Indústria do dano moral por vazamento de dados já nasce à beira da falência

Desde sua edição, a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) vem sendo objeto de estudos, controvérsias e até mesmo críticas por operadores do Direito. Uma das inquietudes mais comuns está relacionada à possibilidade de que a lei, a partir de seus dispositivos que tratam da responsabilidade dos agentes e da inversão do ônus da prova, sirva como instrumento poderoso à famigerada indústria do dano moral, o que poderia se concretizar caso qualquer tipo de violação de dados fosse interpretado pelo Poder Judiciário como ensejador de indenização por dano moral presumido (in re ipsa) em favor do titular afetado.

A banalização do dano moral não é caminho bom para a sociedade, pois estimula o conflito, diminui a importância desse remédio jurídico para os próprios cidadãos, atravanca o já exacerbado Judiciário e, de certa forma, desestimula ações preventivas das empresas, que passam a tratar o tema de forma reativa, como mero ônus do negócio. No entanto, no contexto do direito à proteção de dados, felizmente, ao menos no estado de São Paulo, o Judiciário começa a dar os primeiros sinais de que não será assim.

Poucos meses depois da entrada em vigor (parcial) da lei, na Justiça estadual de São Paulo surgiram dezenas de ações judiciais praticamente idênticas, todas almejando danos morais em decorrência de episódio de vazamento de dados pessoais não sensíveis. De acordo com levantamento realizado pelo escritório Prado Vidigal Advogados, até o momento de elaboração deste artigo havia 42 ações nesse sentido com decisões (de primeiro grau ou colegiadas). Dessas ações identificadas no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a esmagadora maioria — 85% dos casos — foi julgada improcedente em primeira instância.

Ao afastar o dever de indenizar, os julgadores não reconheceram a responsabilidade do agente de tratamento (empresa ré) por ataque hacker externo ou, ainda que não tenham afastado a responsabilidade pelo evento, consideraram que a exposição indevida de dados pessoais (não sensíveis) não é suficiente para ensejar indenização por danos morais. Em resumo, os principais argumentos que identificamos foram:

— O ataque hacker é ato de terceiro (externo), atraindo aplicação do artigo 43, III, da LGPD, o qual dispõe que "os agentes de tratamento só não serão responsabilizados quando provarem:  (...) III - que o dano é decorrente de culpa exclusiva do titular dos dados ou de terceiro)";

— Vazamento de dados pessoais comuns (não sensíveis) não são, por si só, capazes de gerar danos morais (ausência de prova efetiva do dano);

— Não se deve reconhecer o dever de indenizar diante da mera possibilidade de dano futuro; e

— A adoção de medidas internas preventivas e remediadoras pelo agente de tratamento em matéria de proteção de dados afasta o nexo causal.

Desses casos, vários deles estão em fase de recurso, sendo que entre aqueles que já foram julgados em segundo grau (total de oito casos localizados), ao menos até a data de elaboração deste artigo, a derrota da tese do dano moral é do tamanho de um Brasil x Alemanha: sete decisões afastando a condenação (mantendo os já citados fundamentos das decisões de primeiro grau) e apenas uma concedendo. Importante notar que, no contexto em análise, a única decisão de segundo grau que até então reconheceu o dano moral presumido se pautou na conceituação equivocada de "dados sensíveis" (ignorando a definição expressamente trazida no artigo 5º, II, da LGPD).

Nesse cenário, embora estejamos diante de uma amostragem ainda pequena de julgados perto do que virá pela frente, o entendimento dominante que começa a se formar no Tribunal de Justiça de São Paulo é bastante desencorajador às ações massificadas que buscam indenizações por danos morais presumidos diante de todo e qualquer tipo de vazamento de dados. A acertada tendência que se desenha, portanto, é de que o eventual reconhecimento dos danos morais em casos de incidentes dependa de uma análise fática pormenorizada, que leve em consideração, sobretudo, o grau de contribuição da empresa envolvida para ocorrência do evento e a natureza dos dados afetados.

Ponto para a LGPD, que, se bem interpretada e aplicada, passará ilesa às inúmeras tentativas que ainda virão no sentido de torná-la matéria-prima para a repulsiva indústria do dano moral.


Reforma do IR aumenta distorções e deve ser enterrada, dizem especialistas

BRASÍLIA - Especialistas em tributação afirmam que o parecer do projeto de reforma do Imposto de Renda em discussão na Câmara amplia as distorções do sistema tributário brasileiro ao aumentar as diferenças na forma como as pessoas são tributadas e seria melhor que fosse enterrado de vez.

O Estadão perguntou se o projeto, que teve a sua votação adiada por três vezes em meio a pressões, tem ainda conserto diante dos lobbies para novas concessões que apareceram na última hora. Para alguns deles, é melhor dividir o projeto e aprovar somente a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) e deixar para mexer na tributação da renda no País quando o debate estiver mais maduro.

O impasse para esse caminho, no entanto, é como compensar a perda de receita com o aumento da faixa de isenção (dos atuais R$ 1,9 mil para R$ 2,5 mil) e a correção da tabela. O governo também utilizou a taxação da distribuição de dividendos para lançar o novo Bolsa Família e cumprir a legislação fiscal que exige compensação quando um novo gasto é criado.

Na área econômica, após a ampliação das isenções, a preocupação é com o risco fiscal: o custo da proposta e seu impacto nas contas públicas. Apesar do apoio oficial do ministro da Economia, Paulo Guedes, a avaliação interna é de que o projeto não serve se ampliar o risco fiscal num ambiente já conturbado entre os investidores, como mostrou o Estadão. Nesse caso, o melhor seria focar na votação da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que parcela os precatórios. A Receita Federal também tem alertado para os problemas no parecer.

Diretor do Centro de Cidadania Fiscal, Bernard Appy tem passado os últimos dias trabalhando em tabelas e dados para mostrar com números e exemplos as distorções no sistema, principalmente depois que o relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), estendeu a isenção para dividendos de empresas do Simples e do lucro presumido até R$ 4,8 milhões.

“Não tem conserto”, diz ele. “O governo diz que está tributando os mais ricos. Mas, para os sócios de regimes simplificados, os PJs, está tributando menos os mais ricos. Um sócio de uma empresa de lucro presumido que tem renda de R$ 100 mil por mês, desde que a empresa fature até R$ 4,8 milhões por ano, vai ser menos tributado do que é hoje, ampliando uma distorção que já existe”, alerta.

Appy dá um exemplo: da forma como o relatório está, enquanto um trabalhador com carteira assinada paga 37,8% de imposto no total, um profissional liberal (médico, advogado, contador, economista) que optou pelo regime de lucro presumido vai ter a carga reduzida dos atuais 11,9% para 7,9%.

“O atual texto do projeto de lei, cuja versão final para votação segue desconhecida após diversos e constantes anúncios de mudanças, cria exceções na tributação dos dividendos, favorecendo justamente o topo de renda”, diz a economista Grazielle David, da Tax Justice Network, organização internacional de pesquisa. Para ela, a atual proposta da reforma do IR deve ser abandonada porque se tornou um leilão e acabaria resultando em aumento de ineficiência e desigualdade.

Ex-secretário adjunto e de Fiscalização da Receita, Paulo Ricardo Cardoso avalia que o projeto já saiu do governo com muitos problemas e ficou pior no Congresso. “O projeto recebeu muitas alterações, com a boa intenção do relator talvez de consertar, ele piorou”, diz.

Ao Estadão, Celso Sabino nega que esteja havendo pressão dos parlamentares e do governo para não votar o seu projeto. “Não vi movimento nenhum (para não votar). Só fofoca”, afirma. “Não tem isso, não. Falo com Paulo Guedes todos os dias. Estamos trabalhando em conjunto.” Segundo ele, há uma pressão de pessoas que não querem pagar pela distribuição de lucros e dividendos.

O relator garante que não vai protocolar outro substitutivo. Na prática, isso significa que, se o projeto for à votação, as novas mudanças serão feitas no plenário por meio de emendas ao parecer. Sabino citou apoio em nota da Confederação Nacional dos Municípios (CNM) – Estados e capitais, no entanto, se posicionaram contrários – e do Sebrae (entidades patronais, como a Confederação Nacional da Indústria, porém, também se opõem ao texto).

