Agro deve ficar atento à reforma tributária para não pagar a conta da pandemia
*Gil Reis
Entre tantas urgências do Brasil de profundas desigualdades socioeconômicas, a reforma tributária é uma das mais prioritárias. Hoje, temos uma verdadeira colcha de retalhos sob a qual se estende um dos mais injustos sistemas tributários do planeta. Necessário, portanto, corrigir tais distorções para tirar das costas dos brasileiros o peso de uma carga de impostos equivalente a 35% dos seus rendimentos, sejam eles frutos de atividades de trabalhadores ou empreendedores urbanos ou rurais.
Nestes tempos de pandemia da covid-19, a reforma tributária se impõe ainda mais. No entanto, a sociedade precisa ficar atenta para impedir que o Congresso Nacional se deixe contagiar por propostas que, sob o patrocínio de interesses corporativos com carimbo federal ou de cabeças de planilhas impressionadas com números robustos que não refletem a realidade da base produtora, sirvam apenas para fazer uma maquiagem superficial na legislação tributária e penalizar mais quem produz.
No caso agro, impõe-se um tratamento específico na reforma tributária. Não para privilegiá-lo, tampouco para ampliar a sua taxação, mas para livrá-lo dos penduricalhos tributários que comprometem a competitividade do setor, que, assim mesmo, mantém-se como o mais exitoso da economia brasileira, respondendo por mais de 21% do Produto Interno Bruto (PIB) do país, por mais de 44% das exportações e por cerca de 18 milhões de empregos.
O agronegócio e suas cadeias devem ter na reforma tributária tratamento igual ao que recebem, quase cotidianamente, quando têm enaltecida a sua importância fundamental na garantia de segurança alimentar do país e de cerca de 200 mercados mundo afora. Afinal, sem a crescente produção de alimentos, o Brasil estaria hoje vivendo um cenário de total precariedade.
Neste período de isolamento social da covid-19, não faltaram – e não faltam – alimentos para os brasileiros e ainda sobram excedentes para seguirmos enviando para destinos na Ásia, nas Américas, na Europa e na Ásia. Ou seja, o agro tem produzido mais do que o suficiente para que haja comida para todos. Se há ausência de alimentos em milhares de lares no país, por certo não é por culpa do produtor, mas por nossa injusta distribuição de renda.
As condições para assegurar o direito à alimentação dependem da plena garantia de que o produtor rural não venha a ser ainda mais sacrificado na simplificação da cobrança de tributos”
Espera-se, portanto, que a reforma não sobrecarregue ainda mais o agro. Ao contrário. A expectativa é que ela crie condições para que todos as famílias brasileiras possam se alimentar dignamente. Para tal, não podemos aceitar que se vislumbre a possibilidade de aumentar a taxação sobre o setor agrícola. Aliás, preocupa-nos que tais intenções circulem por aí, como alertou em recente entrevista ao AGROemDIA o advogado tributarista Fábio Calcini.
Tramitam atualmente no Congresso Nacional duas PECs (Propostas de Emendas à Constituição) que tratam da matéria. Dias atrás, o ministro da Economia, Paulo Guedes, entregou ao Parlamento a proposta do governo, que prevê tão somente a unificação de PIS e Cofins, os dois tributos federais sobre o consumo. O texto encaminhado pelo Palácio do Planalto deve ser debatido concomitantemente com as duas PECs, cuja discussão avançou nas últimas semanas.
Segundo noticia a mídia, temas mais complexos, como a inclusão de tributos estaduais nesse imposto único, mudanças no Imposto de Renda e alteração da carga tributária devem ficar para uma segunda fase, ainda sem data para ser protocolada. Portais e sites também informam que as propostas em tramitação no Congresso não tratam da diminuição da carga de impostos, mas visam apenas simplificar a cobrança de tributos.
Se houvesse garantia de que tal roteiro seria fielmente seguido, poderíamos ficar tranquilos no recolhimento da pandemia. Como sabemos que no Brasil sempre há muitos atalhos para desvios de rotas, devemos ficar de prontidão para que os congressistas e técnicos que os cercam não tentem criar mecanismos tributários que ameacem o direito à alimentação, previsto no Artigo 6º da Constituição Federal.
As condições para assegurar o direito à alimentação dependem da plena garantia de que o produtor rural não venha a ser ainda mais sacrificado na simplificação da cobrança de tributos. Hoje, o agro ainda consegue cumprir sua função social de produzir alimentos, embora boa parte dos produtores viva atormentado por um endividamento astronômico e um passivo biliardário do Funrural – inventado pelas supremas togas –, o que pode lhes tirar o ânimo, caso se sintam injustiçados mais uma vez.
