A Receita Federal tem notificado contribuintes para informarem, em um prazo de 20 dias, o método que decidiram adotar para a exclusão do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins — se com base no imposto que consta na nota fiscal ou o efetivamente recolhido. Os comunicados estão partindo da Delegacia Especial de Maiores Contribuintes (Demac), em São Paulo, e já foram recebidos por empresas do setor varejista.
São companhias com decisões administrativas ou judiciais garantindo a existência do crédito tributário — decorrente da exclusão do imposto — e que ainda não fizeram a habilitação perante a Receita Federal.
Trata-se de um texto padrão. O Fisco pede o detalhamento do cálculo e faz outras duas solicitações: para o contribuinte informar a base legal, administrativa ou judicial que garante a retirada do ICMS do cálculo do PIS e da Cofins e para que apresente a origem do valor do imposto excluído.
Consta que o documento “não caracteriza início do procedimento fiscal”. A Receita Federal “lembra”, no entanto, que “a não observância das regras de elaboração e apresentação da EFD [Escrituração Fiscal Digital, o arquivo digital onde constam as informações dos contribuintes] enseja a aplicação de penalidades previstas no artigo 10 da Instrução Normativa n 1.252/2012”.
Advogados veem, nesse trecho, uma “ameaça” aos contribuintes. “Essa IN trata da multa prevista pela Lei nº 8212, que é aplicável nos casos de omissão de informações em EFD ou de transmissão de EFD com informações incorretas”, diz um advogado. “E a multa é pesada. São 5% sobre o valor da operação, limitado a 1% da receita bruta no período a que se refere a EFD”, complementa.
Essas notificações são consequência da Solução de Consulta nº 13, que foi publicada pela Coordenação-Geral de Tributação (Cosit) da Receita Federal em 2018. A norma foi construída a partir de interpretação do Fisco sobre o acórdão do Supremo Tribunal Federal (STF) que definiu pela retirada do ICMS da base do PIS e da Cofins.
Consta no texto que os contribuintes devem usar no cálculo o ICMS efetivamente recolhido ao Estado e não o destacado em nota fiscal. Esse entendimento, na prática, reduz os créditos aos quais os contribuintes têm direito, já que o recolhido é geralmente menor do que o destacado na nota (em razão do regime da não cumulatividade do imposto estadual e de benefícios fiscais que a empresa possa ter direito).
Essa discussão está nos embargos de declaração apresentados pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) contra o acórdão do Supremo — ainda pendentes de julgamento — e também consta em recursos levados pela Fazenda ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).
A demora do Judiciário em encerrar a discussão sobre o ICMS no cálculo do PIS e da Cofins tem feito com que as empresas adotem uma postura mais cautelosa para o aproveitamento dos créditos. A maioria das que já tem decisão transitada em julgado está habilitando perante à Receita Federal o “valor cheio”, com base no ICMS destacado na nota, mas fazendo as compensações (uso de crédito para pagar tributos) somente até o limite do valor calculado com base no ICMS efetivamente recolhido.
“Esse formato permite que a empresa realize parte do ganho, mas não se exponha ao risco excessivo”, diz o advogado Leonel Pittzer, sócio do escritório Fux Advogados. “Porque se prevalecer o entendimento da Receita e o contribuinte tiver compensado o crédito cheio, ele, lá na frente, terá esse crédito glosado e será aplicada multa de 50% sobre os valores dos tributos que ficaram descobertos.”
Já se prevalecer, nas decisões do Supremo ou STJ, o entendimento do contribuinte, a empresa — como fez a habilitação do crédito cheio — poderá se utilizar do valor restante para outras compensações sem mais burocracia. “Esse é o caminho salomônico”, pondera Pittzer.
Existem companhias, no entanto, ele diz, que estão arriscando mais e compensando os valores totais e há também aquelas que decidiram não usar os créditos até que o impasse seja encerrado. “Tem a ver com a situação econômica da empresa. As que têm mais necessidade de fluxo arriscam mais”, afirma o advogado.
Não é só o impasse relacionado às compensações, porém, que tem gerado demanda nos escritórios de advocacia. As empresas do lucro real, que faturam acima de R$ 78 milhões por ano, ao ter o crédito reconhecido por decisão judicial têm de deixar na mesa, para a União, 34% dos valores aos quais têm direito. A fatia é referente ao recolhimento de Imposto de Renda (IRPJ) e CSLL.
Essa situação afeta as empresas que, no passado, usaram os valores pagos de PIS e Cofins como despesa para reduzir os pagamentos, na época, de IRPJ e CSLL, detalham os advogados Felipe Kneipp Salomon e Isabela Schenberg Frascino, do escritório Levy e Salomão. A cobrança segue previsão do Ato Declaratório Interpretativo da Secretaria de Receita Federal nº 25, de 2003.
“Do ponto de vista de caixa, o registro de êxito do contribuinte pode ser melhor para o Fisco do que para a própria empresa”, chama a atenção o advogado Luca Salvoni, do escritório Cascione Pulino Boulos Advogados. “Porque ele precisa registrar o ativo no seu balanço e fazer o recolhimento do IRPJ e da CSLL no mesmo mês, mas não sabe se vai poder usar todo aquele crédito para compensação nem em quanto tempo”, frisa.
Salvoni diz que esse é um dos temas “do momento” entre os seus clientes e pondera que há formas de reduzir o impacto. Uma delas, afirma, é registrar no balanço somente o crédito calculado com base no ICMS efetivamente recolhido e deixar a diferença desse valor para o resultado do cálculo do ICMS destacado na nota fiscal como “ativo contingenciado”. Dessa forma, detalha, a tributação incide sobre a parcela menor e que poderá ser usada para as compensações de imediato.
Essa recomendação também tem sido a do advogado Leonel Pittzer. O pronunciamento nº 25 do Código de Processo Civil (CPC) prevê essa possibilidade, ele assegura. “A obrigação de conhecer em resultado não tem nada a ver com o crédito que será habilitado perante a Receita. É possível, então, registrar no balanço a parcela calculada com base no ICMS efetivamente recolhido, que é o crédito incontroverso, e habilitar o valor cheio, com base no ICMS destacado na nota.”
Procurada pelo Valor para explicar o motivo das notificações, a Receita Federal, por meio de nota, informa que a decisão do STF “ainda não transitou em julgado” e, por essa razão, não há “um efeito amplo da decisão bem como seu alcance temporal”.
Afirma ainda que detectou um grupo de empresas com decisão transitada em julgado que “extrapolou o entendimento da Receita Federal sobre o tema” e que também foram verificados “casos de contribuintes que não possuem decisão judicial e estão efetuando de forma irregular a compensação”.
Mauro Negruni
Fonte: Valor Econômico