Desconsideração de ato jurídico não precisa de regulamentação, decide Carf
O poder do Fisco de anular atos que considere praticados com o intuito de fraudar informações não precisa ser regulamentado. Embora o parágrafo único do artigo 116 do Código Tributário Nacional diga que esse poder deve ser exercido de acordo com "procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária", a autoridade tributária não precisa esperar a regulamentação. O entendimento é da 2ª Turma Ordinária do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda (Carf).
Venceu o voto do relator, o conselheiro Denny Medeiros da Silveira. Segundo ele, o dispositivo, apesar de delegar sua validade para regulamentação de lei anterior, tem "eficácia contida". "Isto é, produz plenos efeitos por si só e pode ser aplicado de forma imediata e direta pela autoridade administrativa, ainda que possa vir a sofrer restrições por outras normas", disse.
Portanto, ficou definido que o artigo 116, parágrafo único, mesmo sem regulamentação, pode ser usado como fundamento pelo auditor fiscal para declarar nulo um ato jurídico que entenda ser fraudulento. O caso concreto é o de uma empresa acusada de registrar trabalhadores como consultores para evitar pagar contribuições previdenciárias.
“A autoridade administrativa pode desconsiderar atos e negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência de fato gerador de tributos ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária”, decidiu o relator.
Fonte: Consultor Jurídico
Ensino a distância avança no Brasil
Com o avanço tecnológico e a necessidade de estar adequado a um mercado de trabalho cada vez mais exigente e concorrido, o ensino a distância tem conquistado cada vez mais espaço. Segundo o relatório Analítico da Aprendizagem a Distância no Brasil, em 2017, foram 7.773.828 alunos contabilizados no Censo EAD, os dados foram calculados tomando por base o total de 351 instituições.
Flávia Canalonga, 75 anos, faz parte dessa estatística, ela está no 4º termo do curso de serviço Social em um centro de ensino a distância de Araçatuba e prova que não há limites para aprender. “Eu decidi fazer o curso porque me aposentei e deixei de dar aulas num curso de massoterapia, no período da noite. Sentia falta de uma atividade noturna, também atuo como voluntária no Asilo Ismael e queria adquirir mais conhecimentos para facilitar esse trabalho. Essa é minha primeira faculdade, a vida não para por causa da aposentadoria, os estudos é uma maneira de conviver com as pessoas e não envelhecer mentalmente, evitando a ociosidade, que pode trazer problemas”, diz Flávia.
Ela também acredita que a convivência com os jovens e pessoas atualizadas ajuda muito, o modo EAD tornou possível ter um diploma, porque durante o dia ainda trabalha e não teria condições de estudar, se fosse de outra maneira.
Outra profissional que encontrou no ensino a distância um caminho para o crescimento foi a Elisângela Moraes, 41 anos. Ela terminou recentemente o curso de ciências contábeis, na mesma instituição e já trabalhava na área como analista, numa usina da região. Com o ingresso no curso, conseguiu ser promovida à coordenação de seu departamento, onde atua no planejamento orçamentário. “Foi excelente, consegui conciliar com o trabalho, pois tenho um horário complicado. Ainda no terceiro ano do curso já consegui passar na prova do Conselho Regional de Contabilidade, o CRC; não senti diferença quanto à qualidade do ensino, porque a dedicação e sucesso dependem de você”, acredita Elisângela. Antes da contabilidade, a ex-aluna havia feito faculdade de administração de empresas e pós-graduação em Recursos Humanos e psicologia organizacional, no modo convencional.
Para Hellen Sabrina Barbieri de Águila e Camila Caserta Lapenta, sócias-proprietárias de uma instituição de ensino a distância de Araçatuba, o principal atrativo do ensino on-line é que ele permite flexibilidade com a qualidade do ensino convencional. Isso, porque o aluno estuda no horário definido por ele, uma disciplina de cada vez e há um encontro presencial por semana – no caso da instituição que representa.
“O mercado está mudando muito rápido e a gente tem que mudar junto, tem que se transformar. Antigamente, o professor era a fonte de conhecimento principal, e o nosso cotidiano era mais previsível. Hoje, as fontes de conhecimento foram diversificadas, possibilitando alcançar as pessoas que não tem tempo disponível, terem a possibilidade de acesso ao universo de saberes”, diz Hellen.
Elas destacam que a modalidade amplia a possibilidade de crescimento de profissionais que atuam em área técnica, querem obter mais conquistas profissionais, mas não possuem muita disponibilidade para deslocamento diário e cumprimento de horários pré-estabelecidos, conforme acontece no modo tradicional. “Por exemplo, um técnico em agronomia, que trabalha há muito tempo na área, possui um conhecimento muito próximo de um engenheiro. Se surgir uma oportunidade de entrar numa empresa que exige o diploma de engenheiro, ele não pode entrar. E se tentar fazer uma faculdade convencional, não consegue conciliar os horários de aula com sua rotina de trabalho e vida pessoal. No EAD ele define seus horários de estudo da parte teórica, vivencia a parte prática e amplia a possibilidade de enriquecer o currículo”, descrevem.
Folha da Região
É hora de punir crimes fiscais
A lei prevê pena de prisão para quem autorizar, nos últimos meses do mandato, despesa sem que haja disponibilidade de caixa. Parece ser o momento de aplicá-la
Vários governadores prestes a deixar o cargo estarão sujeitos a penas de prisão caso não encontrem solução para o grave problema financeiro que deixarão para seus sucessores. Despesas autorizadas por esses governadores não serão pagas durante seu mandato nem haverá disponibilidade de caixa para honrá-las no ano que vem. Isso configurará violação da Lei de Responsabilidade Fiscal e crime contra as finanças públicas passível de punição dos responsáveis com até quatro anos de reclusão. Durante todo o mandato de quatro anos, que termina no dia 31 de dezembro, eles não conseguiram equilibrar as finanças estaduais e é pouco provável que consigam, no curto período que lhes resta no cargo, afastar o risco de serem punidos.
Muitos buscam soluções engenhosas para evitar a punição. São manobras contábeis destinadas a apontar a existência de recursos em caixa para a cobertura das despesas autorizadas nos últimos meses. Técnicos do governo federal que acompanham a degradação das finanças de alguns governos estaduais chamam essas manobras de “contabilidade criativa”. Foi a esse tipo de estratagema ilegal que a presidente Dilma Rousseff recorreu de maneira contínua e despudorada, o que acabou levando o Congresso a aprovar seu impeachment em 2016.