Não tem conserto. Tem que ser revista a tributação da renda no Brasil. Tem problemas distributivos injustificáveis. O governo deveria ter identificado o problema e proposto como vai solucionar. Não identificou o problema e apresentou uma proposta. O governo diz que está tributando os mais ricos. Mas para os sócios de regimes simplificados, os PJs, está tributando menos os mais ricos. Um sócio de uma empresa de lucro presumido que tem renda de R$ 100 mil por mês, desde que a empresa fature até R$ 4,8 mil por ano, vai ser menos tributado do que é hoje, ampliando uma distorção que já existe. Tem problemas também nas empresas de grande porte. A tributação da empresa é uma antecipação do imposto devido pelo sócio. Tem sócio de grande empresa hoje que, na prática, está pagando perto de 34% e tem sócio de grande empresa que está pagando 10% de alíquota efetiva do IR. O que acontece com o sócio de grande empresa? O grosso do lucro da empresa ele reinveste. Seja na própria empresa ou em outra empresa do mesmo grupo através de uma holding. Apenas o lucro que distribuído para ele, para o consumo dele, que é uma parcela pequena da renda, é que vai tributado na distribuição. Provavelmente, esse grande sócio de empresa vai pagar menos imposto do que pagava hoje. Quem vai pagar imposto é o acionista da grande empresa que não tenha holding, que é o pequeno e médio acionista da grande empresa. Alguns desses acionistas têm renda alta? Sim, mas não resolveu o problema distributivo no Brasil. Uma parte da solução passaria por aproximar a alíquota efetiva da nominal na grande empresa. A boa reforma, que a maioria dos países fez, foi reduzir a alíquota da empresa aumentando a base. Teria uma perda de receita menor e a partir daí poderia começar a integração na tributação do acionista.

Com esse governo e essa liderança do Congresso, melhor enterrar. Ficou sem conserto. Já cedeu demais a grupos de interesse. Difícil voltar atrás. Já ficou claro que não vão defender os interesses prioritários. Então, passar agora gera um imbróglio para um governo futuro. Porque a reforma está muito ruim nessa configuração, seja para o Fisco, seja em caráter de melhorar a progressividade (fazer com que o rico pague mais imposto proporcionalmente que o pobre) do Imposto de Renda. E aí dificulta uma nova reforma num governo novo, pois vai ter o argumento: "a reforma já foi feira". Os grupos de interesse se organizam. Fica ainda mais difícil. Melhor esperar 2023 na torcida de que teremos representantes mais capazes de desenhar uma reforma justa.

Esta reforma se transformou em uma colcha de retalhos. Iniciou hipertributando a todos, e agora, querem que as médias e grandes empresas, que mais empregam, subsidiem quem está no Simples ou no lucro presumido (um regime de tributação mais simplificado muito usado por profissionais liberais, como médicos e advogados). Além disso, a extinção dos Juros sobre Capital Próprio (uma forma de remuneração dos acionistas com abatimento no imposto a pagar) certamente inibirá os investimentos. O que estamos vendo são alterações quase que diárias do relatório, de acordo com o porte da pressão. Infelizmente, o que se conseguiu foi um repúdio generalizado, onde a tão propalada simplificação não existe. Não resolve o problema do governo e aumenta os preços de produtos. Não é possível analisar somente duas fases da reforma tributária, que tributam fortemente grande parte dos setores, como no caso da unificação do PIS e da Cofins e a reforma do IR. Onde estão as outras duas reformas, desoneração da folha e imposto digital? Na realidade a reforma , no momento, pode ser aproveitada somente para corrigir as faixas da tabela do Imposto de Renda.

O projeto não saiu de forma adequada do governo para o Congresso. Já saiu com muitos problemas. No Congresso recebeu muitas alterações, com a boa intenção do relator talvez de consertar, ele piorou. O projeto está muito ruim. Nessa atual conjuntura, o melhor que poderia ser feito é esquecer essa alteração esse ano do IR. O risco é muito grande de fazer coisas erradas, inclusive, prejudicando a arrecadação e investimentos. Não é questão de ser contra ou a favor da tributação de dividendos. Para que mexer na tributação das empresas só para mudar o nome da rubrica? Se eu baixo a alíquota do IRPJ e tributo os dividendos, e o ministro Paulo Guedes jura de pé junto que isso não vai aumentar ou diminuir a arrecadação, por que fazer isso? Qual o ganho? No final do dia, soma, divide e multiplica, é o que tiver que pagar de DARF. Não importa se esse pagamento é a título de dividendos ou de IRPJ. O que importa é o custo tributário. É isso que vai para a planilha de custos das empresas, na composição dos preços dos produtos. Mudar só para mudar. Entrar no modismo de que o Brasil agora está tributando dividendos. Com o discurso de que “agora estamos tributando os ricos”, isso é balela. É papo-furado. Não tem lógica. Não tributamos dividendos desde 1995.

Eu vivi (na Receita) muito tempo antes e depois disso. Tínhamos muitos problemas de distribuição disfarçada de lucros. Eram processos e mais processo, autuações da Receita. Veja como é fácil. Se distribuir lucro paga imposto, então, não vou distribuir. Eu, empresário, vou comprar a Ferrari para o meu filho e vou botar ela na empresa. Vai ser como se fosse um patrimônio da empresa. Eu vou comprar qualquer outra coisa que uso para consumo pessoal e coloco na empresa. É o que se chama distribuição disfarçada de lucro. Vai ser um inferno! Não só para a fiscalização, como para as empresas que vão viver sob fiscalização. E a Receita não tem quantitativo para fiscalizar todas as empresas. Estamos saindo de um modelo mais tranquilo e seguro para um modelo só para satisfazer o ego de alguém e dizer: “ah agora no Brasil estamos tributando dividendos”. Bobagem!

O projeto não deveria ser abandonado, inicialmente porque a tributação de dividendos já foi devidamente digerida pela sociedade. Depois porque a redução do imposto corporativo liberaria recurso importante para novos investimentos. Mas a questão de empresas menores deve ser resolvida não pela isenção, como está sendo proposto, mas sim pela adoção de uma tabela progressiva exclusiva para tributação de dividendos, gerando inclusive arrecadação maior.

Todos os entes federativos devem considerar que o IRPJ vem perdendo arrecadação. Em 2008 ele representava 2,84% do PIB e em 2018, 1,73%. O resultado viria no médio prazo com o crescimento da economia. Compensações de curto prazo podem ser propostas, mas sem gerar mais distorções no sistema tributário.

O Brasil é um dos poucos países no mundo em que os mais ricos não pagam imposto de renda sobre lucros e dividendos que recebem. Enquanto isso, as pessoas que recebem salário são mais tributadas em proporção a sua renda. Com isso, aumentam as desigualdades no País. Isso poderia ser mudado com a reforma do imposto de renda que está tramitando no Congresso. Entretanto, o atual texto do projeto de lei, cuja versão final para votação segue desconhecida após diversos e constantes anúncios de mudanças, cria exceções na tributação dos dividendos, favorecendo justamente o topo de renda. Ainda, indica que não irá mais acabar com os juros sobre capital próprio, que é único no Brasil; e reduz em excesso o imposto de renda das empresas, indo na direção contrária do resto do mundo, que está justamente buscando aumentar a tributação das corporações por meio de um imposto mínimo global. Na redução do IRPJ afeta os fundos de participação dos Estados e municípios, e na redução da CSLL afeta o orçamento da seguridade social. O pior: como ocorrerá perda de arrecadação com o IR, a proposta ampliará o maior problema da carga tributária brasileira, que é justamente o excesso de tributação sobre o consumo e a baixa de tributação sobre renda, patrimônio e riqueza, o que acaba fazendo com que, proporcionalmente à sua renda, os mais pobres sejam justamente os que realizam maior contribuição tributária. Assim, a atual proposta da reforma do IR deve ser abandonada porque se tornou um leilão, completamente distorcida e resultaria em aumento de ineficiência e desigualdade.


Reforma do IR prejudica empresas médias e classe média, diz ex-secretário da Receita

O texto mais recente da reforma do Imposto de Renda prejudica tanto a classe média quanto empresas de médio porte, avaliou o ex-secretário especial da Receita Federal Marcos Cintra, criticando a falta de debate e de exposição dos números envolvidos na proposta à sociedade.

À Reuters, ele disse ter ficado "particularmente feliz" com a decisão da Câmara dos Deputados de adiar a votação do projeto na terça-feira, na terceira vez consecutiva que a apreciação foi jogada para frente.

"Esse projeto era muito ruim", disse Cintra.

Ele frisou que o Imposto de Renda é um dos tributos mais importantes para a arrecadação de qualquer país, mas que as alterações propostas não foram minimamente discutidas embora tenham implicações profundas para toda a sociedade.

Em relação à tributação sobre dividendos, Cintra afirmou que, apesar de o relator da proposta, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), ter incluído as empresas que declaram no lucro presumido com faturamento de até 4,8 milhões de reais na lista das que vão se beneficiar da isenção dessa taxação, esse universo não é tão alto quanto o que vem sendo apontado.

A maior parte dos negócios desse porte --usualmente compostos por empresas de comércio e serviços e também de profissionais liberais, como médicos e advogados-- pagaria mais imposto com a reforma, de acordo com os cálculos do economista.

Cintra pontuou que, em geral, essas empresas distribuem cerca de 80% a 90% dos seus lucros em dividendos, já que pela natureza de suas atividades elas não têm capital ou necessidade de grandes investimentos.