Por isso, o agro deve ficar atento para não ter que pagar a conta da pandemia por causa de sua resiliência e êxito diante do vírus estrangeiro.
*Consultor em agronegócio
Afinal, que reforma tributária é esta?
Por João Otávio Martins Pimentel
Depois de meses atípicos, com o mundo de cabeça para baixo em razão da Covid-19, a reforma tributária voltou à pauta política brasileira. O tema não é novo: na verdade, a reforma é vista como necessária há bastante tempo, e a complexidade do sistema tributário brasileiro é consenso, com deletérios efeitos à competitividade econômica do país.
As principais propostas que estão sendo discutidas na Câmara e no Senado visam à simplificação e à unificação de alguns tributos. Medidas positivas, mas isoladas, não são verdadeira reforma tributária. São, no máximo, reformas de tributos indiretos. Reformar o sistema tributário pressupõe ir além da unificação de alguns tributos, exige refletir sobre as premissas e distribuição da tributação. Chama a atenção que as principais propostas não abranjam a tributação da renda, tanto corporativa quanto da pessoa física, que não podem ser ignoradas por uma verdadeira reforma tributária.
O Poder Executivo é bastante tímido no tema. Depois de promessas sobre uma proposta ampla, apresentou uma proposta de unificação do PIS e da Cofins na nova CBS, com imediata majoração de alíquotas e aumento de carga tributária para o setor de serviços. Não obstante, o Ministério da Economia indica que sua reforma tributária terá como importante pilar a tributação das transações financeiras — fórmula que agrada ao Fisco por contornar focos de sonegação, mas tem poucos cases de sucesso no mundo (sob a ótica econômica, pois é uma máquina de arrecadação e, por isso, objeto de desejo da Receita Federal).
No entanto, ao tratar de reforma tributária, não se tem discutido graves gargalos que o país enfrenta na área.
Não se coloca em debate, seriamente, a tributação da renda. Limites de isenção de despesas médicas ou de instrução não são questões elementares. O país continuará a centrar sua arrecadação no consumo? Ou tratará de forma mais moderna e justa a tributação da renda — não apenas da pessoa física, como também a corporativa? Tributar dividendos, de per si, também não resolverá: deve-se fazer uma discussão honesta sobre o quanto a renda deve ser tributada para tornar o sistema menos regressivo e desigual. Justiça fiscal não pode ser ignorada nesse debate.
O Ministério da Economia acaba de dar mais uma contribuição ao que outrora foi chamado manicômio tributário: editou portaria que, supostamente interpretando o artigo 28 da Lei nº 13.988, que extinguiu (será mesmo?) o voto de qualidade no Carf, acabou por limitar a eficácia do dispositivo aos autos de infração. A justificativa é risível: os demais processos não seriam de constituição de crédito tributário, embora tenham, precisamente, tal finalidade. Sem entrar no mérito da legitimidade do voto de qualidade, tem-se grande contribuição dos liberais da Economia para a balbúrdia tributária. O contencioso administrativo, é de se lembrar, não está sendo considerado nas discussões sobre reforma tributária, apesar de ter relevância ímpar para o bom funcionamento de um sistema tributário. Não há dúvidas de que a portaria trará mais instabilidade ao Carf e será questionada em diversas frentes de batalha no Poder Judiciário, se não vingar o projeto de decreto legislativo já aventado na Câmara dos Deputados.
Com isso já se mostra uma questão necessária a constar na reforma tributária: que o Executivo e os órgãos arrecadadores em geral não permaneçam, sob o pretexto de interpretar, descumprindo leis e restringindo o alcance de decisões judiciais tomadas no afã de dirimir conflitos entre Fiscos e contribuintes. Exemplos não faltam de restrições colocadas a partir de interpretações restritivas, sendo marcante o caso da exclusão do ICMS das bases de cálculo do PIS/Cofins — mitigada por solução de consulta, e o da constitucionalidade de restituição do ICMS cobrado a maior por substituição tributária, que levou o Estado de Pernambuco a ser criativo e "interpretar" que a decisão permitiria, então, tributar as operações realizadas em montante maior que o presumido, mesmo havendo expressa dispensa de tal cobrança na lei estadual.
Unificar PIS e Cofins, certamente, será bem-vindo, mas, da forma como colocada, nivelará por cima, onerando o consumo. Hoje, é fato, essas contribuições se ramificam em vários modelos, exceções e trazem uma grande dificuldade em saber quando é possível o aproveitamento de crédito. Precisam de mudanças. Não é mais possível admitir que os tributos não cumulativos tenham, cada um, seu universo particular, pois a disciplina do direito ao crédito de PIS/Cofins (que se tornarão CBS, caso aprovada a proposta do governo federal), IPI e ICMS é intricada e apresenta critérios dissonantes. A tributação previdenciária, com a coexistência de vários modelos, fatores e declarações (e quantas são!), também é caótica.
Há ainda mais de que não se fala: as multas tributárias cobradas no Brasil. Fiquemos na esfera federal. O mero atraso no pagamento do tributo por 60 dias ou mais enseja uma multa de mora de 20% sobre o valor do débito. A isso, acrescem-se juros. Quando o procedimento é de ofício, isto é, a Receita Federal fiscaliza, para depois lançar, a cobrança é adicionada de 75% (sim, 75%!) em razão de ter sido necessária uma atuação do órgão arrecadador. Se houver fraude envolvida, o montante salta para 150%. Há vezes em que ainda é cobrada uma multa, dita "isolada", de mais 50%, fazendo com que até 225% do valor que seria devido seja adicionado ao montante reputado devido, além dos juros. Duplicar ou triplicar uma dívida pode ser uma boa razão para explicar as razões de sua inadimplência e do grande estoque de dívida ativa do país.
O que falar, então, da multa de 50% aplicada quando do indeferimento de um pedido de compensação? Funciona assim: caso o contribuinte informe que tem um crédito, mas a Receita Federa não o reconheça de pronto, pode-se esperar a cobrança adicional de metade do valor da dívida, somente por isso. Grave excesso consta na multa de até 1% sobre a receita bruta do ano anterior, para quem atrasar a entrega da Escrituração Contábil Digital (ECD). Sim: reserve 1% do que a empresa receber no ano anterior, se deixar de apresentar no prazo a escrituração Contábil na data. Como explicar isso a um investidor estrangeiro?
A régua utilizada para tratar das penalidades parece ser, sempre, a do devedor contumaz. Essas regras, porém, acabam tornando o sistema mais inóspito para quem descumpre obrigações pontualmente, às vezes sem sequer se dar conta disso, ou mesmo para quem tem boas razões para litigar com o Fisco. Os reais devedores contumazes, que fazem da sonegação um pilar do negócio, esses conseguem passar ao largo dos controles. Ainda não se conseguiu, no país, instituir um mecanismo eficiente que coíba a atividade dos que têm na sonegação fiscal um pilar do seu negócio.
Muito pouco, quase nada disso, está sendo tratado nas propostas de reforma tributária que vêm sendo discutidas pelo Congresso, embora tais questões afetem, com intensidade, o cotidiano das empresas, os custos de conformidade dos contribuintes e aquilo que tanto se almeja: previsibilidade, confiança e segurança jurídica. Urge incluir esses pontos na pauta da reforma tributária.
Artigo: Mais impostos
''O Banco Central atua, o Tesouro Nacional atua, o secretário da Receita atua, mas Guedes, não. Só gosta de falar e receber palmas. É duvidosa a reforma tributária que propõe, mormente na primeira etapa'
O senhor Paulo Guedes, ministro da Economia, até o momento, não fez nada. Os noticiaristas dizem que ele está trabalhando nas reformas administrativa e tributária. A única reforma que se fez até agora foi a previdenciária (a Câmara, de Rodrigo Maia. O senhor Guedes é um parlapatão. Ao que sei, é rico e especulava com a sua corretora, hoje um dos maiores grupos financeiros, não bancários, do país.
*Advogado especializado em direito tributário e constitucional
Setor de serviços critica reforma de Guedes e pede desoneração
Em reunião com o ministro Paulo Guedes (Economia), empresários do setor de serviços contestaram a ideia do governo de criar um IVA (Imposto sobre Valor Agregado) federal com alíquota de 12% sem que haja uma compensação, como desonerar encargos sobre a contratação de funcionários.
No plano do governo, a desoneração da folha de pagamentos está prevista como a quarta e última etapa da reforma tributária elaborada pelo Ministério da Economia. Ainda não há data para o envio da proposta.
Representantes do ramo de serviços -que geralmente apresentam elevado grau de contratação de mão de obra- argumentam que, sem a redução de encargos trabalhistas, o tributo proposto por Guedes elevaria a carga tributária das empresas.
Diante das críticas, integrantes do Ministério da Economia reforçam o discurso de Guedes: a reforma tributária não tem o objetivo de elevar ou reduzir a carga, e sim simplificar. Por isso, o ministro pediu, durante a videoconferência da noite desta quarta-feira (22), que os empresários tenham paciência e considerem o efeito de todas as etapas do projeto de reformulação do sistema tributário.