Companheiro de antigas atividades clandestinas de Dilma durante a ditadura militar e ministro no governo da presidente afastada, o governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel, propôs uma das mais criativas formas desse tipo de contabilidade danosa para a gestão fiscal e nociva para o contribuinte. Ele quer criar um fundo a ser constituído com recursos a que seu governo alega ter direito no futuro - uma alegação contestável, dada a fragilidade daquilo que é apontado como a fonte do dinheiro -, mas que pode ser utilizado para cobrir despesas do presente e até do passado (já lançadas nos chamados restos a pagar).
Tudo isso é de espantar qualquer cidadão que acompanhe com um mínimo de cuidado as regras que norteiam ou devem nortear a administração dos recursos dos contribuintes colocados sob a gestão do poder público. É como gastar por conta de um dinheiro que não existe, sob a alegação de que ele pode vir a existir no futuro - alegação que, no caso da iniciativa do governador mineiro, é notoriamente frágil, como se verá.
O que Pimentel quer é constituir um fundo extraordinário com recursos a que o governo mineiro alega ter direito como repasse da União a título de ressarcimento por perdas provocadas pela Lei Kandir. Essa lei, como se sabe, se destinou a compensar os Estados exportadores pela isenção do ICMS - principal tributo estadual - dos produtos destinados à exportação. Deveria ter duração limitada, mas seus efeitos foram sendo estendidos ao longo do tempo e sua situação atual é indefinida. A lei aguarda a votação, pelo Congresso, do projeto que regulamenta sua aplicação.
É esse dinheiro, de existência e montante ainda incertos, que o governador de Minas Gerais quer gastar antecipadamente, para não ser acusado de desrespeitar a Lei de Responsabilidade Fiscal. Seu projeto - já aprovado em primeira votação pela Assembleia Legislativa mineira, onde tramita em regime de urgência - permite que os recursos do fundo extraordinário sejam utilizados exclusivamente para pagamento de despesas inscritas em restos a pagar, dos exercícios de 2018 e anteriores, mesmo que o dinheiro só entre no Tesouro estadual num futuro ainda incerto - se entrar. O governo de Minas alega ter direito a receber mais de R$ 135 bilhões do governo federal, a título de compensação pela Lei Kandir. É um valor próximo ao déficit primário da União previsto para este ano.
A Lei n.º 10.028, de 19 de outubro de 2000, prevê pena de reclusão de um a quatro anos para quem autorizar, nos últimos oito meses do mandato, despesa que não possa ser paga no mesmo exercício ou que deixe parcela para o exercício seguinte sem que haja suficiente disponibilidade de caixa. Até hoje, ninguém foi criminalmente responsabilizado por práticas desse tipo. Parece ser o momento de começar a aplicar a lei.
O Estado de S.Paulo
Prisão por dívida de ICMS viola a Constituição, a lei e a jurisprudência
A coluna de hoje foi escrita em concurso de pessoas. Pier e eu nos encontramos num voo pouco depois da decisão aqui comentada e tramamosescrever um artigo juntos, explorando o tema sob o duplo enfoque tributário e penal.
O tempo passou, as tentativas se sucederam, e nesse itertive a honra de assumir a defesa de um dos acusados no STF, onde atuarei ao lado da valorosa Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina – que conduz o caso com brilho desde a origem – e do excelente advogado Gustavo Amorim, meu colega na Comissão Tributária do Conselho Federal da OAB.
Eis a infausta novidade no Direito Penal Tributário: o STJ decidiu recentemente que deixar de recolher o ICMS devido por operações próprias é crime, mesmo que o imposto tenha sido corretamente escriturado e declarado ao Fisco (3ª Seção, HC 399.109/SC, Relator Ministro Rogério Schietti Cruz, DJe 31.08.2018).
A lógica do Tribunal: o empresário embute o valor do ICMS no preço do produto. O consumidor paga esse valor para que o vendedor o repasse ao Estado. Ao deixar de fazê-lo, o comerciante se apropria indevidamente do imposto. Não se trataria de simples inadimplência tributária, mas de algo muito mais grave, a justificar a pena de detenção de 6 meses a 2 anos.
Mas há um detalhe a turbar esse raciocínio: a lei não prevê essa conduta como crime. De fato, o artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90 fala em “deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo (...) descontado ou cobrado”.Tais termos, dada a segurança jurídica máxima que orienta o Direito Penal, devem ser tomados na acepção técnica que têm no ramo de origem, o Direito Tributário.
Isso o que fez o STF quanto ao artigo 1º da mesma lei, ao decidir que o Executivo só pode considerar a existência de tributo devido após a lavratura do lançamento e a sua confirmação administrativa final (Súmula Vinculante 24). Antes disso, se nem o Fisco está convencido da existência da dívida – tanto que mantém toda uma estrutura para a sua revisão –, não se pode falar na respectiva sonegação.
Não há razão para adotar-se uma interpretação atécnica, não jurídica, quanto ao artigo 2º. Se o tributo é descontado ou cobrado por um particular, é porque ele é devido por outro. Isso acontece em todos casos de retenção pela fonte pagadora (tributo descontado) e na substituição tributária para a frente (tributo cobrado de uma empresa por outra).
O desconto de tributos é corriqueiro (contribuição previdenciária do empregado, IR-fonte, etc.) e não foi invocado pelo STJ. Cabe analisar aqui a cobrança de tributos por particulares, um pouco menos compreendida e que, talvez por isso, serviu de fundamento para o acórdão. Ao vender uma mercadoria, o substituto tributário paga o seu ICMS próprio (como todo contribuinte) e também o ICMS/ST correspondente ao fato gerador que será realizado no futuro pelo substituído. O ICMS/ST, ao contrário do ICMS próprio, não está embutido no preço praticado pelo substituto, sendo cobrado à parte do adquirente. Se o substituto cobra e recebe este valor de ICMS/ST (tributo juridicamente vinculado ao substituído, repita-se, tanto que é este quem tem direito ao reembolso em caso de inocorrência do fato esperado ou de excesso na base presumida), mas não o entrega ao Fisco, comete apropriação indébita tributária, isto é, apropriação indébita de tributo.
Nada disso ocorre no ICMS próprio. De saída, porque este é devido em nome próprio pelo comerciante. Se o adquirente fosse o contribuinte (premissa básica para poder-se cogitar de apropriação), este último:
- poderia pedir a restituição do indébito, o que a jurisprudência não admite, salvo em casos excepcionalíssimos (o artigo 166 do CTN não tem este efeito, limitando-se a exigir a autorização do comprador para que a restituição seja pedida pelo próprio contribuinte
- poderia questionar o ICMS que incidirá sobre as suas futuras compras, o que tampouco se aceita de ordinário; e
- teria o seu status pessoal considerado para efeito da incidência do imposto, o que o STF rechaçou ao negar a imunidade tributária ao chamado contribuinte de fato, mantendo o ICMS nas compras feitas por entidades beneficentes de assistência social, por exemplo. Isso sem falar que a alíquota do imposto é a mesma, quer o produto seja comprado por um rico ou por um pobre.
Ademais, se o contribuinte fosse o adquirente, o vendedor não ficaria obrigado a repassar o ICMS enquanto não o recebesse do primeiro. Mas o imposto é devido no vencimento, ainda que o comerciante não tenha recebido o preço, pela concessão de prazo maior ou mesmo pela inadimplência do comprador (STJ, 1ª Turma, REsp. 1.308.698/SP, Relator Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 03.02.2017; STF, Pleno, RE 586.482/RS, Relator Ministro Dias Toffoli, DJe 19.06.2012 – este último relativo ao PIS/Cofins, mas inteiramente aplicável ao ICMS).
E mais: pode acontecer de o comerciante que recebe o preço (onde o ICMS está embutido) não ser obrigado a entregar nada ao Estado, desde que tenha créditos suficientes para quitar todo o imposto decorrente da venda. E isso em estrito cumprimento da legislação, e não por malícia ou ardil. Como, então, pensar-se em recebimento para posterior repasse?
A coerência das decisões judiciais é um valor eminente a ser preservado. Não faz sentido considerar-se o consumidor como contribuinte para efeitos criminais, se ele não é admitido como tal para efeitos tributários. E com razão, já que a Lei Complementar 87/96 dispõe que o ICMS integra a sua própria base (isto é, está embutido no preço), servindo o respectivo destaque em nota fiscal para simples controle (artigo 13, parágrafo 1º, inciso I).
E nem se invoque, em defesa da tese acusatória, o RE 574.706/PR, em que o STF decidiu que o ICMS não integra a base de cálculo do PIS e da Cofins (Pleno, Relatora Ministra Cármen Lúcia, DJe 02.10.2017), pois a conclusão ali alcançada não depende da afirmação errônea de que o ICMS próprio embutido no preço não pertence ao contribuinte, mas ao Estado. De fato, ao menos dois outros fundamentos autônomos foram adotados pela Corte:
- a violação ao conceito de receita como “entrada que, sem quaisquer reservas, condições ou correspondência no passivo, se integra ao patrimônio da empresa”[1]: a parcela do preço correspondente ao ICMS, apesar de pertencer ao contribuinte, não constitui – do ponto de vista constitucional – receita sua para fins tributários, pois gera uma imediata correspondência no seu passivo: o dever de quitar o imposto estadual; e
- a inconstitucionalidade da incidência de tributo sobre tributo, agravada – como aduziu o memorial da recorrente – pela quebra da isonomia advinda do fato de empresas exercendo a mesma atividade e auferindo idêntica receita líquida poderem sujeitar-se a diferentes ônus de PIS/Cofins caso sediadas em Estados diversos, com diferentes alíquotas de ICMS (participação no custeio da seguridade baseada, não na atividade econômica do contribuinte, mas em outra relação tributária).
Em suma, o consumidor não tem nenhuma obrigação tributária (principal ou acessória), não mantendo relação com o Fisco. O que o comerciante lhe cobra é preço, no qual tende a incluir todos os seus custos:insumos, alugueis, salários, etc., inclusive o custo tributário. Ao deixar de pagar algum credor (como o locador do imóvel onde instalado), o empresário não desvia recursos do consumidor e nem descumpre as obrigações deste, mas desatende aos seus próprios deveres. Há um problema de ordem civil, e não penal.
O fato de o ICMS variar segundo o valor das vendas é intranscendente, seja porque não se trata de caso único (pense-se nas comissões de vendas), seja porque a discussão gira em torno da identificação do devedor, e não da forma de apuração do valor devido.
Isso sem falar que a Súmula 430 do STJ dispõe que o mero inadimplemento de tributo pela sociedade não é ilícito pessoal apto a atrair a responsabilidade do administrador. Como pode ser crime o que sequer é ilícito em relação à pessoa (embora o seja, é claro, para a empresa, ensejando a imposição de multa)?
Por essas e outras, se o não pagamento do ICMS próprio vier acompanhado de fraude, sonegação, dissimulação ou omissão dolosa de obrigações acessórias, haverá crime. Ao contrário, se o contribuinte reconhece a dívida às claras, mas deixa de pagá-la, há apenas inadimplência. Nesse caso, por mais importante que seja a arrecadação tributária para a consecução dos mais aclamados fins, o instrumento para forçar o contribuinte é a execução fiscal, não a execução penal.
Recorrer à prisão por dívida de tributos, transformando o Direito Penal em instrumento de política fiscal, é prática vedada pela Constituição (artigo 5º, LXVII) e por diversos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, caso da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (artigo 7º, item 7).
Terminamos saudando as entidades que se engajaram nesta batalha, nos autos ou na discussão do tema, como a FIESP, a FecomércioSP (leia-se Ives Gandra da Silva Martins), o Sinditelebrasil e a Fampesc – Federação das Associações de Micro e Pequenas Empresas e dos Empreendedores Individuais de Santa Catarina.
[1] Aires Barreto. A Nova Cofins: Primeiros Apontamentos. In Revista Dialética de Direito Tributário vol. 103, abril/2004, p. 7-16.
Pierpaolo Cruz Bottini é advogado, sócio do escritório Bottini e Tamasauskas e professor livre-docente de Direito Penal da Faculdade de Direito da USP.
Igor Mauler Santiago é sócio-fundador do Mauler Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais e membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB.
Fonte: Consultor Jurídico
Por Pierpaolo Cruz Bottini e Igor Mauler Santiago
Cinco aspectos do pró-conformidade
Programa de compliance da RFB reforça a lógica do ‘paradigma do crime’

Crédito: Miriam Zomer/Agência AL
Inspirada nas tendências das melhores e mais modernas administrações tributárias do mundo, a RFB divulgou, dia 15.10.2018, a Consulta Pública nº 4/2018 que apresenta o Programa de Estímulo à Conformidade Tributária. O “Pró-Conformidade”, como foi chamado, tem por objetivo a promoção de “boas práticas com o fim de evitar desvios de conduta e fazer cumprir a legislação”1.