Ele afirmou que, segundo dados de Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) da Receita Federal referentes ao exercício 2018/2019, só 15 mil empresas que declaram no lucro presumido, de um universo de cerca de 880 mil, têm faturamento abaixo de 4,8 milhões de reais.

"O relator saiu por aí falando que mais de 90% das empresas se enquadrariam no faturamento de até 4,8 milhões de reais. Não é verdade. E isso é um dado facilmente auferido", disse ele, destacando que pouco mais de 1,5% dessas empresas teriam o mesmo benefício das empresas do Simples, que pelo relatório ficaram de fora da tributação de 20% sobre dividendos.

Cintra defendeu que o projeto acabou beneficiando as grandes empresas, que distribuem menos de 50% do lucro em dividendos. De um lado, elas passariam a pagar mais nessa frente. Mas o IR cairia na outra ponta, de forma que o encargo global ficaria menor.

"As grandes têm queda, as pequenas ficam como está e no meio do caminho você tem aumento de carga tributária, não faz muito sentido isso", afirmou ele.

Em seu último parecer, Sabino propôs uma redução de 8,5 pontos percentuais na alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), para 6,5% em 2022.

Pelo relatório, fica mantida a cobrança adicional de 10% de imposto para lucros que ultrapassem os 20 mil reais ao mês, de forma que a alíquota total de IRPJ cairia a 16,5% sobre 25% hoje.

O relator também propôs diminuição na alíquota de CSLL em 1,5 ponto a partir do ano que vem. Grande parte das empresas arca com alíquota de 9% e passaria a pagar 7,5% de CSLL.

No total, o encargo sobre a renda das pessoas jurídicas iria para 24%, sobre 34% atualmente.

Pessoa Física

Para Cintra, também é o segmento do meio, com rendimento anual entre 40 mil e 80 mil reais, que arcará com aumento de impostos no caso das pessoas físicas. Isso porque a proposta acaba com a possibilidade de desconto simplificado de 20% para os que recebem mais de 3.333 reais ao mês.

A reforma também propõe que aqueles que ganham até 2.500 reais ficarão isentos de pagar IR. Hoje, a faixa de isenção vai até 1.903,98 reais.

Cintra afirmou que a ampliação de 31% na faixa de isenção beneficiaria a baixa renda, mas criticou o fato de as outras faixas terem passado por uma correção menor, da ordem de 13%.

"Isso encavalou ainda mais as faixas de renda", defendeu. "Hoje temos uma situação em que até 2.500 é isento. Com 5.500 já está na última faixa, de 27,5% (de IR)."

"5.500 está longe de ser o superrico, esse sim precisaria ser tributado mais pesadamente", completou.


IR: Lira fracassa, e reforma é adiada na Câmara; para ala da Economia, projeto 'já não se paga'

BRASÍLIA - O clima esquentou novamente no dia marcado para a votação do projeto que altera o Imposto de Renda cobrado sobre empresas, pessoas físicas e investimentos. Sem acordo com o relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), os Estados e as prefeituras das capitais se posicionaram nesta terça-feira, 17, contrários ao parecer e pediram aos deputados que votem não ao projeto. De acordo com os cálculos dos secretários estaduais de Fazenda, a perda é de R$ 11,7 bilhões por ano para os cofres de Esados e municípios.

Essa será a terceira tentativa de votação do projeto encaminhado pelo governo Bolsonaro e que tem gerado grande polêmica e oposição. Na semana passada, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), chegou a iniciar o processo de votação, mas os líderes pediram para adiar a votação.

Na semana anterior, o projeto foi retirado de pauta depois de forte mobilização de setores empresariais, Estados e municípios, que divulgaram uma bateria de manifestos contrários ao projeto. Lira argumentou que o substitutivo de Sabino avançou no que era possível.

Em nova mobilização, os Estados divulgaram nesta terça mais uma carta aberta aos deputados. No documento, o Comitê Nacional de Secretários Estaduais de Fazenda (Comsefaz) diz que é preciso reagir a essa perda "inadmissível" de receitas que levará os governos regionais à insolvência fiscal, agravando os efeitos da crise econômica.

O Estadão/Broadcast teve acesso à nova planilha Comsefaz que aponta uma perda de R$ 11,7 bilhões para Estados e municípios com base na última versão do parecer de Sabino: R$ 6,4 bilhões para os governos estaduais e R$ 5,4 bilhões para os municípios. Se considerada o quanto a União vai perder de arrecadação, o impacto é de R$ 29,2 bilhões.

Na primeira versão do parecer, a perda para Estados e municípios estava em R$ 27 bilhões, valor que caiu com modificações que foram feitas depois, mas consideradas insuficientes. As perdas ocorrem porque a arrecadação do IR é dividida com os Estados e municípios. Eles argumentam que as medidas de desoneração do IR contida no projeto não foram compensadas com outras ações de aumento da arrecadação.

Os Estados advertem os deputados de que a decisão de impor perdas agora aos governos regionais, com a aprovação do projeto, será cobrada no futuro com o comprometimento dos serviços públicos. Segundo eles, mesmo após uma série de reuniões, debates, articulações e esforço de consenso, junto ao relator e ao Ministério da Economia, nenhuma de suas sugestões que evitariam prejuízo federativo foi considerada no último texto protocolado por Sabino.

No último parecer protocolado, Sabino prevê uma queda de 8,5 pontos porcentuais na alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), passando de 25% para 16,5%. A Contribuição Social sobre Líquido (CSLL) cairá 1,5 ponto porcentual. A CSLL tem três alíquotas: 9%, 15% e 20%, que serão reduzidas em 1,5 ponto porcentual.

Como mostrou reportagem do Estadão, a proposta em discussão era reduzir a velocidade da queda para 7,5 pontos porcentuais para minimizar as perdas para os cofres estaduais e municipais, mas não houve acordo.

A bancada ruralista também se manifestou contrária à aprovação do texto nesta terça. Para o presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), deputado Sérgio Souza (MDB-PR), a reforma do IR “ainda precisa de ajustes”. “Pode vir um aumento de carga tributária para o agro e encarecer ainda mais o nosso custo de produção, fica nosso alerta e precisamos prestar muita atenção no debate da proposta”, disse Souza em nota. “O texto do projeto ainda não está do jeito que o setor agropecuário gostaria, falta um ou outro ponto para ajustar.”

A reforma se transformou numa guerra de números de perdas e ganhos como projeto. De um lado, o relator e a Receita Federal e de outro lado, os empresários, Estados e municípios.

Ao Estadão, o relator disse que Estados e municípios estão fazendo as contas erradas. Sabino disse que não vai mudar o substitutivo e que o projeto será votado nesta terça. Segundo ele, a reforma será neutra para os Estados e municípios. “Estão fazendo as contas erradas. Por isso, não mostram. Cadê a planilha?”, questionou o relator. Nem Sabino nem a Receita Federal, porém, apresentaram publicamente os novos cálculos com o parecer final que foi protocolado na semana passada.

O diretor institucional do Comsefaz, André Horta, disse que os diálogos com o relator foram entrecortados. Segundo ele, Sabino vai querer segurar a queda da alíquota do IR de 25% para 16,5%. "Tentamos até o fim o acordo e não foi possível", disse Horta. Segundo ele, há uma articulação no Congresso para a volta da possibilidade de dedução dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), uma forma de remuneração aos acionistas com desconto no imposto a pagar pelas empresas, o que pode trazer perdas ainda maiores.

Em nota, a Associação Brasileira das Secretarias de Finanças das Capitais (Abrasf) diz que a última versão do substitutivo permanece inadequada e não compensa as perdas dos municípios e Estados. Pelos cálculos da Abrasf, as capitais e maiores cidades do País perderão cerca de R$ 1,5 bilhão. Desse total, aproximadamente R$ 800 milhões de perda do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Os R$ 700 milhões restantes de diminuição de receitas ocorrerá com o recolhimento do IR na fonte dos seus servidores devido à correção da tabela.

A Abrasf diz que reconhece o esforço dos envolvidos para aperfeiçoar o texto, mas alerta que, ainda assim, não é uma proposta neutra, conforme diz o relator Sabino. Segundo a associação, se o projeto for aprovado do jeito que está, os municípios sofrerão ainda mais para reorganizar suas contas.

Para as prefeituras das capitais, apesar da redução nas perdas, a diferença ainda afeta muito as contas dos municípios, que lidam diretamente com os problemas das cidades. "Continuamos bancando a reforma. Houve cautela para tornar a reforma o mais neutra possível para a União, mas o mesmo não aconteceu com os demais entes", diz o presidente da Abrasf e secretário da Fazenda de Aracaju (SE), Jeferson Passos.