Segundo relatos de membros do governo e empresários, Guedes disse que irá trabalhar para que todas as fases da reforma tributária entrem em vigor simultaneamente. Ele quer aprovar a reforma no Congresso até o fim do ano. Dessa forma, a alíquota de 12% da CBS (tributo proposta como resultado da unificação de Pis e Cofins) seria compensada pela desoneração da folha de pagamentos para o setor, dizem assessores do ministro.
"Esse imposto proposto pelo governo [CBS] onera o setor e não traz a contrapartida", disse o presidente da Abrasel (Associação Brasileira de Bares e Restaurantes), Paulo Solmucci Júnior, que participou da reunião com o governo.
Integrantes da equipe econômica afirmam que as críticas já eram esperadas. O governo continua estudando formas de bancar a desoneração da folha. Uma alternativa é criar um imposto sobre transações eletrônicas, mas a ideia já sofre resistência no Congresso.
A Folha de S.Paulo antecipou na segunda-feira (20) que a proposta de unificação de tributos do governo não traria nenhum tipo de compensação para perdas sofridas pelo setor de serviços. A decisão, confirmada com a apresentação da proposta, representou um recuo em relação a estudos que vinham sendo feitos pela equipe econômica para tentar aliviar áreas mais impactadas.
Entre as opções, estava isentar, inicialmente, áreas do setor de serviços, que teriam uma transição e se adaptariam de forma gradual à nova tributação. A estratégia do Ministério da Economia é forçar entidades empresariais a defender no Congresso a criação de um imposto sobre transações digitais. Os recursos arrecadados pelo governo com esse novo tributo seriam usados para reduzir encargos trabalhistas que incidem sobre a folha de salários.
Representantes do setor de serviços já se posicionaram favoravelmente à retomada do tributo aos moldes da CPMF para viabilizar a desoneração da folha de pagamento para todos os setores. A alíquota do novo tributo estudado pelo governo está entre 0,2% e 0,4% por operação, com potencial de arrecadação entre R$ 60 bilhões e R$ 120 bilhões ao ano.
Na reunião com empresários, Guedes, segundo relatos de participantes, reconheceu que teve que segurar o envio da proposta de reforma tributária no ano passado por causa do timing político e, no começo de 2020, em razão da pandemia do novo coronavírus.
Ideia do governo de reduzir ou extinguir isenções do IR afeta classe média
Uma das propostas prevê diminuição ou até o fim das deduções no Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF). A revisão prejudica a classe média, que costuma receber de volta parte dos gastos com saúde e educação declarados ao Leão. Para compensar, o governo pretende corrigir a tabela do IRPF, defasada há cinco anos, promessa do presidente Jair Bolsonaro.
A desatualização no piso do imposto, hoje de R$ 1,9 mil, prejudica, principalmente, os contribuintes mais pobres. Boa parte dos que hoje descontam 7,5% dos rendimentos, primeira faixa do IRPF, não precisaria pagar, se a tabela tivesse sido corrigida nos últimos anos. No fim de 2019, Bolsonaro disse que o governo pretendia aumentar a faixa de isenção para R$ 3 mil.
Também com o argumento de reduzir distorções, o governo quer taxar dividendos, parte do lucro da empresa distribuída aos sócios e acionistas de empresas. Desde 1996, esses valores não são tributados, o que estimula empresários a distribuírem o dinheiro, em vez de reinvestirem. Na prática, a isenção beneficia as camadas mais ricas da sociedade. A ideia é cobrar sobre os dividendos e, em troca, reduzir a alíquota do Imposto de Renda Pessoa Jurídica (IRPJ).
A transição seria feita de forma gradual, para não causar um “choque de arrecadação”. Mesmo com a contrapartida, tributaristas ouvidos pelo Correio acenaram positivamente para a correção no IR, mas fizeram ressalvas quanto à taxação de dividendos. “O assunto está em pauta há algum tempo e acho que essa discussão precisa ser considerada, desde que venha com ajuste na tributação da renda”, defendeu a advogada tributarista Vanessa Cardoso.
“É importante, realmente, garantir correção de distorções, mas sem aumento de impostos. Taxar dividendos sem rever a tributação sobre a renda, tanto de pessoas físicas quanto de pessoas jurídicas, pode aumentar a carga tributária”, explicou a advogada, sócia do escritório De Vivo, Castro, Cunha, Ricca e Whitaker Advogados. “Medidas isoladas, como limitar deduções, não corrigem distorções”, resumiu.
A isenção dos dividendos, segundo o presidente da Associação Brasileira de Direito Financeiro (ABDF), Gustavo Brigagão, “eliminou a distribuição disfarçada que existia”. Se a taxação for retomada, “o investidor fica sem mobilidade”, disse.