O esforço demonstra tentativa de alinhamento da RFB com o atual cenário de estímulo à conformidade tributária, no qual os fiscos trabalham em prol da legalidade, adotando práticas de colaboração com o contribuinte compliant – “paradigma do serviço” -, em contraposição à lógica da infração e punição hoje vigente – “paradigma do crime”2.
Contudo, a análise da proposta da RFB indica que, dificilmente, o programa obterá sucesso no seu objetivo central de compliance, pois pouco ajuda os “bons” contribuintes no cumprimento de suas obrigações tributárias e se dedica à identificação dos “maus”, acabando por reforçar o paradigma atual.
O Núcleo de Estudos Fiscais da Escola de Direito de São Paulo da Fundação Getulio Vargas – NEF/FGV Direito SP – apresentou contribuição pública à consulta feita pela RFB. Os comentários elaborados pelos pesquisadores do Núcleo consistem em sugestões para aprimoramento do programa, tendo em vista o esforço do órgão em iniciar a construção de ambiente de conformidade e cooperação entre fisco e contribuintes.
De início, entretanto, recomenda-se que as contribuições da consulta pública sejam efetivamente públicas, pois, via de regra, os dados ficam limitados aos agentes do órgão consulente, como se o resultado não fosse de interesse geral. Se a premissa é transparência, como antecipa o art. 2º da minuta proposta, então a presente consulta pública há de ser de acesso público e simétrico sobre todas as contribuições oferecidas, direito garantido pela Constituição Federal e pela Lei de Acesso à Informação.
A seguir, destacaremos cinco aspectos relevantes identificados na proposta, sem prejuízo dos demais comentários apresentados na íntegra no documento em anexo. Os pontos em destaque representam graves inconsistências no Pró-Conformidade.
1. Para os bons contribuintes, a instabilidade da portaria
Mesmo com a menção expressa na minuta ao princípio da legalidade (art. 2º, inc. III), o veículo normativo eleito foi a portaria: ato unilateral da autoridade administrativa, de estabilidade precária. Os benefícios para os bons contribuintes são elencados em instrumento normativo de fácil alteração, enquanto a exposição de motivos do ato proposto fala em aplicação do “rigor da lei” para os devedores contumazes. A conclusão que se chega é a seguinte: “para o bom contribuinte, a instabilidade da PORTARIA e, para o mau contribuinte, o rigor da LEI”. Esta atitude, novamente, reforça a ideia de que o ato normativo acarretará em mais fiscalização e repressão, ao invés de estimular a conformidades.
2. Princípios expressos, mas apenas simbolicamente
O texto do ato proposto traz princípios norteadores expressos (art. 2º), mas depois não faz correspondência a esses princípios nos dispositivos seguintes da portaria. Por exemplo, fala em transparência, mas não regula a publicação de atos normativos da RFB; fala em integridade, mas não diz de que nem para quem. Além do que, os mencionados princípios da “boa-fé, incluído o dever ético de pagar tributos” e da “capacidade colaborativa com a administração tributária e aduaneira” não possuem respaldo na CF/88. Pagar tributos é dever legal: não se fundamenta na ética ou boa-fé, mas no direito vigente. Capacidade colaborativa do contribuinte para com a administração não é um princípio jurídico, mas um objetivo perseguido por programas de conformidade: é consequência esperada, não fundamento do programa.
3. Retroatividade da legislação tributária e insegurança jurídica
A portaria prevê a possibilidade de retroagir ao ano de 2016, fazendo com que atos do contribuinte praticados antes da existência do programa sejam considerados para fins de classificação. Se o intuito é estimular a conformidade e criar novo paradigma na administração tributária, então deve-se olhar para o futuro e não avaliar os contribuintes retroativamente, sob pena de violar a segurança jurídica, expressamente mencionada no art. 2º da proposta de minuta.
4. Subjetivismo dos critérios de classificação
Os critérios estabelecidos no projeto são vagos, pois não fornecem peso e métrica das medidas de avaliação, tornando impossível que o contribuinte tenha conhecimento de sua classificação nas categorias do programa (A, B, C e não-classificado). A falta de objetividade sinaliza discricionariedade do fisco na atribuição das notas e viola os ideais de confiança e lealdade da Administração para com o particular.
5. Programa de “não-conformidade”: mais sanções e punições
Um programa de conformidade deve, de acordo com o que seu próprio nome sugere, estimular conformidade. A proposta da RFB parece, por outro lado, desestimulá-la, tendo em vista que foca sua atuação na identificação e punição dos contribuintes mal classificados. Prevê que esses sujeitos passivos sejam incluídos em regimes de fiscalização mais severos (IN RFB 979/09) e sofram medidas coercitivas, como a cassação de benefícios fiscais (Portaria RFB 1265/15). A previsão de sanções e punições acaba por revelar programa de “não-conformidade”.
Contribuições do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP para a Consulta Pública nº 4/2018
O Pró-Conformidade representa grande oportunidade para a RFB alterar o paradigma de relação com seus administrados, estimulando a cooperação mútua na atividade tributária. Este objetivo permeia os comentários elaborados pelos pesquisadores do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP, que podem ser consultados na íntegra aqui.
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1 Receita Federal do Brasil. Exposição de Motivos da Consulta Pública nº 4/2018. Disponível em:
2 SANTI, Eurico Marcos Diniz de. Kafka, alienação e deformidade da legalidade: exercício do controle social rumo à cidadania fiscal. São Paulo: Thomson Reuters/Fiscosoft, 2014, p. 214.
ANDRÉ CORRÊA – Professor da FGV Direito SP.
EURICO MARCOS DINIZ DE SANTI – Professor e Coordenador do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP
GABRIEL CYPRIANO – Estagiário de Pesquisa do Núcleo de Estudos Fiscais da FGV Direito SP e Graduando em Direito na PUC/SP.
JOÃO ALHO NETO – Pesquisador da FGV Direito SP e Mestrando em Direito Tributário na USP
STJ reforça o recrudescimento penal da inadimplência tributária
A elevada carga tributária nacional é reconhecidamente um tormento na rotina do empresário brasileiro. Como não é possível contorná-la, se faz necessário sobreviver e se adaptar a essa realidade, por meio de rígido planejamento financeiro que permita não somente incorporar tal custo, como também auferir lucro para o desenvolvimento do negócio.
