Sob pressão, o comando da Receita Federal se transformou no alvo central das críticas dos empresários, lideranças políticas e integrantes da própria equipe econômica ao projeto de lei que altera o Imposto de Renda. Uma proposta que teve a chancela do ministro da Economia, Paulo Guedes, do seu time de assessores, e que passou pelo crivo da Casa Civil.
A versão que corre em Brasília e no centro econômico de São Paulo é a de que a Receita enganou o quinto andar do Ministério da Economia (onde fica o gabinete do ministro Guedes e dos seus principais assessores) e exagerou na calibragem das alíquotas do projeto e ao propor medidas de cerco ao planejamento tributário que as grandes empresas fazem para pagar menos imposto, sobretudo, as operações de fusão e aquisição.
Se de fato isso ocorreu, como alguns integrantes da equipe econômica têm relatado, há algo de muito errado e grave na elaboração dos projetos pelo governo. Falhas que não poderiam ter ocorrido, ainda mais em se tratando de um projeto de tamanha importância e com impacto gigantesco na vida das empresas, pessoas e no cofre do governo.
É bom lembrar que o ministro da Economia, sobretudo nesse superministério do governo Bolsonaro, tem à disposição dezenas de assessores por perto que vão muito além dos técnicos da Receita. Será que não viram o pote de “maldades” da Receita, como os insatisfeitos estão chamando os erros do projeto?
O tema é árido, complexo e com nuances na maioria das vezes só compreensível para especialistas no tema. É o tal: o diabo mora nos detalhes. Faltou confiança na Receita ou o projeto não foi bem trabalhado pelo “andar de cima” do Ministério da Economia? A culpa é toda da Receita? Essas perguntas precisam ser respondidas para que as negociações do projeto tomem seu rumo com segurança institucional e fiscal.
Esse último ponto é extremamente necessário para que o projeto, ao invés de reformar o sistema, por meio da recalibragem da carga com maior justiça na distribuição de renda, não seja modificado de tal forma que acabe provocando problemas maiores para as contas públicas, com perda de arrecadação e aumento de privilégios. Aumentando as benesses para os que já têm muitos privilégios e criando outras distorções. Isso não é difícil de ocorrer, dado o histórico recente das votações no Congresso.
É preciso, sobretudo, afastar as desconfianças de que não há um interlocutor confiável na Receita. Do contrário, quem fará as contas necessárias do lado do governo para que a grita do lado do setor empresarial e do Congresso também não leve a erros e exageros de calibragem das alíquotas para baixo, com risco ao financiamento das despesas do Orçamento e com mais brechas ao não pagamento de tributos?
Essa conciliação com a Receita é urgente e necessária para que não se repita o que aconteceu na votação do Orçamento de 2021, quando o disse-me-disse de quem apoiou ou não o acordo entre os líderes do Centrão e o governo levou à negociação e execução do fenômeno que ficou conhecido como o da “multiplicação de emendas parlamentares”. O tal orçamento paralelo tão nefasto para as contas públicas, como mostrou reportagens do Estadão dos últimos meses.
É um erro colocar todos os problemas do projeto no mesmo saco. Isso serve bem ao interesse das empresas beneficiadas por uma tributação distorcida e injusta para que permaneçam com ela. Por outro lado, as tentativas legítimas de fechamento de brechas na legislação em operações artificiais e escandalosas feitas pelas grandes companhias não podem ser todas classificadas como “maldades” da Receita.
E nem demandas também legítimas das empresas por ajustes no projeto sirvam de abrigo para a perpetuação de práticas abusivas de planejamento tributário. É imprescindível ressaltar que a volta da tributação de lucros e dividendos está na direção correta.
Caminho perigoso é esse, o de enfraquecer a Receita, justamente nesse momento delicado de negociação. Se há gordura nas suas estimativas, que sejam cortadas. A Receita não pode sentar em cima dos números sem divulgá-los por completo. Só dá argumentos aos críticos.
É inadmissível que, após duas semanas do envio do projeto ao Congresso, a memória de cálculo para a calibragem das alíquotas não tenha sido colocada na mesa. A promessa do secretário da Receita, José Tostes, de entregar os números ontem não foi cumprida. Sem números confiáveis e transparentes, o retrocesso é certo e a Receita fica mais vulnerável.
*É REPÓRTER ESPECIAL DE ECONOMIA EM BRASÍLIA