Advogada tributarista e ex-integrante do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), Mirian Lavocat concordou. “Sou contra a tributação de dividendos. A empresa, quando faz essa distribuição entre sócios, já foi tributada como pessoa jurídica. Seria uma bitributação”, criticou.
No radar
O governo também pretende reformular o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI). A ideia é transformá-lo em um Imposto Seletivo, que incidirá apenas sobre produtos como bebidas e cigarros. A proposta já é discutida pelos parlamentares há mais de um ano. Foi mencionada, inclusive, durante os debates sobre as propostas de emenda à Constituição (PEC) 45 e 110 — reformas sugeridas, respectivamente, por Câmara e Senado.
A desoneração dos produtos da cesta básica foi mantida no projeto enviado na terça-feira, mas o governo já avisou que esse ponto deve ser alterado em breve. A ideia é voltar a cobrar impostos sobre itens essenciais, como arroz e feijão. O dinheiro a mais gasto pelos mais pobres seria devolvido pelo programa Renda Brasil, que substituirá o Bolsa Família. O secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, disse que a proposta virá na próxima etapa da reforma.
‘Nenhuma proposta de reforma tributária é boa para o agro, temos que escolher a menos ruim’
O advogado tributarista Eduardo Diamantino analisou as propostas em tramitação no Congresso e a proposta enviada pelo governo
Em cumprimento ao artigo 195 da Constituição Federal, a primeira parte do projeto de reforma tributária proposta pelo Ministério da Economia concedeu tratamento diferenciado ao regime agrícola. O ministro da Economia, Paulo Guedes, já havia afirmado, em diversas ocasiões, que pretende acabar com benefícios fiscais, mas por questões técnicas e constitucionais, o projeto de lei entregue ao Congresso Nacional nesta terça-feira, 21, apresentou exceções.
“Em vez de mandarmos uma PEC [Proposta de Emenda à Constituição], já havendo [PEC] 45 na Câmara e a [PEC] 110 no Senado, mandamos propostas que podem ser trabalhadas e acopladas. Mas mandaremos todas as propostas do governo: imposto de renda, dividendos, IPIs; todos os impostos serão abordados”, declarou Guedes, na saída do gabinete do presidente do Senado, Davi Alcolumbre.
A proposta entregue pelo governo — e registrada no Congresso como projeto de lei 3887 de 2020 — propõe a extinção dos impostos PIS e Cofins para que seja criada a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). O tributo teria alíquota geral e fixa de 12% e caráter não-cumulativo.
Para entender mais à fundo como a reforma tributária pode impactar a economia e a agropecuária, conversamos com o advogado tributarista Eduardo Diamantino, que explica que não há nenhuma proposta em tramitação que deva beneficiar o agro.
Uma reforma tributária que racionaliza e não aumenta a carga tributária é o objetivo. Historicamente, esse é o objetivo de todos os governos há mais de um século e pouquíssimos conseguiram implantar. Essa proposta do governo encontra as Pecs que tramitam no congresso, sendo que a PEC 45 prevê a fusão de cinco tributos, a PEC 110, de nove. Já o projeto de reforma tributária do governo que será fatiado em três módulos, parece muito com o projeto apresentado pelo então ministro Joaquim Levy, em 2015. Ele unifica o PISi e o Cofins em um único tributo”, disse.
Considerado tímido, esse projeto do governo é interessante porque não altera a constituição, e traz algumas vantagens para o setor. “Do ponto de vista do agro, é melhor que a PEC 45, que prevê unificação do agro com todos os outros setores. Essa PEC dá ao artigo 23 isenção aos produtos que inicia o ciclo de produção, que entram na agroindústria com crédito presumido. A grande questão é que o artigo 24 prevê o crédito presumido pela entrada desses produtos em apenas 15%. A título de exemplo, temos o leite a 50%, a carne a 60%, sucos em torno de 30% de crédito. Então, teremos uma redução drástica no crédito, aumentando os produtos da cesta básica e impacto na tributação do agro. Ou seja, das propostas existentes, nenhuma é boa para o agro. Precisamos escolher a menos ruim”, disse.
Com alíquota de 12%, tributação final será a maior do mundo
A alíquota de 12% proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para o novo imposto federal que pretende substituir o PIS/Cofins pode fazer com que a tributação final sobre o consumo no Brasil seja a maior do mundo. O novo imposto seria chamado de Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), com uma alíquota única de 12%.
Ao se juntar os tributos estaduais e municipais, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) final chegaria a 35%, nas contas do presidente do Sindifisco Nacional, sindicato dos auditores da Receita. "Será o maior IVA do mundo. O governo não está aumentando a tributação, mas revelando o tamanho da carga tributária", avalia Kleber Cabral.
