Na semana passada, o assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos, anunciou que o governo está trabalhando numa proposta para desonerar a folha de pagamentos em 25%, para todas as faixas salariais, compensando a perda de receita através de um imposto digital – que, ao que tudo indica, seria uma reedição da CPMF.
Embora a desoneração da folha de salários seja uma agenda importante, a forma de implementar essa desoneração e a forma de financiar a consequente perda de receita são essenciais para que a mudança tenha efeitos positivos. A proposta descrita acima parece estar equivocada nas duas dimensões.
Inicialmente, é importante ter em conta que as contribuições incidentes sobre a folha de salários têm como principal objetivo financiar benefícios previdenciários concedidos aos trabalhadores cujo salário é onerado pelas contribuições. Do ponto de vista econômico, é indiferente se essas contribuições são recolhidas pelo empregador ou pelo empregado, pois o relevante é a cunha fiscal, ou seja, a diferença entre o custo do empregado para a empresa e o salário líquido percebido pelo trabalhador.
Desse ponto de vista, é importante que haja uma correlação entre o valor das contribuições e os benefícios gerados.
Idealmente, o custo das contribuições para a previdência pública (INSS) deveria ser equivalente ao custo de uma previdência privada de baixo risco que gerasse os mesmos benefícios. Em termos econômicos, diz-se que deve haver um equilíbrio atuarial entre contribuições e benefícios.
A desoneração quase completa das contribuições sobre folha, na forma aventada pelo dr. Afif Domingos, pode não ser adequada. Contribuições muito inferiores às que garantem o equilíbrio atuarial são equivalentes a um subsídio aos benefícios, que seria financiado por toda a sociedade. Esse desequilíbrio tem várias consequências indesejadas. Por um lado, haveria um estímulo a ações pouco éticas, como a contratação de parentes por proprietários de empresas, apenas visando à geração de benefícios previdenciários com baixo custo. Por outro lado, o modelo resultaria em iniquidades distributivas, na medida em que tributos incidentes sobre pessoas de baixa renda (inclusive a CPMF) estariam financiando subsídios à previdência de trabalhadores com renda de até R$ 6 mil, valor bem superior ao rendimento médio do trabalho no País.
Mesmo como estratégia de geração de empregos, a redução da contribuição patronal sobre a folha tem efeitos limitados. Ainda que no curto prazo possa haver algum efeito positivo, dado o alto nível de desemprego atual, no longo prazo a desoneração da folha tende a se refletir em maiores salários, e não em mais empregos ou maior rentabilidade para as empresas. Esse é o resultado previsto pela teoria e comprovado em vários casos práticos de mudança na tributação da folha de salários.
Uma boa desoneração da folha de salários deveria ter como objetivo não uma redução linear das contribuições, mas sim a eliminação (ou redução) de tributos que incidem sobre a folha e não geram benefícios. Tal mudança – que contemplaria, entre outros, a desoneração do primeiro salário mínimo de todos os salários – teria resultados mais consistentes com um custo menor que a desoneração linear da folha.
Por fim, cabe discutir a forma de financiamento da desoneração da folha. A CPMF não parece ser uma boa alternativa, pois, além de cumulativa – onerando investimentos e exportações –, é um tributo que estimula a desintermediação financeira e prejudica o funcionamento eficiente da economia ao reduzir a liquidez dos mercados.
Não há por que substituir um tributo distorcivo sobre a folha por outro tributo distorcivo sobre transações financeiras. A melhor forma de financiar a desoneração da folha é corrigindo outras distorções do sistema tributário – principalmente distorções na tributação da renda, que fazem com que parcela relevante dos brasileiros de alta renda seja pouco tributada.
*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL