: o ágio na subscrição de quotas representa investimento direto na sociedade tal como a simples destinação de bens à conta “capital social”, devendo receber o mesmo tratamento jurídico.

O acórdão do STF não abordou: não foi objeto de discussão durante o julgamento eventual procedimento do Município em cobrar o ITBI sobre a diferença entre o valor do capital social integralizado e o valor venal / de mercado do imóvel arbitrado pela Fiscalização. Essa interpretação seria superestimar o alcance do acórdão e não condiz com a real interpretação conferida pelo STF ao caso concreto.

É evidente que esse cenário pode ser contornado com a integralização de bens imóveis no valor exato do capital social. Mas fica aqui o alerta para os contribuintes que desejam realizar planejamento patrimonial: um tributo que pode não ser tão relevante aos olhos do Fisco tem, sim, potencial para muita discussão.

*Júlia Malafaia Vituli Silva, advogada de Candido Martins Advogados