Especialista em tributação do Instituto Nacional de Pesquisas Aplicadas (Ipea), o economista Rodrigo Orair calcula que a alíquota de 12% na CBS levaria o IVA total a 29% (com 15% de imposto estadual e 2% de municipal). Esse seria o maior patamar de IVA do mundo, segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) de 2018 (os mais recentes). A maior alíquota hoje é de 27%, cobrada pela Hungria. Noruega, Dinamarca e Suécia têm alíquotas de 25%.
Nas propostas que já tramitam na Câmara e no Senado, o IVA final teria uma alíquota de 25%.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Com alíquota de 12% de imposto, IVA brasileiro deve ser o maior do mundo, diz sindicato da Receita
BRASÍLIA - A alíquota de 12% proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, para o novo imposto federal que pretende substituir o PIS/Cofins pode fazer com que a tributação final sobre o consumo no Brasil chegue a 35% quando os impostos estaduais e municipais forem acoplados à cobrança.
“Será o maior IVA (Imposto sobre Valor Agregado) do mundo. O governo não está aumentando a tributação, mas revelando o tamanho da carga tributária”, avalia o presidente do Sindifisco Nacional, Kleber Cabral.
Guedes esteve pessoalmente no Congresso, na terça, para entregar o projeto de criação da Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS), que pretende unificar a cobrança do PIS e da Cofins. Câmara e Senado já debatem outros dois projetos de reforma tributária mais abrangentes, que englobam também outros tributos federais, além do ICMS estadual e do ISS municipal. Em ambas as casas, as discussões prevêm uma alíquota final de cerca de 25%.
“Sabemos que IVA total não será 25% há muito tempo, é mais uma questão de marketing dos idealizadores das propostas. Se fosse falado desde o começo que chegaria se chegaria a uma alíquota de 35% sobre o consumo, ninguém nem discutiria a reforma”, completa Cabral.
A maior alíquota hoje é de 27%, cobrada pela Hungria. Noruega, Dinamarca e Suécia têm alíquotas de 25%.
Para o presidente do Sindifisco, a Receita Federal foi conservadora ao definir uma alíquota de 12% para a CBS, para evitar qualquer risco de perda de arrecadação para a União. “Há uma percepção de que a Receita arredondou para cima. Além disso, a alíquota ficou alta porque foram mantidas algumas figuras nocivas do sistema atual, como crédito presumido e algumas isenções para determinados segmentos e atividades”, acrescenta.
Para a entidade, a proposta apresentada pelo governo - após um ano de promessas de envio de um projeto - foi acanhada ao só mexer com o PIS/Cofins nessa primeira fase, com uma ideia que já vinha sendo estudada desde governos anteriores. “É uma proposta pouco ousada, e até mesmo velha. O sistema atual é tão ruim que não há como não reconhecer que o projeto é um avanço, mas ele deixa a desejar em relação à expectativa que se tinha”, critica.
Segundo Cabral, nenhum dos projetos em análise resolve de fato a regressividade (se arrecada proporcionalmente mais de quem ganha menos) da tributação sobre o consumo no Brasil. “Uma mudança real do perfil da regra tributária não está contida em nenhuma proposta. Busca-se a simplificação do sistema, o que é meritório, mas não há projeto que traga mais justiça fiscal”, lamenta.
Guedes pretende enviar mais três fases da proposta do governo ao Congresso nas próximas semanas. A segunda fase traria mudanças no Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI); a terceira buscaria alterações no Imposto de Renda e a tributação de dividendos; e por fim seria proposto um imposto sobre pagamentos – nos moldes da extinta CPMF – para bancar a desoneração da folha de salários.
“Por mais que se maquie e use uma novilíngua para chamar de imposto digital, trata-se de uma CPMF. É um tributo muito antipático, que será proposto para substituir uma carga que também é muito ruim sobre a folha. A CPMF é difusa, cumulativa e traz vários vícios, mas pode ser debatida para ser uma fonte perene de receitas para a Previdência”, considera. “Seria interessante uma solução intermediária, com uma CPMF de alíquota mais baixa, bancando metade da contribuição patronal”, conclui Cabral.
Parlamentares criticam proposta do governo que aumenta carga tributária do setor de serviços
Mudanças que aumentam os impostos do setor de serviços podem impedir que a proposta da primeira etapa da reforma tributária do governo avance no Congresso Nacional.
Por Jornal Nacional
Parlamentares criticam proposta do governo que aumenta tributos do setor de serviços
O governo quer a fusão de dois impostos federais: PIS e Cofins - para cobrar um imposto único sobre todo o dinheiro gerado com bens e serviços, a CBS. A alíquota é de 12%.
