Com o avanço da pandemia da Covid-19 e as restrições do funcionamento dos estabelecimentos físicos, o comércio eletrônico ganhou ainda mais destaque. Apesar de o setor ser muito dinâmico, as normas legais, principalmente as tributárias, não acompanham sua constante evolução e um dos principais entraves enfrentados é justamente relacionado ao Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).
Com a aprovação da Emenda Constitucional 87, de 16/4/2015, que alterou o artigo 155, § 2º, incisos VII e VIII, da Constituição Federal, nas operações interestaduais a consumidor final, mesmo que não contribuinte do ICMS, como é o caso das aquisições feitas por pessoas físicas, passou a ser devido um diferencial de alíquota do imposto, correspondente a alíquota interna do Estado destinatário e a alíquota interestadual. A norma constitucional estabeleceu ainda a responsabilidade do remetente no recolhimento da diferença do imposto, quando o destinatário não for contribuinte do ICMS.
Em seguida, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) editou o Convênio ICMS 93, de 17/9/2015, para dispor sobre os procedimentos a serem observados nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final não contribuinte do ICMS, localizado em outra unidade federada. No Estado de São Paulo, a nova regra foi incluída pela Lei estadual 15.856, de 2/7/2015.
A alteração da norma constitucional tinha por objetivo acabar com a guerra fiscal entre os Estados, porém, na prática, trouxe grande insegurança jurídica.
A transação realizada por empresas para consumidores finais é denominada pelos profissionais da área como B2C, que decorre da operação business to consumer, e o regramento imposto nesse tipo de operação exige que o empresário conheça as alíquotas de ICMS de todos os Estados, o respectivo prazo de recolhimento do imposto e procedimentos para gerar a guia e outras particularidades de cada região.
Em fevereiro de 2016, a Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABCOMM) propôs ação direta de inconstitucionalidade, ADI 5469, contra o citado convênio do Confaz, do qual a Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (FecomercioSP) é amicus curiae, para declarar a inconstitucionalidade do Convênio ICMS 93/2015 do Confaz por invasão de campo próprio de lei complementar federal. No mesmo mês, foi concedida a medida cautelar pleiteada na ADI 5464, para suspender a cláusula 9ª do convênio, até o julgamento final da ação, que trata das empresas optantes pelo Simples Nacional. Em maio de 2016, a FecomercioSP foi recebida pelo relator da ação, ministro Dias Toffoli, quando teve a oportunidade de levar subsídios à apreciação do tema, ressaltando os impactos ao comércio.
O recurso extraordinário (RE 1287019, com repercussão geral, Tema 1.093) também questiona a inconstitucionalidade da exigência do Diferencial de Alíquota do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (Difal-ICMS) pelos Estados, uma vez que o dispositivo acrescentado à Constituição Federal depende de regulamentação da lei complementar, em atenção ao princípio da legalidade.
Em novembro de 2020, teve início o julgamento no Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), e os relatores das ações concluíram pela inconstitucionalidade da exigência sem prévia edição de lei complementar.
Para o ministro Dias Toffoli, o Convênio ICMS 93/2015 não poderia suprir a ausência de lei complementar, dispondo sobre obrigação tributária, contribuintes, bases de cálculo/alíquotas e créditos de ICMS nas operações ou prestações interestaduais com consumidor final não contribuinte do imposto. Ressaltou ainda em seu voto que a cláusula nona do convênio, ao contrariar as disposições da Lei Complementar 123/2006, incidiu em inconstitucionalidade formal, por ofensa à reserva de lei complementar.
Contudo, o relator propôs a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, sendo a cláusula 9ª desde a concessão da medida cautelar da ADI 5464 e, quanto às demais cláusulas, a partir do exercício seguinte ao julgamento da ação.
No mesmo sentido, o ministro Marco Aurélio, relator do RE 1287019, concluiu pela invalidade da cobrança, em operação interestadual envolvendo mercadoria destinada a consumidor final não contribuinte, do diferencial de alíquota do ICMS, na forma do Convênio 93/2015, por ausência de lei complementar disciplinadora. Entretanto, Marco Aurélio divergiu quanto a necessidade de modulação dos efeitos da decisão.
Porém, o julgamento foi interrompido pelo pedido de vistas do ministro Nunes Marques, sendo retomado no dia 24 do mês passado, quando apresentou voto-vista para abrir divergência, acompanhado pelo ministro Gilmar Mendes, por entender desnecessária a edição de lei complementar. Para o ministro Nunes, a EC 87 não criou novo imposto, apenas alterou a forma de distribuição dos recursos, prevista na Lei Complementar 87/1996, a Lei Kandir.
Os ministros Luiz Fux (presidente), Ricardo Lewandowski e Alexandre de Moraes acompanharam a divergência em relação ao RE 1287019, mas julgaram a ADI 5469 parcialmente procedente. Para eles, é inconstitucional apenas a cláusula 9ª do Convênio 93/2015, que inclui as micro e as pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional no novo regime do comércio eletrônico, suspensa pela medida cautelar deferida.
Ao final, por maioria, a ADI 5469 foi julgada procedente, declarada a inconstitucionalidade formal das cláusulas 1ª, 2ª, 3ª, 6ª e 9ª do Convênio ICMS 93/2015. Porém, também por maioria, os efeitos da decisão foram modulados, produzindo efeitos a partir de 2022, exceto com relação a cláusula nona (Simples Nacional), cuja decisão retroage à data da concessão da medida cautelar nos autos da ADI 5464, ou seja, 12/2/2016.
Ao RE 1287019 foi dado provimento por maioria, e fixada a seguinte tese (Tema 1.093 da repercussão geral): “A cobrança do diferencial de alíquota alusiva ao ICMS, conforme introduzido pela emenda EC 87/2015, pressupõe a edição de lei complementar veiculando normas gerais”.
Apesar de as decisões terem sido favoráveis aos contribuintes, apenas as micro e as pequenas empresas optantes pelo Simples Nacional foram, de fato, beneficiadas com a decisão, uma vez que para elas foi afastada a cobrança do diferencial de ICMS desde fevereiro de 2016. A modulação dos efeitos também não atinge os contribuintes com ações judiciais em andamento.
Para os demais contribuintes, como a decisão terá efeito apenas a partir de 1º/1/2022, este ano os Estados poderão continuar exigindo o Difal-ICMS, possibilitando ainda que o Congresso Nacional aprove neste ano lei complementar sobre o tema, afastando, assim, a inconstitucionalidade.