Ele avalia também que dizer que o setor de serviços não precisa se preocupar com a unificação da PIS e Cofins em uma CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) com alíquota de 12% é uma mistificação

Uma reforma tributária completa não vai acontecer e a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 45 – proposta de reforma dos impostos que tramita na Câmara – é natimorta, disse o ex-secretário especial da Receita Federal, Marcos Cintra.

Segundo o economista, a proposta de reforma do governo é mais realista. Mas ele avalia também que dizer que o setor de serviços não precisa se preocupar com a unificação da PIS e Cofins em uma CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) com alíquota de 12% é uma mistificação. E que é preciso reconhecer a realidade de que o novo imposto digital pretendido pela equipe econômica é muito semelhante à antiga CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira).

Cintra participou na quinta-feira (13) à noite de debate virtual promovido pela Comissão de Direito Tributário da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) São Paulo sobre o impacto da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) no setor de serviços.

O ex-secretário participou ativamente do processo de elaboração do projeto de reforma tributária do governo, até ser demitido em setembro do ano passado, em meio à polêmica sobre a criação de um novo imposto sobre transações financeiras. A proposta, no entanto, voltou a ser defendida pelo governo como uma contrapartida à desoneração de folha, sendo chamada agora de “imposto digital”.

“A reforma tributária completa não vai acontecer, a PEC 45 é natimorta, não tem condições de progredir, da mesma forma que a PEC 110 [proposta de reforma tributária do Senado]”, disse Cintra. “Já há um certo consenso no Congresso Nacional de que ela é inviável, apesar dos esforços que aqueles que elaboraram o projeto têm feito de divulgação. Então acho que a proposta do governo federal é mais realista.”

Segundo Cintra, tanto a PEC 45 como a PEC 110 representam a reedição da mesma proposta de introdução de um imposto único sobre o consumo com a criação de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) capaz de agregar tributos da União, estados e municípios que foi tentada nos últimos 30 anos e fracassou.

Para o ex-secretário, a grande novidade do momento atual em relação às últimas três décadas é ter um governo interessado, participando do processo e apresentando seus projetos.

Cintra avalia, porém, que é uma “mistificação” dizer que o setor de serviços não precisa se preocupar com a proposta do governo de unificar a PIS e a Cofins em uma CBS com alíquota única de 12%. Vanessa Canado, assessora de Paulo Guedes na reforma tributária, tem dado diversas declarações nesse sentido, argumentando que o setor não sairá perdendo porque poderá receber créditos tributários na prestação de serviços entre empresas.

“Quem me garante que se consegue repassar no próximo elo da cadeia de produção a totalidade dos impostos que eu paguei no elo anterior? Isso não existe, é um mito”, afirmou. “A ideia de que você paga, mas se credita é uma ilusão. Isso tem um imenso potencial de geração de contencioso, de aumento do custo de compliance [conformidade com o cumprimento das leis] no nosso sistema, que já é gigantesco.”

Cintra disse confiar no cálculo da Receita de que a alíquota necessária para se ter uma neutralidade global do novo tributo é de 12%. “Porém quando se abre essa arrecadação global vamos ter discrepâncias gigantescas, no setor serviços, que tinha a tributação cumulativa [com alíquota de 3,65%] poderá ter aumento de carga de até 300%”, disse, citando como exemplos os setores de educação, saúde e profissionais liberais.

Diante do impacto esperado para o setor de serviços, Cintra e os advogados presentes ao debate criticaram o fatiamento da proposta do governo, que apresentou primeiro seu projeto de unificação da PIS e da Cofins e pretende divulgar a proposta de desoneração de folha e de um tributo sobre transações apenas numa quarta etapa, ainda sem data definida.

“Não podemos fazer a proposta em conta a gotas, temos que ter uma ideia do global, para fazer um planejamento e o pessoal poder ir para a prancheta e ver realmente qual será o impacto do todo”, disse Eduardo Santiago, advogado e membro do comitê jurídico da ANJ (Associação Nacional de Jornais) e da ANER (Associação Nacional de Editores de Revistas).

Apesar de sua crítica à PEC 45, Cintra avaliou em outro momento do debate que ela pode vir a ser unificada com a proposta do governo federal, com a adoção de um IVA dual e a criação do imposto em duas etapas.

“Poderíamos, no governo federal, com muito mais tranquilidade criar um IVA bem desenhado e eficiente sem termos que enfrentar a discussão federativa de trazer estados e municípios para esse debate”, afirmou.

“Se esse IVA federal puder ser criado de forma harmônica com o IVA que estará sendo discutido na PEC 45, o governo federal pode aprovar o seu IVA e o Congresso aprova também, um IVA que seria um aperfeiçoamento do ICMS, com ou sem o ISS, que é um debate que terá que ser enfrentado”, disse, lembrando da resistência de parte dos municípios à proposta de reforma da Câmara.

Com relação à criação de um imposto sobre transações, pauta que levou à sua demissão do governo, Cintra defendeu que é preciso reconhecer a semelhança do tributo com a antiga CPMF. “O governo vem apresentando como um imposto digital, mas em realidade será um imposto muito semelhante ao que foi uma tributação sobre movimentação financeira”, afirmou. “Temos que reconhecer essa realidade e assumir a discussão, mostrando as vantagens e desvantagens.”