Reflexo de tal dificuldade pode ser expressada pelo alto nível de débitos tributários nas três esferas federativas. Afinal, aliar a voracidade arrecadatória do Fisco com a insistente crise econômica que impacta diariamente na vida do empresário não é tarefa fácil. Sobretudo para fins de sobrevivência ao mercado.
Sob a ótica do Direito Penal, justamente considerando a sua subsidiariedade na tutela de bens jurídicos quando ineficientes os demais meios estatais menos gravosos, parte da doutrina sempre sustentou que o simples não pagamento do tributo, desacompanhado de qualquer engodo ou ardil para a consecução da sonegação, por si só, configuraria mero inadimplemento fiscal — passível de sanção na via administrativa — e não crime contra a ordem tributária previsto na Lei 8.137/1990[1].
O próprio Supremo Tribunal Federal, no julgamento da repercussão geral do ARE 999.425/SC, ao reafirmar a constitucionalidade do artigo 2º, inciso II da Lei 8.137/1990, destaca que as condutas tratadas nesta lei “[...] não se referem simplesmente ao não pagamento de tributos, mas aos atos praticados pelo contribuinte com o fim de sonegar o tributo devido, consubstanciados em fraude, omissão, prestação de informações falsas às autoridades fazendárias e outros ardis [...]”[2].
Por outro lado, por razões de política criminal, em matéria de direito penal tributário o Estado sempre demonstrou especial inclinação em “priorizar” o recebimento do tributo devido, do que propriamente processar e condenar o indivíduo pela prática de um crime tributário.
Em verdade, a voracidade arrecadatória do Estado permite que, exclusivamente em se tratando de crime contra a ordem tributária, o indivíduo que desejar efetuar o adimplemento do tributo devido tenha automaticamente sua punibilidade extinta, por força do artigo 83, §4º da Lei 9.430/1996[3]. E mais: há, ainda, a possibilidade de realizar o parcelamento do débito tributário, ocasionando a suspensão de uma eventual persecução penal e do prazo prescricional até o término do pagamento, quando então o efeito prático será a extinção da punibilidade, desde que a adesão ao parcelamento ocorra, nos termos da atual redação definida pela Lei 12.382/2011, antes do recebimento da denúncia criminal pelo juiz competente.
Recentemente, mais um indício do recrudescimento frente à inadimplência tributária veio à tona, a partir do julgamento do HC 399.109/SC pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, no afã de uniformizar a jurisprudência da Corte, a partir do enfrentamento dos entendimentos divergentes existentes entre a 5ª e 6ª Turma, competentes para os julgamentos de matéria criminal.
No bojo de tal julgamento, por maioria de votos, prevaleceu o entendimento da 5ª Turma de que configura o crime tributário previsto no artigo 2º, inciso II, da Lei 8.137/90[4], denominado na jurisprudência pátria como “crime de apropriação indébita tributária”, a ausência do recolhimento de ICMS descontado ou cobrado, tanto em operações próprias, quanto em situações de substituição tributária, ainda que as operações tenham sido devidamente registradas e discriminadas pelo indivíduo.
Explica-se: até então, a 6ª Turma do STJ[5] sustentava que o crime não se performava quando não havia repasse de ICMS recolhido em operações próprias, mas mero inadimplemento fiscal. Isso porque, nesse caso, faltaria elemento normativo do tipo penal, na medida em que o consumidor não seria contribuinte, muito menos sujeito passivo da obrigação tributária. Assim, em tal situação fática, não haveria tributo descontado ou cobrado de terceiro, mas sim tributo devido em nome próprio por aquele que vende/comercializa a mercadoria (a quem compete o dever de adimplir com a obrigação tributária).
Também seria necessário observar se o imputado corretamente declarou as operações, sem qualquer notícia de fraude, omissão ou prestação de informações falsas às autoridades fazendárias, posto que, em tais situações, o artifício fraudulento empregado para a sonegação fiscal extrapolaria o mero inadimplemento e configuraria o necessário dolo específico para a prática do tipo penal contra a ordem tributária sob debate.
Nesse ponto, a 5ª Turma do STJ[6], por outro lado, defendia que a ausência de repasse de ICMS descontado ou cobrado sempre configura o crime de apropriação indébita tributária, sequer distinguindo se a situação fática se tratava de operação própria ou de substituição tributária.
O entendimento que prevaleceu, por maioria de votos, portanto, não somente encampou a posição que vinha sendo adotada pela 5ª Turma, como o voto vencedor da lavra do ministro relator Rogério Schietti Cruz também inovou ao tecer algumas considerações para afastar a interpretação que vinha sendo impingida pela 6ª Turma. Exemplo disso, o ministro fez uma referência histórica de que no próprio projeto de lei que deu azo à Lei 8.137/1990, o então deputado federal Nelson Jobim havia sugerido a redação de dois incisos sobre essa temática, a saber, o inciso IV, consistente em “deixar de recolher aos cofres públicos [...] tributo ou contribuição que tenha retido na fonte” – que seria ligado aos tributos diretos nos quais houvesse a responsabilidade por substituição tributária — e o inciso V, consistente em “deixar de recolher aos cofres públicos [...] tributo ou contribuição recebido de terceiros através de acréscimo ou inclusão no preço de produtos ou serviços e cobrado na fatura, nota fiscal ou documento assemelhado” — que trataria da descrição de recolhimento de tributos indiretos, incidentes sobre a cadeia de produção. De modo que a redação final do dispositivo do inciso II do artigo 2º, ainda que de pouca técnica, como o próprio ministro reconhece, muito embora contenha expressões diferentes, acabou por unificar ambas as condutas com as expressões “descontado” ou “cobrado”.
De maior destaque, ainda, está a afirmação do ministro relator de que o crime de apropriação indébita tributária pressupõe a inexistência de clandestinidade, tal qual a apropriação indébita comum do Código Penal, razão pela qual pouco importaria para a prática do crime o fato de o indivíduo ter registrado, apurado e declarado corretamente as operações. De modo que, cai por terra qualquer argumentação de que apenas quando houvesse o emprego de um engodo para a prática da sonegação (dolo específico) é que se estaria diante do crime, ao invés de mero inadimplemento fiscal.
Desta maneira, a nova orientação fixada pela 3ª Seção do STJ veio a coroar e reforçar rançosa jurisprudência dos Tribunais pátrios pelo recrudescimento cada vez maior da sonegação fiscal, bastando a ausência de recolhimento tempestivo do tributo para a configuração de um crime contra a ordem tributária (dolo genérico) e restando desnecessária a averiguação de eventual presença (ou não) do elemento subjetivo especial (intenção de fraudar).