As mudanças no IR também atingem as pessoas físicas. Nesse caso, porém, o relator manteve a proposta original do governo. A faixa de isenção sobe de R$ 1.903,98 para R$ 2,5 mil, uma correção de 31%. Com isso, mais de 5,6 milhões passarão a ser considerados isentos. As demais faixas do IR também foram ajustadas, mas em menor proporção (cerca de 13%).

O uso do desconto simplificado na declaração do IR fica limitado. Pelas regras atuais, todas pessoas físicas podem optar por esse desconto, e o abatimento é limitado a R$ 16.754,34. Pela proposta, quem tem renda acima até R$ 40 mil por ano (pouco mais de R$ 3 mil por mês) não poderá mais optar pelo desconto simplificado na declaração anual do IR - que estará limitado a R$ 8 mil.

A proposta ainda reduz a alíquota do IR sobre ganhos de capital na venda de imóveis para 5% se o contribuinte atualizar o valor da propriedade. Pelas regras atuais, a alíquota do IR sobre ganhos de capital é de 15% e 22,5% e a incidência ocorre quando o contribuinte vende ou transfere a posse do imóvel. O prazo para atualizar o valor do imóvel, e pagar uma alíquota menor, pela proposta do governo, será de janeiro a abril de 2022.


Acordo para conseguir apoio a projeto do IR inclui bomba para as contas públicas; leia análise

É vale tudo para a aprovação do projeto que altera o Imposto de Renda na Câmara. Na ânsia de ter uma reforma para chamar de sua, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), avalizou um acordão com a Confederação Nacional dos Municípios (CMN) para confrontar a resistência dos Estados e conseguir aprovar o projeto.

Repete-se na votação da reforma do IR o que ocorreu com o projeto de privatização da Eletrobras, quando “jabutis” em série foram incluídos no texto, que acabou sendo aprovado pelo Senado também numa versão ainda pior.

Muitas benesses para aprovar o projeto do IR que numa frase pode ser resumido dessa forma: risco fiscal enorme para União, Estados e municípios e ampliação de incentivos cujo objetivo inicial era o de combater, como a pejotização - fenômeno que proliferou no País de prestação do serviço como pessoa jurídica em vez de pessoa física para pagar menos imposto.

O acordo com a CNM isola os Estados nas negociações. Até então, municípios e Estados estavam juntos numa articulação política para mostrar as perdas que teriam com as mudanças no projeto do IR, tributo recolhido pelo governo federal, mas compartilhado com os governos regionais. Chegaram a acertar a divulgação de manifestos públicos com os mesmos valores de perda de arrecadação.

A mudança de lado dos prefeitos, vista como traição pelos Estados que tentavam novas mudanças no parecer de Celso Sabino para diminuir o impacto negativo nos cofres públicos, está sendo garantida pela promessa de votação da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que autoriza um adicional de 1% no repasse da União ao Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

A PEC já foi aprovada no Senado e, na última sessão do ano passado, se transformou em instrumento de manobra para medir as forças nas eleições para a presidência da Casa. É menos dinheiro no caixa da União. A lista do acordo, que não é pública, traz outras medidas que dão alívio para os cofres dos prefeitos.

O sistema tributário brasileiro tem, sim, problemas estruturais na tributação da renda. Mas os ajustes propostos vão na direção contrária e pioram o sistema. Além disso, o corte de benefícios tem efeito temporário e não traz segurança para as contas públicas. Ainda mais com o presidente Jair Bolsonaro, que já anunciou que vai usar o corte das isenções para dar subsídios ao diesel. É claro, de olho na eleição.

Para piorar, como mostrou reportagem do Estadão, a isenção na tributação de lucros e dividendos, concedida aos profissionais liberais que atuam com empresa, representa um benefício ainda maior do que já têm. A isenção dada inicialmente ao Simples foi estendida para os profissionais que receberem dividendos de até R$ 400 mil por mês, o equivalente a R$ 4,8 milhões por ano.

É pouco? Poderão ter mais concessões até a votação final.

Quem acha que o Senado pode corrigir o projeto, é melhor lembrar o que aconteceu com o projeto da privatização da Eletrobras no Senado. A equipe econômica assiste ao aumento do risco para as contas públicas em silêncio diante do aval nos bastidores do ministro Paulo Guedes. Mas nos gabinetes do Ministério da Economia, o clima é de indignação entre aqueles que sabem muito bem que o projeto do IR aumenta as distorções.


Câmara – Relator vai apresentar nova versão para reforma administrativa

Proposta está em análise em comissão especial, mas pode ser levada ao Plenário ainda neste mês

O deputado Arthur Oliveira Maia (DEM-BA), relator da reforma administrativa proposta pelo governo Bolsonaro (PEC 32/20), disse nesta terça-feira (17) que apresentará um substitutivo na próxima semana. “Muitas considerações trazidas ao relator serão acatadas, afastando boa parte da proposta original”, anunciou.

“Estou fazendo um novo texto, tentando ao máximo construir um consenso; naquilo que não for possível, vamos para a decisão democrática, pelo voto”, continuou Arthur Oliveira Maia. “A competência para apresentar essa reforma é do Poder Executivo, mas podemos modificá-la como quisermos”, destacou.

Na versão enviada pelo Executivo, a proposta de emenda à Constituição (PEC) altera dispositivos que tratam de servidores e empregados públicos e também modifica a organização da administração pública direta e indireta de quaisquer Poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios.

O texto é rechaçado por entidades representativas dos servidores federais, que devem realizar mobilizações nesta quarta-feira (18). Algumas das principais medidas envolvem contratação, avaliação, remuneração e desligamento de pessoal – segundo o governo, válidas para quem ingressar no setor público.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), disse que a proposta poderá chegar ao Plenário ainda neste mês, após a deliberação da comissão especial. Para a aprovação de uma PEC, são necessários pelo menos 308 votos na Câmara e 49 no Senado, em dois turnos.

 

Audiência Pública - Efeitos da reforma sobre os atuais servidores federais, estaduais e municipais. Presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil, Kleber Cabral

Kleber Cabral: estabilidade do servidor ajuda no combate à corrupção

Críticas generalizadas
Debatedores reunidos pela comissão especial em audiência pública nesta tarde avaliaram que a versão do Executivo, diferentemente do que informa o governo Bolsonaro, afetará os atuais servidores federais, estaduais e municipais. Outros afirmaram que o melhor seria regulamentar as regras existentes desde 1988.

O presidente do Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (Sindifisco Nacional), Kleber Cabral, e o presidente do Sindicato Nacional dos Analistas-Tributários da Receita Federal do Brasil (Sindireceita), Antônio Geraldo Seixas, atacaram diversos pontos da versão original da PEC 32/20.

Cabral e Seixas reiteraram a visão do Fórum Nacional Permanente de Carreiras Típicas de Estado (Fonacate), de que a PEC 32/20 acaba com o Regime Jurídico Único, facilita a perda de cargo público e prejudica aposentadorias. O Fonacate reúne 37 entidades e mais de 200 mil servidores de todos os Poderes da União.

“O ponto crucial da proposta do governo é a flexibilização na estabilidade dos servidores, e facilitar a demissão deveria causar preocupação na sociedade, porque abre espaço para o aparelhamento”, afirmou Seixas. Na visão de Cabral, a estabilidade é também um instrumento relevante no combate à corrupção.

O presidente do Conselho Nacional de Secretários de Estado da Administração (Consad), Fabrício Marques Santos, defendeu que as medidas incluam os entes federativos e considerem Executivo, Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, mas questionou o texto enviado pelo governo Bolsonaro.

Secretário de Planejamento, Gestão e Patrimônio de Alagoas, Santos afirmou que, conforme a avaliação dos atuais gestores estaduais, urgente é a regulamentação, por meio leis complementares, de temas como estabilidade, demissão e avaliação de desempenho de servidores, além da contratação de temporários.Reila Maria/Câmara dos Deputados

Audiência Pública - Efeitos da reforma sobre os atuais servidores federais, estaduais e municipais. Membro do Conselho de Governança do Todos Pela Educação, Fernando Luiz Abrucio

Fernando Abrucio: “Policiais e profissionais de saúde e educação são responsáveis pelos principais serviços públicos”

Pontos relevantes
No debate, o cientista político Fernando Luiz Abrucio elencou vários pontos que considera relevantes, mas estão fora da versão do governo Bolsonaro. Segundo ele, não houve diagnóstico prévio adequado, “é evidente a falta de diálogo com estados e municípios” e a experiência internacional “aparece só de orelhada”.

Abrucio disse que o federalismo deve nortear qualquer reforma administrativa, daí a necessidade de debate com estados e municípios e a inclusão de todos os servidores, não apenas os civis. “Policiais e profissionais da saúde e da educação são os responsáveis pela prestação dos principais serviços públicos no País.”

