Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), R$ 1,84 trilhão era o volume do passivo fiscal sendo judicialmente questionado até 2016, valor que supera o total da arrecadação anual de todos os tributos administrados pela União.

 

O litigio fiscal não para de crescer e é impagável para as empresas. Hoje mais um fator foi agregado a essa controvérsia: a responsabilização pessoal dos administradores em todas as autuações de valor elevado. A inclusão dos administradores das empresas autuadas no polo passivo da obrigação tributária transformou-se num dos principais instrumentos de pressão do Fisco. O mecanismo de dupla imputação solidária entre pessoa jurídica e administradores deveria ser medida excepcional, converteu-se em regra.

 

A obrigação tributária deve recair exclusivamente sobre o sujeito que praticou o fato gerador. Nosso sistema parte da premissa que a pessoa jurídica é garantidora daquilo que ocorre dentro de sua organização. Se atos são praticados no seu interesse e não se consegue individualizar a ação concreta ilícita do administrador, a empresa deve ser a única responsável por pagar o tributo devido.

 

Autoridades fiscais apenas podem considerar os administradores como responsáveis se for possível evidenciar que tais indivíduos intencionalmente praticaram atos com vistas ao não recolhimento de tributos. A prova da responsabilidade deve ser inequívoca, apta a demonstrar precisamente o nexo entre a conduta ilícita da pessoa física e o débito fiscal, como consagrado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ). A mera existência de um passivo tributário da pessoa jurídica não implica na automática responsabilização de seus dirigentes.

 

Tem se tornado relativamente comum a indicação dos administradores como responsáveis solidários pelos débitos da pessoa jurídica mesmo sem tal descrição individualizada. Em muitas autuações, a mera participação no Conselho de Administração é suficiente para a fiscalização atribuir responsabilidade pelo débito ao conselheiro, que passa a responder com seu patrimônio.

 

É curioso notar que, com frequência, as empresas estão sendo autuadas por situações que, na época dos fatos, não eram reprovadas pela Fazenda e pela jurisprudência. Como exemplo, temos os casos de “ágio interno”, que (i) passaram a ser mais fortemente vedados apenas a partir de 2010, (ii) ainda hoje não há um consenso no Carf a respeito da sua ilegalidade, e (iii) apenas foram expressamente considerados ilegais pela legislação a partir de 2014, com a publicação da Lei 12.973. Mesmo assim, autos de infração são lavrados com majoração de multas e administradores pessoalmente responsabilizados pelo débito fiscal em fatos anteriores a 2014.

 

Ora, o Conselho de Administração supervisiona as atividades da organização e cujas decisões são tomadas por maioria. Como não havia restrição legal à amortização do ágio interno e a conduta era admitida pela jurisprudência administrativa na época, os administradores teriam dificuldade em explicar aos seus acionistas porque a empresa não deveria amortizar o ágio e reduzir o lucro tributável da empresa. Se o fizesse, estaria tratando com desídia os interesses da empresa em relação a prática aceita de mercado.

 

O contexto merece atenção, pois a legislação expressamente afasta a caracterização da conduta dolosa, ao excluir a aplicabilidade de penalidades na hipótese de os atos praticados estarem em conformidade com interpretação exarada por instância administrativa (Lei 4.502/64, Art. 76. II, “a”). Se à época dos fatos a conduta não era reprovada pela administração fazendária — podendo até mesmo ter sido favorável — não há que se falar em ilícito, dolo ou fundamento para responsabilidade pessoal dos gestores.

 

A recente Lei 13.655, publicada no dia 25 de abril de 2018, prevê em seu art. 24 o tratamento das autoridades julgadoras em caso de alteração da jurisprudência predominante na esfera administrativa. A nova regra determina que as autoridades administrativas devem levar em conta as orientações gerais da época, sendo vedado que, com base em mudança posterior de orientação geral, se declarem inválidas situações plenamente constituídas.

 

O que se observa é uma crescente relativização dos limites à responsabilização do administrador, sem a precisa identificação dos atos praticados. A simples falta de pagamento do tributo não configura, por si só, a responsabilização dos gestores. Permitir que assim aconteça é substituir a responsabilidade subjetiva por outra, objetiva, sem respaldo no ordenamento jurídico.

 

Tem se tornado comum a indicação dos administradores como responsáveis solidários pelos débitos da pessoa jurídica.