Com isso, em verdade, desvirtua-se toda a dogmática de direito penal mínimo, na medida em que o mero inadimplemento fiscal, desconexo de qualquer evidência de fraude, omissão ou prestação de informações falsas, passa a ser igualmente criminalizado.
Não se olvida, portanto, do impacto para o próprio mercado que a alteração da jurisprudência do STJ tende a ocasionar, se assim mantida e seguida pelas instâncias inferiores, porquanto o empresário que, em momento de crise e instabilidade financeira, opta pelo pagamento de seus empregados e fornecedores, em detrimento de obrigações tributárias passa a ser equiparado e criminalmente responsabilizado na mesma vala comum daquele que ludibria o Fisco, que omite dolosamente operações tributáveis ou presta informações falsas às autoridades fazendárias para, desta maneira, sonegar tributos.
Muito embora a decisão do STJ se revele um importante precedente favorável aos órgãos de persecução penal e de aplicabilidade imediata pelas instâncias judiciais inferiores, é certo que ainda assim poderá ser revisto pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de apreciação do Recurso Ordinário em Habeas Corpus interposto pelos Impetrantes do writ sob estudo[7].
Resta-nos, portanto, aguardar a palavra final da suprema corte sobre a discussão posta em voga, podendo alterar o entendimento do STJ, em consonância com a dogmática do direito penal mínimo e o postulado da legalidade penal, ou manter o precedente em questão, endossando, assim, uma equivocada criminalização do mero inadimplemento fiscal e a utilização do direito penal como efetivo mecanismo de arrecadação do Estado.
[1] “[...] a desonestidade passível de incriminação não se apresenta pelo não pagamento do tributo, mas pelo engodo, embuste, pelo ludíbrio a que a Fazenda Pública é conduzida por meio dessas ações, dificultando-se, ou, às vezes, impossibilitando-se a descoberta do débito do contribuinte criminoso [...]” (DERZI, Misabel Abreu Machado. Alguns aspectos ainda controvertidos relativos aos delitos contra a ordem tributária. In: FRANCO, Alberto Silva; NUCCI, Guilherme de Souza (Org.). Direito Penal: Leis Penais Especiais II, v. 8, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 444).
[2] ARE 999.425 RG, Rel. Min. RICARDO LEWANDOWSKI, j. em 02/03/2017, DJe 16/03/2017.
[3] “§ 4o Extingue-se a punibilidade dos crimes referidos no caput quando a pessoa física ou a pessoa jurídica relacionada com o agente efetuar o pagamento integral dos débitos oriundos de tributos, inclusive acessórios, que tiverem sido objeto de concessão de parcelamento”.
[4] “Constitui crime da mesma natureza [...] deixar de recolher, no prazo legal, valor de tributo ou de contribuição social, descontado ou cobrado, na qualidade de sujeito passivo de obrigação e que deveria recolher aos cofres públicos [...]”
[5] Nesse sentido, confira-se: AgRg no RESp 1.465.259/GO, de relatoria do Min. Sebastião Reis Júnior; RESp 1.543.485/GO, RHC 77.031/SC e AgRg no RESp 1.632.556/SC, todos de relatoria da Min. Maria Thereza de Assis Moura.
[6] Nesse sentido, a título ilustrativo, temos: RHC 42.923/SC, de relatoria do Min. Felix Fischer; RHC 44.465/SC, de relatoria do Min. Leopoldo de Arruda Raposo (Desembargador Convocado do TJ-PE); e RHC 44.466/SC, de relatoria do Min. Jorge Mussi.
[7] O RHC foi distribuído sob 163.334, de relatoria do ministro ROBERTO BARROSO, ainda sem previsão de julgamento de mérito.
Fonte: Consultor Jurídico
Luis Fernando Ruff - especialista em Direito Penal Econômico, é advogado associado da área de direito penal empresarial do Chenut Oliveira Santiago Advogados.
As novas regras de representação fiscal para fins penais
O que podemos esperar?
Em 14.11.2018, a Receita Federal do Brasil (“RFB”) publicou a Portaria no1.750 (“Portaria no 1.750/2018”) que trata do procedimento adotado para formalização de Representação Fiscal para Fins Penais (“RFFP”) ao Ministério Público Federal (“MPF”), diante de indícios de crimes identificados no curso das fiscalizações.
Essa nova norma revogou Portarias anteriores que cuidavam da matéria e unificou as regras sobre o tema, trazendo ainda algumas inovações.
É importante ter em vista que a edição dessa nova Portaria se insere em um contexto bastante particular: de forma cada vez mais frequente, a RFB tem acusado contribuintes de praticar atos de sonegação fiscal, pressupondo ocorrência de dolo, má-fé e simulação, aplicando multa agravada, inclusive em casos que tratam, muitas vezes, apenas de interpretações diferentes da legislação tributária.
Dado os valores expressivos das autuações, os diretores e administradores das empresas podem sofrer restrições e constrições de seus patrimônios pessoais1, dentre outros graves problemas de ordem prática, caso a RFB os considere corresponsáveis por eventual ilicitude ocorrida nas empresas. Se não bastasse, nessas situações a RFB deverá formalizar a RFFP ao MPF e listar as pessoas físicas suspeitas de crimes, em regra, somente porque seus nomes constam nos contratos sociais das empresas. Os muitos obstáculos enfrentados no dia a dia levam, em determinadas situações, a empresa a tomar a decisão de pagar a dívida tributária apenas para eliminar os problemas tributários e, especialmente, as implicações criminais2.
Nesse cenário atual, muito já tem se discutido a respeito da utilização do Direito Penal como forma de coerção ao pagamento de tributos. E agora a discussão continua com essa nova Portaria editada, com capítulos até mesmo inusitados.
A Portaria essencialmente resume as regras já existentes que obrigam os Auditores-Fiscais a formalizarem RFFP ao MPF quando identificarem fatos que configuram – em tese – crimes contra a ordem tributária, contra a Previdência Social ou crimes de contrabando ou descaminho, entre outros3, conforme os artigos 1o e 2o.
Na maior parte das vezes, na prática verificamos que o Auditor-Fiscal, quando lavra o Auto de Infração, já faz, no mesmo ato, a RFFP. Tanto que, geralmente, a exigência de multa agravada (na esfera federal, 150% do valor do principal) e a RFFP coincidem – mas não necessariamente, já que a RFB pode formalizar a RFFP sem impor, na autuação, multa agravada.