O cientista político sugeriu a criação, como em outros países, de uma agência governamental responsável pela gestão do setor público no longo prazo, pois do contrário sempre haverá desconfiança sobre reformas. Para Abrucio, é preciso definir ainda o que se espera do Estado e dos serviços ofertados ao cidadão.

“Imagine se esse modelo sugerido pelo governo já existisse antes da pandemia [de Covid-19]. Nós estaríamos perdidos. A pandemia mostrou que a existência de um certo tipo de gestão pública, que tem defeitos, mas pode ser melhorada, salvou milhões de pessoas. Vocês, deputados, devem pensar nisso”, afirmou.

Outras participações
O debate desta tarde consta do plano de trabalho do relator. Foi pedido pelos deputados Alice Portugal (PCdoB-BA), Darci de Matos (PSD-SC), Lincoln Portela (PL-MG), Milton Coelho (PSB-PE), Paulo Teixeira (PT-SP), Rogério Correia (PT-MG), Rui Falcão (PT-SP), Tadeu Alencar (PSB-PE) e Tiago Mitraud (Novo-MG).

Participaram ainda os deputados Carlos Veras (PT-PE), Erika Kokay (PT-DF), Leo de Brito (PT-AC) e Professor Israel Batista (PV-DF); o coordenador da Sociedade Brasileira de Direito Público, Conrado Tristão; e o presidente da Associação Nacional dos Procuradores Estaduais e do Distrito Federal, Vicente Braga.

Fonte: Agência Câmara de Notícias


Onde fica o Afeganistão e por que geograficamente ele é estratégico para as principais potências mundiais?

Por Felipe Gutierrez e Fábio Manzano, G1


O Afeganistão fica na Ásia Central, encravado em uma porção de terras montanhosas geograficamente estratégica e com potencial econômico que atrai vizinhos e potências com as quais nem mesmo tem fronteiras.

No passado, a disputa entre países do Ocidente e a Rússia forjou o desenho do mapa afegão e também marcou a trajetória de guerras envolvendo o país. Agora, o futuro do Afeganistão mobiliza as atenções sobretudo da China, da Rússia e dos EUA, mas vizinhos menos influentes globalmente, como o Irã, a Índia e o Paquistão, também disputam a influência sobre o país e seu território.

Abaixo, em cinco tópicos, entenda a localização do Afeganistão e quais os interesses das potências mundiais:

 — Foto: G1/Arte

— Foto: G1/Arte

1 - Localização do país e origem

O Afeganistão é um pais montanhoso, sem acesso ao mar e com um território de 652 mil km², pouco maior que o estado de Minas Gerais. Historicamente, na Antiguidade, o território que hoje forma o país já foi ocupado por diferentes povos e impérios, como a Babilônia e o macedônio de Alexandre, o Grande.

Na história mais recente, no século 19, o Império Britânico ocupou a região e foi responsável por levar ao trono o rei Shah Shujah (1838-1842). Depois de as tropas britânicas terem sido expulsas, retornaram entre 1878 e 1880, sendo que a independência da influência britânica só ocorreu definitivamente em 1919.

"O Afeganistão nasceu como um Estado tampão para impedir o avanço da Rússia czarista no século 19, que estava se expandindo em direção ao sul do continente asiático. Os ingleses viram isso como uma ameaça e criaram o Reino do Afeganistão como um Estado", diz o professor Samuel Feldberg, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).

VÍDEO: Ruas de Cabul, no Afeganistão, têm homens do Talibãs armados, após tomada de poder

2 - Independência, invasão soviética e atual interesse russo

Atualmente, o Afeganistão faz fronteira com seis países, a metade deles aliados diretos da Rússia e ex-repúblicas soviéticas: Tajiquistão, Uzbequistão e Turcomenistão. A estabilidade dessa área, portanto, é do interesse russo.

Desde a independência declarada, os arranjos de poder no Afeganistão sempre foram considerados instáveis. Por conta da proximidade com a então União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em diferentes momentos o país teve assistência militar e econômica do bloco, até que em 1979 foi invadido pelo exército soviético, em um período que já havia apoio dos Estados Unidos a grupos locais contrários aos russos. A presença soviética seguiu no país até um acordo de paz em 1988.

Como lembra a colunista do G1 Sandra Cohen, "os EUA se envolveram no país há quatro décadas, durante a Guerra Fria, apoiando combatentes armados – os mujahedin – contra os soviéticos. O impacto do conflito desgastou a economia soviética até que o então presidente Mikhail Gorbachev anunciou a retirada total das tropas".

Apesar da derrota, os soviéticos continuaram a sustentar o governo afegão, liderado por Mohammad Najibullah, para conter o avanço dos rebeldes. Mas o império soviético desmoronou, a fonte secou e, em 1992, Najibullah foi destituído do poder.

No cenário atual, a Rússia se interessa em fazer contraponto ao poder dos EUA em áreas que ela avaliar estar dentro de seu círculo de influência, sobretudo o sul da Ásia, Oriente Médio e Leste Europeu. Além disso, também tem interesse no fortalecimento do Talibã contra o Estado Islâmico (EI), já que o país sofre com terrorismo jihadista no Cáucaso. Por isso, manter o EI longe do norte do Afeganistão é importante para a Rússia.

3 - China: interesse em minerais, contraponto aos EUA e aos jihadistas uigures

Ainda na segunda-feira (16), a China afirmou que deseja manter "relações amistosas" com o grupo extremista Talibã, que tinha tomado o poder no Afeganistão apenas um dia antes.

A China e o Afeganistão são países vizinhos e têm 76 quilômetros de fronteiras comum.

Pequim incluiu, ainda em 2016, o Afeganistão em seu grande projeto de infraestrutura, as "Novas Rotas da Seda". Mas, por falta de segurança, os investimentos chineses foram modestos no país: 4,4 milhões de dólares em 2020, segundo o ministério do Comércio.

A China tem também interesse nos minérios do país, entre eles o cobre na região de Mes Aynak. Mas outro dos possíveis focos são as reservas de "terras raras", que são insumos importantes nas cadeias de fabricação de produtos de altas tecnologias.

Além do forte interesse econômico, a fronteira com o Afeganistão na província de Xinjiang é palco de atividades de grupos extremistas uigures. O receio é que jihadistas uigures presentes também no Afeganistão se fortaleçam na região, justamente porque a China vem sendo acusada de genocídio contra o povo uigur.

E assim como a Rússia, a China também busca fazer oposição aos EUA e a retirada das tropas do Afeganistão é uma nova oportunidade para se contrapor à influência americana.

4 - EUA: das ações contra os soviéticos à luta contra o terror

Os EUA iniciaram sua relação com o Afeganistão há 40 anos, durante a Guerra Fria, com o apoio aos mujahedin, grupo de guerrilheiros que atuavam contra as investidas soviéticas no país. O cenário de conflito e os investimentos em armas e treinamento militar formaram um terreno fértil para a criação e ascensão do grupo extremista Talibã, que tomou o poder do país nos anos 1990.

A interferência americana voltou a aumentar durante a chamada Guerra ao Terror, em resposta aos atentados do 11 de setembro, quando o governo talibã do Afeganistão se recusou a entregar o chefe da al-Qaeda, responsável pelos ataques, Osama Bin Laden.

Duas décadas depois, com o retorno do grupo ao poder, os americanos temem que o país se torne um "santuário para grupos extremistas", no entanto, outra grande preocupação é a perda de influência no território que poderá favorecer seus maiores adversários: China, Rússia e Irã.

5 - Índia, Irã e Paquistão: o interesse de vizinhos

Saída dos EUA do Afeganistão abre espaço para países ganharem poder no cenário geopolítico

Saída dos EUA do Afeganistão abre espaço para países ganharem poder no cenário geopolítico

Além das potências globais, vizinhos com forte expressão regional também buscam marcar posição na relação com o Afeganistão:

  • ÍNDIA: o país vê no Afeganistão um de seus principais aliados regionais, e sua localização – com uma longa fronteira com o Paquistão, com quem a Índia não tem boas relações – é vital para a segurança nacional.
  • IRÃ: Com laços estreitos com o grupo extremista, o governo iraniano foi acusado de fornecer apoio financeiro e militar ao Talibã. Além disso, especialistas alertam para a expansão da presença clandestina das Forças Quds – unidade especial da Guarda Revolucionária – no país para promover os interesses iranianos.

"Cerca de 20% da população do país é xiita, e o principal país xiita da região, o Irã, "está preocupado com a possibilidade de associação, no Afeganistão, de grupos salafistas que atacam os xiitas", explica Arlene Clemesha, professora de História Árabe da Universidade de São Paulo (USP).

  • PAQUISTÃO: Entre a Índia – com quem não tem boas relações – e o Afeganistão, o Paquistão vê no apoio afegão uma expansão de sua influência regional e apoio em conflitos. O país foi um dos únicos, ao lado da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos, a reconhecer o Talibã quando assumiu o poder na década de 1990.

