‘A mudança pode ser um tiro no pé’, afirma economista

Adriana Fernandes, do Estadão Conteúdo
10 de julho de 2021 às 12:39
Dinheiro cédulas finanças inflação
Foto: Getty Images/Priscila Zambotto

Entre as medidas previstas pelo governo na reforma do Imposto de Renda, está a que prevê acabar com a modalidade chamada Juros sobre Capital Próprio (JCP), justamente a forma mais usada pelas estatais federais para remunerar o Tesouro Nacional por seu lucro.

De 2017 a 2020, uma média de 73% por ano dos resultados pagos pelas estatais ao governo federal foi justamente por meio desse instrumento. Em média, entram R$ 10,5 bilhões por ano nos cofres da União em remuneração paga pelas estatais – sendo quase R$ 3 bilhões na forma de dividendos e R$ 7,6 bilhões a título de JCP.

O projeto não acaba, na prática, com JCP, mas desestimula o seu uso pelas grandes empresas. As companhias não vão poder mais deduzir o que pagam a seus acionistas, por meio do JPC, do IR a desembolsar. Já a distribuição de dividendos, outra forma de remunerar o acionista, será taxada com uma alíquota de 20%. Hoje, essa operação é isenta de tributos.

A diferença, explica o economista, é que os recursos do JCP entram “livres” para o caixa do Tesouro. Por outro lado, quase metade (48%) da arrecadação do IR é partilhada com Estados e municípios, por meio dos fundos de Participação dos Estados (FPE) e dos municípios (FPM), fora os recursos vinculados à educação e à saúde.

“A mudança pode ser um tiro no pé. Quem escreveu o projeto, esqueceu de perguntar para o Tesouro”, diz Afonso, ao comentar o projeto, que tem recebido muitas críticas do setor financeiro e das grandes empresas, que declaram o imposto pelo lucro real.

O levantamento do pagamento de dividendos foi feito pelo consultor do Senado, Leonardo Ribeiro, em parceria com José Roberto. Em 2019, do total de R$ 21,5 bilhões pagos pelas estatais federais à União, R$ 14,3 bilhões foram de JCP.

Ribeiro ressalta que reformas dessa magnitude, como a do Imposto de Renda, é preciso avaliar todo o seu conjunto e os seus efeitos colaterais. Ele suspeita que o governo não tenha levado esse problema em conta na hora de fechar o projeto. Afonso alerta que um projeto desse tipo não pode ser votado às pressas, como quer o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL).

Afonso chama atenção para o fato de que os dividendos servem como sinalização para o pagamento de participação do lucro aos diretores das estatais e até mesmos aos funcionários. Como poderá haver, no futuro, mais pagamento de dividendos, a tendência é de aumento da participação dos lucros aos diretores e funcionários.

Estudo feito por Afonso há cinco anos mostrou que as empresas que mais pagavam JCP, além das estatais, eram os bancos, seguradoras, extrativistas, como a Vale, as de energia e as telefônicas.

Procurado o Tesouro, diz que não há problema porque, sob a ótica da União, o recebimento da remuneração ao acionista como JCP ou dividendos é indiferente. “Isso se deve ao fato de que tanto a receita do JCP como a receita de dividendos estão vinculadas ao abatimento da dívida pública”, respondeu o Tesouro.

Além disso, segundo o órgão, a União possui imunidade tributária e, portanto, não está sujeita a tributação de IR sobre os JCPs recebidos. O Tesouro diz que não fez pedido às estatais para antecipar resultados. “É uma prerrogativa dos conselhos de administração das companhias”, afirma.

Já o BNDES informou que não considera a antecipação dos resultados ao Tesouro este ano. O Banco do Brasil afirmou que sua política de remuneração foi aprovada em janeiro e prevê a distribuição de 40% do lucro. Caixa e Petrobrás não responderam.