Além disso, em seus artigos 5o a 9o, a Portaria traz diversas formalidades que devem ser observadas na RFFP, como, por exemplo, a descrição dos fatos que ensejam o ilícito penal e seu enquadramento legal.
Frise-se que, conforme o artigo 83 da Lei nº 9.420/19964, e inclusive como reforçado no artigo 15 da Portaria nº 1.750/20185, a RFFP relativa à prática de crimes contra a ordem tributária previstos na Lei n° 8.137/90 somente pode ser comunicada ao MPF após a chamada “constituição definitiva” do crédito tributário, de modo que a própria Portaria prevê, em seu artigo 10, a suspensão da RFFP até o final do processo administrativo tributário6.
Uma inovação contida na nova Portaria diz respeito à previsão contida no artigo 16, que se refere à disponibilização na internet dos dados relativos às RFFP encaminhadas ao MPF. Com fundamento no Código Tributário Nacional e na Lei de Acesso à Informação, buscando maior transparência fiscal, a RFB pretende publicar uma lista mensalmente contendo a relação das RFFP, com o nome dos indivíduos acusados da prática de crimes contra a ordem tributária7.
Cumpre notar que o § 2o do artigo 16 determina que as informações serão excluídas da internet quando a dívida for extinta ou houver decisão administrativa ou judicial afastando a responsabilidade dos potenciais envolvidos, mas não cuida da hipótese em que a dívida estiver com a exigibilidade suspensa, como, por exemplo, no caso de garantia apresentada pelo devedor no âmbito judicial.
Como já mencionado, em regra, o Auditor-Fiscal deveria remeter a RFFP ao MPF somente após o término do processo administrativo e indicar os potenciais crimes que, no entendimento da RFB, seriam aplicáveis aos fatos. Evidentemente, trata-se de avaliação preliminar feita por autoridades fiscais, ainda sujeita à apreciação do MPF e à devida apuração de materialidade e autoria dos potenciais crimes, no âmbito criminal.
No entanto, ainda que os fatos não tenham sido sequer apreciados pelas autoridades criminais, pelo teor da nova norma, é possível que a RFB já realize a divulgação pública do nome dos indivíduos nesse primeiro momento, logo após a formalização da RFFP ao MPF. Em resumo, o crédito tributário ainda poderia ser passível de discussão judicial, após eventual conclusão desfavorável no âmbito administrativo, mas o contribuinte já poderia sofrer o constrangimento de ter seu nome divulgado na internet como sonegador, a despeito de sequer ter sido avaliada a efetiva existência de indícios de crimes pelas autoridades competentes, em desrespeito ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Note-se que a Portaria não prevê como a exclusão será feita: se de ofício pela RFB ou a pedido do contribuinte. É possível que o contribuinte tenha se valer de procedimentos judiciais para evitar/retirar o seu nome da lista.
São muitos os problemas que podem decorrer da aplicação dessa Portaria, especialmente no que se refere à possibilidade de divulgação pública das RFFP formalizadas pela RFB na internet. É importante ainda ter em mente que, apesar de sua aplicação estar restrita à esfera federal, seus termos podem ser replicados, de forma similar, nas esferas estadual e municipal, como inclusive se tem visto na prática.
Se o intuito do legislador, quando da edição da Lei de Crimes contra a Ordem Tributária e, em tese, da própria RFB quando da publicação da Portaria no 1.750/2018, é penalizar aqueles que realmente praticaram atos criminosos, claramente trata-se de procedimento necessário; o que não se pode admitir, porém, é que a RFFP seja utilizada como mecanismo de coerção para fins meramente arrecadatórios e/ou constrangedores (com a publicação dos nomes de pessoas ligadas às empresas autuadas), em casos em que há mera discordância ou desentendimento quanto à aplicação da lei tributária. É importante que as empresas e seus diretores e administradores estejam preparados para as possíveis implicações negativas da RFFP e também atuem preventivamente para evitar maiores entraves no seu dia a dia.
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1 Como é o caso do arrolamento de bens, por exemplo, nos termos da Instrução Normativa RFB nº 1.565/2015.
2 Vale mencionar que o pagamento do crédito tributário extingue a punibilidade, nos termos do artigo 34 da Lei nº 9.249/1995 e artigo 9º, § 2º, da Lei nº 10.684/2003. Há, contudo, Projeto de Lei do Senado em tramitação visando eliminar tal possibilidade, propondo apenas a redução da pena, que pode variar conforme o momento da quitação (PLS nº 423/2017).
3 Crimes de falsidade documental e lavagem de dinheiro, além de atos de improbidade administrativa.
4 “Art. 83. A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1o e 2o da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente”.
5 “Art. 15. As representações fiscais para fins penais serão encaminhadas ao órgão do MPF competente para promover a ação penal, mediante ofício do titular da unidade responsável pela formalização da representação, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data:
I – do encerramento do prazo legal para cobrança amigável, depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário relacionado ao ilícito penal, sem que tenha havido o correspondente pagamento;
II – da decisão administrativa definitiva referente a auto de infração do qual não tenha resultado exigência de crédito tributário;
III – da decisão definitiva do chefe da unidade que aplicou a pena de perdimento, na hipótese prevista no art. 12;
IV – de formalização da representação fiscal, na hipótese prevista no § 2º do art. 12; ou
V – de exclusão da pessoa física ou jurídica do parcelamento do crédito tributário”.
6 Em algumas situações específicas a constituição definitiva do crédito tributário é dispensada para fins da RFFP, como se verifica com a pena de perdimento, multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria que não foi localizada ou foi consumida ou revendida e em casos de exclusão de parcelamentos. Nesses casos, embora defensável a necessidade de confirmação do ilícito ao final do processo, a própria Portaria, em seu artigo 15 acima indicado, prevê tal dispensa.
7 Além dos demais crimes que podem ser objeto de RFFP.
ANDRÉA MASCITTO – sócia da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.
LOURIVAL LOFRANO JÚNIOR – associado da área criminal de Pinheiro Neto Advogados.
MARIANA MONTE ALEGRE DE PAIVA – Associada da área tributária de Pinheiro Neto Advogados.