Há uma identidade étnica de uma parte dos afegãos com o Paquistão. "A fronteira entre os dois é praticamente inexiste", comenta Samuel Feldberg, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP). O Paquistão usa essa proximidade étnica nos conflitos que tem com a Índia, segundo o professor.

Quando o Afeganistão foi invadido em 2001, muitos dos membros de grupos terroristas que estavam no país acabaram encontrando refúgio no Paquistão —o próprio Osama Bin Laden foi capturado em uma cidade próxima a Islamabad, no Paquistão.

Há mais de dez etnias no país, que falam línguas diferentes e que têm uma organização parecida com a de tribos. "Como o Estado do Afeganistão atual nasceu de um projeto colonialista, as rivalidades internas foram exacerbadas. Os grupos étnicos do Afeganistão não consideram as fronteiras entre o país e os vizinhos legítimas", diz a professora Clemesha.


Câmara: Novas regras do Imposto de Renda estão na pauta desta terça-feira

Fonte: Agência Câmara de Notícias

As mudanças nas regras do Imposto de Renda estão na pauta desta terça-feira (17) do Plenário da Câmara dos Deputados. A proposta é a segunda etapa da reforma tributária (PL 2337/21, do Executivo).

O projeto muda a legislação tributária com medidas como o reajuste da faixa de isenção para fins de Imposto de Renda, a cobrança do tributo sobre lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a acionistas, a diminuição do Imposto de Renda das empresas e o cancelamento de alguns benefícios fiscais.

Todas as medidas têm efeito a partir de 1º de janeiro de 2022, em respeito ao princípio da anterioridade, segundo o qual as mudanças em tributos devem valer apenas para o ano seguinte.

Segundo o substitutivo preliminar do relator, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), a faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) passa de R$ 1.903,98 para R$ 2.500 mensais, correção de 31,3%. Igual índice é usado para reajustar a parcela a deduzir por aposentados com 65 anos ou mais.

Já os lucros e dividendos distribuídos pelas empresas a pessoas físicas ou jurídicas será tributado na fonte em 20%, inclusive para os domiciliados no exterior e em relação a qualquer tipo de ação. Fundos de investimento pagarão 5,88% sobre o que for distribuído aos cotistas.

Em contrapartida ao tributo sobre distribuição de lucros e dividendos, o projeto diminui o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) de 15% para 6,5% a partir de 2022.

A intenção é estimular a empresa a usar a diferença para investimentos produtivos.

Quanto à Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), Sabino propõe uma redução de até 1,5 ponto percentual nas apurações a partir de 1º de janeiro de 2022 em montante equivalente ao aumento de arrecadação obtido com a diminuição de renúncias tributárias da Cofins esperada para 2022.

As reduções citadas se referem a vários dispositivos com isenções que ele propõe revogar. A estimativa deverá constar do projeto de lei orçamentária de 2022, e a redução será definitiva em múltiplos de 0,05%.

Cargos do Executivo
Também na pauta consta a Medida Provisória 1042/21, que reformula a estrutura de cargos em comissão e funções de confiança no âmbito do Poder Executivo, autarquias e fundações.

O texto transforma os cargos em comissão do grupo Direção e Assessoramento (DAS) em Cargos Comissionados Executivos (CCE). Esses cargos podem ser ocupados tanto por servidores efetivos como por qualquer pessoa que preencha requisitos gerais de acesso em livre nomeação.

As Funções Comissionadas Executivas (FCE) criadas pela MP serão ocupadas exclusivamente por servidores efetivos de quaisquer órgãos ou poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios. Essas funções substituirão as funções comissionadas do Poder Executivo (FCPE), as funções comissionadas técnicas (FCT) e as funções gratificadas (FG).

A sessão do Plenário está marcada para as 15 horas.

Confira a pauta completa do Plenário


"Mudanças tributárias não podem desconsiderar impacto para o contribuinte"

Por Luiza Calegari

Não faz sentido promover uma reforma tributária que transfere o ônus da arrecadação federal para o lucro empresarial em um momento em que a crise da Covid-19 deixou boa parte das empresas do país em situação fragilizada.

A opinião é da advogada tributarista, contadora e economista Luciana Aguiar. Em entrevista à ConJur, ela fez duras críticas ao projeto de lei apresentado para o governo que prevê a tributação sobre lucros e dividendos e o aumento de renda para a pessoa jurídica.

Segundo Aguiar, faltou provar o impacto das medidas com estudos e dados. Mas não só. Também é crucial pensar na resposta do contribuinte às medidas que serão tomadas, porque esse comportamento por sua vez vai afetar o resultado final que se pretende atingir.

"Para termos uma mudança profunda, não basta olhar as consequências para o Erário, é preciso pensar nas consequências para o contribuinte. É o que os estudiosos de governança tributária chamam de análise ponto-a-ponto (Fisco-contribuinte-Fisco), imaginando que as escolhas racionais ocorrem e devem ocorrer. Nesse caso, parece que faltou fazer isso e agora estamos, lamentavelmente, correndo atrás do prejuízo enquanto o projeto tramita em regime de urgência."

Ibiapina Lira Aguiar tem tripla formação em Economia, Direito e Ciências Contábeis. Trabalhou por 18 anos como auditora contábil e tributária em uma grande empresa de avaliação de riscos, a PwC, e hoje é professora na FGV-SP e managing partner do escritório Bocater Advogados.

Leia os principais pontos da entrevista:

ConJur — Qual a avaliação da reforma tributária apresentada pelo governo ao Congresso?
Luciana Aguiar — A despeito das boas intenções, o PL 2.337/2021 em geral é uma proposta negativa por várias razões. O momento para uma reforma tributária profunda na tributação do lucro é ruim, dada a anormalidade causada pela pandemia prolongada que colocou a maioria das empresas em grande sofrimento e incerteza.

O processo todo também mostra que as ideias não estão maduras o suficiente. O PL original foi objeto de muitas críticas e o diálogo só começou com o PL em tramitação. Quanto às medidas, nada deveria ser apresentado sem estudo de impacto econômico (macro e micro) profundo e tenho a impressão de que isso não foi feito, ao menos como deveria.

ConJur — Qual vai ser o efeito da tributação de lucros e dividendos? Se vai substituir boa parte da tributação pelo IR, qual é o sentido da mudança?
Luciana Aguiar — Tributar dividendos só porque outros países tributam não me parecer ser uma escolha racional ou bem justificada. A escolha feita nos anos 1990 se deu não apenas pela simplificação, mas também pela concentração dos esforços de fiscalização. A tributação de dividendos traz muitas repercussões e elas precisam ser bem analisadas.

A tese a favor dessa tributação é que ela atinge o beneficiário final e portanto é mais transparente do que a tributação corporativa. Por outro lado, a introdução de uma alíquota elevada (20%) provoca uma ruptura grande numa dinâmica consolidada há mais de 20 anos.

Além disso, essa nova tributação traz de volta fatores que aumentam a complexidade como controles de DDL (distribuição disfarçada de lucros) e o aumento da complexidade não é só para o contribuinte, é também para o Fisco.

ConJur — A vinculação da alíquota do IRPJ à arrecadação do governo, conforme proposta pelo relator da reforma na Câmara, é uma boa saída?
Luciana Aguiar — Essa vinculação pode ser uma boa saída para o Erário, mas não é nem de perto uma boa medida para as empresas que não conseguem nem mesmo fazer orçamento e projeções com algum grau de segurança.

Na minha opinião, uma ideia que poderia ser explorada seria a introdução de uma alíquota pequena na tributação de dividendos (por exemplo, 2%) e uma redução pequena mas pre-definida na alíquota corporativa combinada (34%). Isso poderia aumentar a tolerância às mudanças que ocorreriam de forma mais gradual e sem grandes solavancos.

ConJur — A ideia geral parece ser transferir a arrecadação da pessoa física para a empresa, aumentando a faixa de isenção e concentrando a tributação nas PJs. Esse não é um bom movimento?
Luciana Aguiar — A ideia de tributar dividendos, mais do que a tributação da PJ em si, pode permitir maior transparência e compreensão sobre o ônus tributário. Ocorre que o PL 2.337 não está fazendo uma troca da carga da PJ para a PF apenas, mas em muitos casos fará um aumento de carga que pode ser relevante. Tudo isso pode gerar desequilíbrios no curto prazo aumentando o sofrimento para muitos numa época já muito difícil.

É possível que a tributação dos dividendos resulte, por exemplo, em mudança na política de pagamento de dividendos das companhias abertas, com o intuito de reduzir o pagamento de dividendos e reter os recursos dentro das companhias. Esse movimento, se acontecer, poderia reduzir também a atratividade das ações para as pessoas físicas que estão tomando gosto por esse mercado.