O novo sistema favorece a indústria, que poderá deduzir o imposto durante as várias etapas da produção. Mas o setor de serviços terá de absorver um grande salto nos tributos: mais de oito pontos percentuais.
O senador Major Olímpio, integrante da comissão da reforma tributária, criticou o aumento de impostos para o setor de serviços.
"Não podemos de forma nenhuma concordar com o aumento de carga tributária para o setor de serviços. E ainda tentar se vender a ilusão de que novos projetos virão complementar uma reforma tributária que compensará esse aumento de carga tributária. É vender a morte do paciente na expectativa de conceder-lhe o paraíso", argumentou o senador Major Olímpio, PSL-SP, líder do partido.
O governo manteve isenções para empresas que estão no Simples Nacional, venda de imóveis residenciais para pessoas físicas. Templos, sindicatos também continuam sem pagar e também manteve na proposta a alíquota atual, de 5,9%, para entidades financeiras - bancos, planos de saúde e seguradoras.
A área econômica afirmou que grande parte das empresas na área de serviços está no Simples e que as outras terão de repassar o preço ao consumidor final.
O advogado tributarista Luiz Bichara disse que esse aumento de imposto prejudica um setor importante da economia.
"Ela revela uma insensibilidade incrível num momento desses, de dramaticidade econômica. A proposta visa onerar principalmente o setor que mais emprega no Brasil, que é o setor de serviços. Esse aumento ele não poderia de maneira nenhuma ser abrupto. A gente não pode aumentar em 3,65 para 12 a tributação da noite para o dia e achar que vai ser fácil repassar isso pro preço final do bem ou serviço", comentou Luiz Gustavo Bichara, advogado tributarista.
O setor produtivo ainda exige a redução de impostos que pesam sobre as empresas. A expectativa é que novas etapas da proposta de reforma tributária do governo cheguem ao Congresso a partir de agosto com alterações no imposto de renda, de um lado, mudança nas alíquotas, de outro, fim de deduções de despesas como gastos com saúde.
O secretário da Receita Federal disse em entrevista à GloboNews que o imposto deve ser progressivo e de acordo com a faixa de renda.
"Isso implica em rever a estrutura da tabela, das faixas, das alíquotas, como também deduções e abatimentos hoje existentes. O objetivo dessas alterações visa ajustar essas deduções de modo que elas não propiciem esse efeito regressivo que elas propiciam hoje tornando a tributação das faixas mais altas, proporcionalmente menor do que as faixas inferiores" disse José Tostes.
Reforma fatiada cria imposto unificado mais alto e deixa carga total incerta
A unificação de dois impostos federais – o PIS/Pasep e a Cofins – é uma das medidas centrais da primeira parte da proposta de reforma tributária elaborada pelo governo federal (PL 3887/2020) e trazida a público nesta terça-feira (21).
O projeto de lei reformula as formas de recolhimento e propõe a junção do PIS e da Cofins em um imposto único – a Contribuição Social sobre Operações com Bens e Serviços (CBS). A CBS segue na direção dos moldes de um IVA (Imposto sobre Valor Agregado), metodologia simplificada de tributação do consumo usada em boa parte do mundo.
A alíquota final proposta pelo governo, de 12%, fica maior do que as atuais, que variam da faixa de 3% a 9% para o PIS/Cofins somados, de acordo com a atividade e o regime tributário da empresa.
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Guedes apresenta proposta de reforma tributária com fusão de impostos federais
Reforma tributária do governo prevê alíquota de 12% e isenção da cesta básica
Não significa necessariamente, entretanto, que a conta sairá mais cara para o consumidor, já que a forma de cálculo muda: a porcentagem é maior, mas aplicada sobre pedaços menores dos valores dos produtos. Há também uma ampliação nos direitos de créditos tributários das empresas, que são partes dos impostos que elas pagam e que têm direito a receber de volta depois.
De toda maneira, a mordida de 12% é também maior do que a estimada pelas outras duas propostas de reforma tributária que já estavam no Congresso e que também são centralizadas na criação de um imposto único e simplificado.
No projeto qeu deu origem à PEC 45, por exemplo, que corre desde o ano passado na Câmara dos Deputados, a contribuição estimada para essa fatia do imposto é de 9%, já incluindo PIS, Cofins e também o IPI, que ainda nem entrou nos 12% que o governo fixou. No Senado, corre em paralelo tabém a PEC 110, de teor parecido.
Além disso, diferentemente das duas propostas anteriores, a proposta enviada nesta semana pelo governo é parcial. Ela deixou uma parte importante da cesta de impostos sobre consumo, caso do IPI, do ICMS e do ISS, para ser unificada depois, em uma segunda etapa da reforma.