NOVO ICMS E AS EMPRESAS CONTÁBEIS
Lideranças do segmento contábil estiveram reunidas com o Secretário Estadual da Fazenda, Luiz Antônio Bins. Em pauta, questões envolvendo as mudanças no ICMS e o que elas irão afetar na rotina das empresas de contabilidade. Um ofício, assinado por SESCON-RS, CRCRS e Sescon Serra Gaúcha foi encaminhado ao Governo do Estado, solicitando revisões nos prazos das obrigações, com destaque para a nova obrigação na apuração do ICMS ST na venda a consumidor final. O Secretário se mostrou receptivo e encaminhou ao corpo técnico a fim de verificar a possibilidade das solicitações. Pelo SESCON-RS estiveram presentes na reunião, o Presidente Célio Levandovski, o Vice, Flávio Ribeiro Jr. e o diretor Wanderson Garcia.
Três a cada quatro empresas de família ‘morrem’ com criador
Empreendimentos ainda esbarram na falta de profissionalização e de executivos de mercado; sucessão nos negócios ainda não é planejada por empresários
Para se manterem no mercado, empresários investem em novas unidades e mudam gestão
Nove a cada dez empresas sediadas no Brasil são familiares, segundo dados do IBGE. E apenas 48% dos donos de empresas com esse perfil no país, ouvidos em pesquisa da PwC realizada em novembro, disseram estar dispostos a profissionalizar os negócios, com ações como a contratação de mão de obra especializada no mercado para a gerência. O resultado é uma mortalidade precoce dos grupos, com apenas um quarto deles conseguindo chegar à segunda geração, revela a consultora organizacional Sônia Jordão. E, ainda segundo ela, dessas 25% de empresas familiares que vão para a segunda geração, só metade vai para a terceira. “Tudo é reflexo de má gestão e falta de preparo ou interesse dos herdeiros”, afirma a especialista.
Sônia Jordão explica que, no Brasil, existem tantas empresas familiares porque são enquadradas neste perfil todas as que têm condições de serem passadas para um herdeiro. Não entram nessa lista as com vários sócios e empreendedores, além das multinacionais. Uma característica comum a esse tipo de negócio é a participação de parentes na sociedade ou na gestão. Segundo pesquisa do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), 37% das empresas de pequeno porte mineiras têm sócios ou empregados com algum grau de parentesco.
E é aí que está o grande risco para os resultados, segundo a especialista. Em sua análise, para o negócio dar certo, é preciso que a equipe seja composta levando em conta a competência do funcionário, e não os laços afetivos. E o processo sucessório tem que ser pensado desde cedo, segundo o professor de direito empresarial do Ibmec Leonardo Messano. Ou seja, é preciso pensar em quem vai assumir a diretoria em caso de ausência do fundador do empreendimento.
“É importante entender que herdeiro e sucessor não são sinônimos. Uma ausência de planejamento do processo sucessório pode gerar rupturas e descontinuidade da atividade”, afirma Messano. A crise econômica e as incertezas quanto ao futuro do país “abriram os olhos” de uma parcela dos empresários para essa realidade. Dentre aqueles que querem profissionalizar o negócio no Brasil, 69% vão buscar especialistas no mercado para gerenciar as equipes. Ao todo, 3.000 empresas familiares foram ouvidas, em 53 países na pesquisa da PwC. No Brasil, foram 163 grupos, dos mais variados setores. Segundo o sócio da PwC, Carlos Mendonça, a profissionalização do negócio é um dos passos da modernização da empresa. “Podemos dividir a jornada de uma empresa familiar bem-sucedida em algumas etapas: fundação, gestão familiar e profissionalização”, afirma.
Pensando exatamente assim, os herdeiros da Lafaete, referência na locação e venda de equipamentos para indústria, fizeram uma verdadeira revolução nos quadros da empresa. Desde 2001, quando o fundador morreu, seis filhos dele dividiam a gestão do grupo, que tem nove filiais. Mas, com a queda dos resultados, eles viram necessidade de mudanças. A situação ficou tão ruim que eles chegaram a demitir 40% do quadro de funcionários, hoje em 630 colaboradores.
Com a ajuda de uma consultoria, eles traçaram os novos rumos do grupo. Ficou definido que apenas dois dos irmãos que se destacaram ficariam na gestão. Os outros quatro foram substituídos por executivos de mercado e passaram a compor apenas o conselho. A mudança até chegou a gerar conflitos familiares, mas, no fim das contas, melhorou o desempenho operacional, segundo o atual presidente da empresa, Alberto Antônio da Silva. “Temos que separar o negócio da relação familiar”, afirma. Neste ano, a Lafaete recebeu R$ 12 milhões de investimentos na compra de equipamentos. Para 2019, serão R$ 20 milhões.
TATIANA LAGÔA
Parecer da reforma tributária pode ser votado hoje
Texto extingue nove tributos federais e cria o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços e um imposto sobre bens e serviços específicos
A comissão especial da Câmara que analisa a reforma tributária (PEC 293/04) reúne-se hoje para tentar mais uma vez votar o parecer do relator, deputado Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR). O texto foi apresentado no fim do mês passado. Sua votação foi inicialmente adiada em consequência de um pedido de vista coletivo e, na semana passada, foi novamente adiada, desta vez por causa do início das votações no Plenário da Casa.
Hauly explica que seu parecer busca simplificar o atual sistema, permitindo a unificação de tributos sobre o consumo e, ao mesmo tempo, reduzindo o impacto sobre os mais pobres. Além disso, pretende aumentar gradativamente os impostos sobre a renda e sobre o patrimônio e melhorar a eficácia da arrecadação, com menos burocracia.
A proposta extingue nove tributos federais (ISS, ICMS, IPI, Cofins, Cide, salário-educação, IOF, PIS e Pasep), o ICMS e o ISS. No lugar deles, serão criados o Imposto sobre Operações com Bens e Serviços (IBS) e um imposto sobre bens e serviços específicos (Imposto Seletivo), este de competência federal.
O IBS será de competência estadual, mas com uma única legislação federal.
Quem é contra a proposta tem receio do impacto que o fim de contribuições como PIS/Cofins pode causar no orçamento da seguridade social. Isso porque, diferentemente de contribuições, impostos não têm destinação vinculada e podem ser usados para diferentes áreas.
Intervenção
Mesmo que seja aprovada pela comissão especial, a PEC só deverá ser analisada pelo Plenário da Câmara em 2019. Isso porque a Constituição não pode ser emendada em caso de intervenção federal, como acontece desde fevereiro na área de segurança pública do Rio de Janeiro – iniciativa prevista para terminar no final deste mês –, e agora também em Roraima.
A reunião desta terça está marcada para as 13 horas, no plenário 7.
Da Redação – ND