ConJur — Que outros pontos podem ter impacto tributário significativo no longo prazo?
Luciana Aguiar — A primeira versão do PL estava eivada de matérias claramente dispostas a partir de vieses. Eliminar peremptoriamente a dedução do ágio, mudar as regras para as mais valias e para amortização de intangíveis, tudo isso parece negativo para um país que quer crescer promovendo investimentos privados, inclusive privatizações. Essas medidas saíram da atual versão do substitutivo, mas até pelo texto que justifica a sua eliminação, é possível imaginar que voltarão.

Também é uma ideia ruim acabar com a opção pelo lucro real anual. Isso aumentará o custo de conformidade e pode prejudicar bastante negócios que enfrentam grande sazonalidade.

ConJur — Há algum ponto positivo?
Luciana Aguiar — Revisar benefícios fiscais concedidos nos últimos anos é um ponto que me parece acertado, ao menos em tese. Incentivos fiscais precisam ser revisados comparando sempre o custo (renúncia) x benefício (ganhos macro econômicos). Não adianta ter uma boa intenção e não ter clareza se a intenção se converteu em benefícios para o desenvolvimento do país.

Sobre as mudanças na tributação das operações financeiras, é sempre importante ter em mente que essa tributação tem fatores indutores importantes quanto à alocação de recursos.

"Benefícios" concedidos normalmente não miram o investidor individualmente, mas os efeitos indutores que provocam na economia. A isenção das LCIs e LCAs teve por objetivo reduzir o custo de financiamento da atividade imobiliária e agro, o que de fato aconteceu. As alíquotas regressivas em função do prazo nas operações de renda fixa geram melhor capacidade de organização do mercado para empréstimos e financiamentos oferecidos pelas instituições financeiras. Mudanças nessas regras precisam ser muito bem planejadas porque causam efeitos colaterais dos mais diversos.

A primeira versão do PL 2.337 aparentemente partiu da premissa de que a mobilidade de capital não é tão grande como de fato é. As versões seguintes já corrigiram os principais pontos, mas ainda é possível prever um contencioso relevante em relação à tributação de fundos fechados pela presunção de pagamento ou crédito de ganhos no sistema "come-cotas" inclusive em relação aos ganhos acumulados até 31/12/2021.

ConJur — O que faltou, então?
Luciana Aguiar — É preciso fazer estudos profundos que deem embasamento a cada uma das mudanças e que reduza o ruído na tramitação. O Brasil precisa aprender a conviver com o "convencimento" com base em dados e fatos (bem fundamentado, portanto) e com uma visão mais holística dos temas.

Para termos uma mudança profunda, não basta olhar as consequências para o Erário, é preciso pensar nas consequências para o contribuinte. É o que os estudiosos de governança tributária chamam de análise ponto-a-ponto (Fisco-Contribuinte-Fisco), imaginando que as escolhas racionais ocorrem e devem ocorrer. Nesse caso, parece que faltou fazer isso e agora estamos, lamentavelmente, correndo atrás do prejuízo enquanto o projeto tramita em regime de urgência.

ConJur — Mas a ideia de simplificar a carga tributária não é positiva? Unificar o PIS e o Cofins, por exemplo, não seria uma simplificação?
Luciana Aguiar — Sem dúvida, seria uma simplificação. Assim como unificar imposto de renda e contribuição social poderia ser. Mas é uma simplificação bem pequenininha. Porque no caso de PIS e Cofins, por exemplo, as duas bases são idênticas. Então, o trabalho para fazer duas apurações, na verdade, é quase nenhum. É só replicar um trabalho que já estava feito.

A simplificação poderia vir se, por exemplo, se procurasse entender nas obrigações acessórias aquilo que já é exigido em outras e eliminar algumas exigências.

Pegando o exemplo das empresas de economia compartilhada: você faz um monte de operação. Para emitir as notas fiscais, precisa ter pessoas que ficam lá digitando aqueles informações. Existe um exército de pessoas digitadoras de informação de nota fiscal. E depois, há uma série de outras obrigações que são cumpridas a partir das informações que já tinham sido dadas e que vão precisar ser conciliadas novamente, revisadas novamente. Quando você precisa dar a mesma informação de formas diferentes muitas vezes, isso gera um retrabalho.

ConJur — É uma espécie de terceirização do trabalho do governo? Ele transfere a responsabilidade para o contribuinte, obrigando a preencher tabela várias vezes?
Luciana Aguiar — Como auditora, eu entendo que muitas vezes ter a confirmação por um terceiro de alguma informação que é necessária tem muita utilidade para o trabalho de auditoria. Então, se pedir para o banco fazer o informe de rendimentos para os clientes e disponibilizar uma obrigação acessória para a Receita Federal espelhando isso que ele fez para os clientes, a Receita Federal consegue fazer o cruzamento da informação.

Em outros casos, o que a gente pode dizer é que talvez seja mais desorganização. Alguém acha que é muito importante fazer essa obrigação, outra turma acha que é muito importante fazer outra obrigação, e a impressão expressão que eu tenho é que muitas vezes cada um olha para o seu objetivo e não enxerga que poderia atingir aquela informação por outro caminho que já existe, por uma base de dados.

Nós sabemos que a Receita Federal é bem equipada em termos de equipamentos, de inteligência artificial. Mas a questão não é nem como eles trabalham os dados, e sim como eles solicitam os dados. É importante, para quem precisa da informação, saber pedir. Isso, aqui no Brasil, ainda é uma coisa que não está tão presente nas demandas que os contribuintes têm de obrigação acessória. Então o contribuinte se sente sobrecarregado.

ConJur — A crise da Covid fez o Supremo adotar mais amplamente o Plenário Virtual. Isso agilizou o julgamento de muitos temas tributários importantes, mas por outro lado essa ampliação foi muito criticada, porque esses julgamentos se deram sem o debate necessário. Qual a opinião da senhora?
Luciana Aguiar — Isso é visto no Supremo de uma maneira mais evidente, mas está acontecendo em outras instâncias também. A ampliação do plenário virtual muitas vezes representou um prejuízo para o mérito em benefício do tempo. Em muitas situações, a crítica é que o ministro "não entendeu exatamente o meu ponto". É para isso que existe audiência, a oportunidade do advogado se manifestar.

O plenário virtual para causas que envolvem repercussão geral, que envolvem uma consequência financeira muito impactante para as empresas, acaba gerando a sensação de um cerceamento do debate que é necessário para o processo. Apesar de ser algo legítimo.

Principalmente nesses processos de repercussão geral, de grande repercussão para muitos contribuintes, fazer julgamento em plenário virtual deveria ser só um último recurso, e não uma forma de agilizar. A gente sabe que não existe nenhuma Corte Suprema no mundo afogada em trabalhos como a nossa, mas essa não é a melhor forma de resolver.

ConJur — A AGU divulgou que as vitórias do governo sobre o contribuinte superaram os R$ 600 bilhões no ano passado. O que se percebe é que existe essa preocupação de fundo, nos julgamentos tributários, com o possível de impacto de uma decisão para os cofres públicos. É papel do Judiciário levar em consideração a viabilidade financeira do governo quando vai interpretar as leis?
Luciana Aguiar — Essa pergunta faz a gente voltar várias casinhas. Tem a questão do consequencialismo, que muitos acadêmicos discutem, que é justamente pensar nas consequências da decisão. E pensar nas consequências da decisão é diferente de pensar na repercussão financeira para o erário.

Quando se pensa nas consequências de uma decisão, é papel do Judiciário garantir que a sua decisão seja entendida como uma justiça para que ela não incentive comportamentos contra a lei? Acho que sim. Isso é um consequencialismo que precisa ser levado em consideração pelo Judiciário. Afinal de contas, o Judiciário precisa ajudar a confirmar o ambiente de legalidade, e não o contrário.

Agora, quando a gente fala de questões tributárias, nas vitórias dos contribuintes, a resposta é o argumento: "Ah, mas vai gerar um rombo de R$ 60 milhões". Precisa voltar e entender: por que vai gerar agora um rombo?

Primeiro, não é uma novidade. No momento em que você sabe que existe um contraditório, ninguém tem o direito adquirido enquanto isso não estiver resolvido. Logo, se o governo contava com um dinheiro que ele não tinha certeza que seria dele, contou errado. Se não era seu direito antes, ninguém produziu um rombo. Você que avaliou errado a forma como fazia o seu orçamento.

O segundo ponto é que muitas dessas questões demoram muito, vão se arrastando muito na Justiça. Um exemplo que uso muito em aula é de um caso de ágio, em que a operação societária aconteceu em 2005 e a decisão agora, a favor do contribuinte, TRF-5, aconteceu em 2021. Quem fez a operação, há 15 anos, leu uma doutrina que hoje em dia está superada, de lá para cá essa empresa já perdeu tudo.