É nesse grupo, entretanto, que está a parte mais espinhosa e também mais pesada dos impostos que recaem hoje sobre os bens e serviços brasileiros. E o fato de ele não ter sido contemplada dessa vez deixou tributaristas e contribuintes sem saber, afinal, qual deverá ser a carga total de impostos que o país terá sobre o consumo ao fim da reforma tributária.
“Se a União já saiu na frente abocanhando 12%, sobra pouco espaço para acomodar os outros impostos”, disse Eurico Santi, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF). “Ao somar tudo, é possível dar mais de 30%.”
Coordenado pelo ex-secretário do Ministério da Fazenda Bernardo Appy, o CCiF é o centro que criou a proposta de reforma tributária incorporada pela PEC 45, da Câmara.
Na proposta vinda do CCiF, o novo imposto unificado já engloba de uma vez o PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS e ficaria em 25%, numa taxa equiparada à de outros países de perfil parecido ao do Brasil. Disto, 9% seriam dos impostos federais (PIS, Cofins e IPI) e os 16% restantes dos dois demais, fontes históricas de conflitos acalorados entre estados e municípios.
Reforma fatiada e “IVA dual”
A intenção do governo foi enviar a sua proposta de reforma tributária em “fatias”, em uma tentativa de facilitar a discussão e as chances de aprovação no Congresso.
Também é intencional separar a criação do imposto único em duas partes bem claras, conceito que foi chamado de “IVA dual”: um IVA da União, que incorpora os impostos federais (PIS, Cofins e IPI), e outro a ser repartido entre estados e municípios, para abarcar o ICMS e o ISS, hoje geridos localmente por eles e suas principais fontes de receita.
“É uma maneira de não tirar totalmente a capacidade dos estados e municípios de pensarem políticas de impostos locais”, diz o economista Ernesto Lozardo, professor da Fundação Getulio Vargas. A unificação total do recolhimento do IVA, afirma ele, além de brusca, também tende a encontrar mais resistência de governadores e prefeitos.
Foi Lozardo, quando presidia o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), em 2017, que desenvolveu junto com sua equipe a ideia de uma reforma tributária com um IVA dual. A proposta foi apresentada à equipe de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes ainda durante a campanha eleitoral de 2018, e caiu no gosto do atual ministro da Economia.
Ninguém sabe quanto o consumidor paga
Para as empresas, a proposta de unificação do PIS/Cofins é um primeiro passo na simplificação da hercúlea tarefa que é contabilizar e pagar impostos no Brasil. Para os consumidores, porém, a conclusão é um pouco menos clara.
Especialistas já concordam que, como a cobrança passará a ser igual para todos os negócios, os consumidores podem esperar serviços (como cursos, tratamentos de saúde ou academia) um pouco mais caros do que hoje. Por outro lado, os produtos físicos, vendidos pela indústria e o comércio, podem ficar um pouco mais baratos.
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Isto porque os serviços são os que, no geral, pagam hoje as menores alíquotas, e devem portanto ver um aumento de imposto. "Os serviços pagarão um pouco mais, os bens e produtos um pouco menos, mas o objetivo é que, no geral, a carga tributária fique igual", afirma o presidente do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (Sindifisco), Kleber Cabral.
O mais nebuloso é saber se, nesta conta final, com a CBS de 12% proposta pelo governo, o imposto total sai maior do que o que efetivamente é pago hoje pelo consumidor, ou se simplesmente fica igual, apenas calculado e recolhido de uma maneira diferente.
“Ninguém sabe direito qual é o percentual efetivo que pagamos [em impostos sobre o consumo]”, disse Cabral. “A nova alíquota pode ser 10%, 11%, 12%... Talvez ela não esteja subindo, mas apenas revelando o quanto sempre foi.”
Isso acontece, explica o presidente do Sindifisco, pela reformulação na maneira como a cobrança deve passar a ser feita. Se, por um lado, a CBS fica com alíquota final maior do que as atuais do PIS/Cofins, por outro, passa a incidir sobre partes menores do preço do produto.
A ideia de um IVA – e daí o “valor agregado” do nome – é sempre aplicar a cobrança apenas sobre a parte que aquela empresa da cadeia adicionou sobre os produtos e serviços que adquiriu para fazer os seus e passar para frente. No modelo brasileiro, ela vai para o valor cheio, o que vai colocando imposto sobre imposto ao longo das várias etapas.
“Torna-se um imposto totalmente não cumulativo e com muito mais transparência”, disse Santi, do CCiF. “A carga do imposto recai de maneira honesta sobre o os cidadãos, e ele passa a saber exatamente o quanto está pagando em imposto sobre aquele produto.”