Qual é o nosso problema? Há muito tempo se sabe que existe uma controvérsia em determinados assuntos e a lei continua lá com as mesmas brechas, sem que ninguém faça o aprimoramento que ela merece.

Na Lei 12.973 alteraram o conceito de receita bruta. Mas por que alterar o conceito de receita bruta em 2014, por uma discussão, sobre PIS e Cofins, que estava acontecendo desde 1994? Porque levar tanto tempo para aprimorar a legislação, ao invés de cortar o mal pela raiz? Antes disso, fizeram quatro Refis sobre esse assunto. Então, o rombo só existe porque quem precisava tomar atitudes não tomou.

ConJur — Quem tinha que fazer alguma coisa e não fez, no caso, é o legislador?
Luciana Aguiar — Seria o legislador. Mas a gente conhece o nosso país. As legislações nascem e podem nascer com defeitos? Podem. E é o legislador que precisa fazer o aprimoramento, não é o Judiciário. É evidente que, aqui no Brasil, o legislador recebe uma grande influência na assessoria técnica da Receita Federal, nas questões nacionais. Logo, à medida que estão lá muito habilitados, capacitados e informados, com todos os dados que nós não temos, mas que eles têm, eles também poderiam propor esse aprimoramento. Essa é a questão, deixar o assunto crescer é ruim para todos os lados, só que os contribuintes têm uma capacidade um pouco mais limitada de direcionar esses processos.

ConJur — Vamos falar da "tese do século", que acabou mas ainda não acabou. Quais são as frentes que ainda não ficaram esclarecidas? O que pode acontecer agora nesse caso do RE 574?
Luciana Aguiar — Eu vejo acontecer com essa tese o mesmo que aconteceu quando decidiram sobre a constitucionalidade do parágrafo 1º, do artigo 3º da 9.718, que era a tese chamada do alargamento da base de cálculo de PIS e Cofins. PIS e Cofins nasceu para ser a ovelha negra dos tributos. Naquela época, também se passou 15 anos discutindo no Judiciário.

Depois que decidiram que o alargamento do conceito de receita bruta, os contribuintes começaram a fazer suas compensações. O que aconteceu depois? A Receita Federal autuou vários contribuintes, falando: "olha, você ganhou mesmo, mas entendeu errado que você ganhou".

O que eu vejo que vai acontecer agora no ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins é semelhante. Na medida em que forem feitas essas autuações, os contribuintes vão ter que se defender. E isso ainda vai gerar muita discussão. Tem várias teses filhotes saindo dessa, e vai ser curioso ver como essas teses filhotes vão se desenvolver, porque já dá para ver que não existe uma vontade de seguir um caminho uniforme, coerente.

Por exemplo, ISS na base de cálculo PIS/Cofins. Para mim, é muito mais direito o ISS não ser receita, até do que o ICMS. O ISS é um ativo. É muito mais fácil e lógico identificar que não se trata de receita. No entanto, não dá para cravar que decisão será a mesma.

ConJur — Há um alargamento da admissão de constitucionalidade das contribuições? Isso é preocupante?
Luciana Aguiar — O que eu vejo nesse momento é uma grande pressão em função das contas públicas. O que preocupa, de muitas formas, é que desde a Constituição de 88 as contribuições sociais se tornaram o grande protagonista do orçamento público. É a forma como a União consegue reter recursos para distribuir. E enquanto a reforma administrativa não é feita, nosso país gasta muito e cada vez o nosso orçamento precisa ser maior. A tendência é que as contribuições sociais sejam mais protagonistas.

E claro, existe uma pressão grande também para que as decisões em relação a elas sejam mais favoráveis ao erário. Pragmaticamente, estamos diante de um problema real, que é um problema orçamentário, de déficit público grande no Brasil. E, obviamente, isso é levado em consideração.

Infelizmente, tudo é judicializado e isso acaba chegando de alguma maneira na nossa Justiça que, claro, leva o orçamento público em consideração, porque são pessoas que de alguma maneira também se preocupam também com a solvência do do Brasil.

Do jeito que as coisas vão, o que eu vejo é que a contribuições sociais serão cada vez mais protagonistas na carga tributária. E não existe outra maneira de solucionar essa questão sem reduzir o gasto.

ConJur — A atuação do Judiciário tem ajudado a resolver os problemas tributários do país ou tem mais ajudado a piorar?
Luciana Aguiar — Sobra ao Judiciário resolver questões que estão não resolvidas há muitos anos, e nem sempre essa atuação ajuda a diminuir nosso caos tributário.

O que existe hoje em dia é uma combinação que é prejudicial para o Brasil: um ambiente tributário muito complexo e juízes, que não são super-homens, que precisam entender de vários assuntos diferentes, de crime e de legislação de imposto de renda. É muito complexo imaginar.

E tudo é constitucional. A nossa Constituição é enorme, do ponto de vista tributário. Então muitas coisas chegam nas Cortes Superiores, e encontram um funil, um gargalo, muito grande. Porque tem muito trabalho, muita demanda.

Então o Judiciário — não por má atuação — prolonga muitas discussões e dá a sensação para o contribuinte de que as questões nunca são resolvidas.

Mas também acho que a culpa não é do Judiciário. Nós temos um sistema que é muito disfuncional, uma regra muito complicada e uma Justiça que não é especializada para essa regra tão complicada.


Lawtech e legaltech: o que é este mercado e por que é tão promissor no Brasil?

Por Márcio Padrão | Editado por Claudio Yuge | 16 de Agosto de 2021 às 14h20

Que a justiça brasileira é muito lenta, isso não é novidade. De acordo com o relatório mais recente do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), mais de 77 milhões de processos estavam em tramitação até o final de 2019. Seria preciso seis anos e sete meses para concluir estas ações. É neste território árido que as legaltechs e lawtechs encontram seus potenciais mercados. São as startups que criam soluções para agilizar a vida burocrática em diversas esferas.

Por enquanto, ainda são minoria no ecossistema brasileiro. Este levantamento da ABStartups (Associação Brasileira de Startups) aponta que elas representam 1,62% do mercado. Por outro lado, o CNJ também diz que nove em cada dez ações judiciais são atualmente iniciadas em um computador, um celular ou um tablet. Dez anos antes, a proporção era de uma a cada dez. Ou seja, a demanda existe e é alta.

As companhias já criaram até mesmo seu próprio “clube”, a AB2L (Associação Brasileira de Lawtechs e Legaltechs), que reúne empresas, escritórios e autônomos. São mais de 500 associados, dos quais 115 são startups. Elas atuam em temas como automação de documentos, compliance (políticas internas da empresa), monitoramento e gestão de documentos cartorários.

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Por que isso é importante?

Atualmente, empresas de diversos portes e órgãos públicos estão atrás dessas startups para conseguirem soluções que otimizem e acelerem nossa papelada. Portanto, processos que antigamente duravam meses ou anos podem levar muito menos tempo. E aquele documento que você precisava tanto para comprar uma casa ou conseguir um empréstimo no banco tende a sair muito mais rápido.

“Você não vai mais pegar em papel, essas coisas não vão mais existir. Os investimentos na Bolsa são todos automatizados, mas a emissão desses papéis ainda é analógica. Mas tudo isso vai ser 100% digital. Startups do setor financeiro vão ter que comprar legaltechs para agilizar processos”, prevê Bruno Rondani, fundador da plataforma 100 Open Startups.

Um exemplo disso é a Jusbrasil, criada na Bahia em 2008 e focada em ser uma plataforma-ponte entre advogados e clientes, além de reunir toda a legislação e jurisprudência existentes de forma acessível. Das mais recentes, dois destaques são a Linte, software em nuvem que pode ajudar o poder público a automatizar contratos e conduzir licitações; e a Docket, que digitaliza e analisa documentos de diversos tipos. Esta última diz ter crescido 176% só nos primeiros seis meses deste ano.

A pandemia de COVID pode ter ajudado neste contexto, já que cada vez mais as pessoas estão evitando sair de casa ou pegar em objetos. “Isso influenciou no ano passado, quando colhemos os frutos da digitalização de processos. Mas em 2021 a gente se especializou em mercados que vêm performando muito bem durante a crise. Foi uma conjunção de fatores”, disse Pedro Roso, CEO da Docket, referindo-se aos setores de imóveis, agronegócio e bancos, principais clientes da startup.

Ainda há um longo caminho a percorrer para as lawtechs e legaltechs acabarem de vez com o papel nos cartórios e arquivos de todas as empresas e órgãos públicos. É preciso, por exemplo, investir na inclusão digital de toda a população brasileira. Este mercado também precisa de mais fôlego: até o momento, a canadense Clio é o único unicórnio (que vale mais de US$ 1 bilhão) deste nicho. “O próximo passo é ter mais investimentos no setor. Esperamos um número maior de IPOs [aberturas de capital na Bolsa] neste cenário também”, afirma Roso.