Indústria cresce 8,9% em junho, puxada por alta na produção de veículos

Editoria: Estatísticas Econômicas | Alerrandre Barros

A produção da indústria brasileira cresceu 8,9% em junho, na comparação com maio (8,2%), segundo a Pesquisa Industrial Mensal (PIM), divulgada hoje (4) pelo IBGE. Essa foi a segunda alta seguida, mas ainda insuficiente para reverter a perda de 26,6%, acumulada pelo setor nos meses de março e abril, após o início do isolamento social para controle da pandemia de Covid-19.

“Embora tenha crescido numa magnitude importante, acumulando expansão de 17,9% nos meses de maio e junho, a produção industrial ainda está longe de eliminar a perda concentrada nos meses de março e de abril. O saldo negativo desses quatro meses é bastante relevante (-13,5%)”, afirma o gerente da pesquisa, André Macedo.

A produção está abaixo do que operava em 2019. Na comparação com junho do ano passado, o setor recuou 9,0%. A indústria registrou recorde negativo no fechamento do segundo trimestre deste ano (-19,4%). No acumulado do primeiro semestre, caiu 10,9%, e no ano, recuou 5,6%, queda mais elevada desde dezembro de 2016 (-6,4%).

 Em junho, o avanço foi generalizado, em todas as grandes categorias econômicas e em 24 dos 26 ramos pesquisados. A alta de 8,9% foi a maior desde junho de 2018 (12,9%), quando o setor retomou a produção logo após a greve dos caminhoneiros. Mesmo com o desempenho positivo em junho deste ano, a indústria ainda está 27,7% abaixo do nível recorde alcançado em maio de 2011.

Entre as atividades, André Macedo destaca a influência positiva, mais uma vez, de veículos automotores, reboques e carrocerias, que avançou 70,0% em junho, puxado, principalmente, por carros e caminhões. “Esse setor acumulou expansão de 495,2% em dois meses consecutivos de crescimento na produção, mas ainda assim está 53,7% abaixo do patamar de fevereiro”, observa o gerente da pesquisa.

Outro destaque positivo, em magnitude, veio de outros equipamentos de transporte, que cresceu 141,9%. “Motocicletas estão dentro dessa atividade. Ela também vem tendo expansões significativas desde maio (57%). Esses avanços, contudo, estão longe de suplantar as perdas observadas em março e abril”, afirmou Macedo.

Indústrias alimentícias e derivados do petróleo têm queda de 1,8%

Por outro lado, as indústrias de alimentos e de coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis recuaram 1,8% em junho. “A indústria alimentícia tem uma dinâmica diferente do restante do setor industrial, devido às suas características relacionadas ao abastecimento. Ela vinha de resultados positivos, quando a indústria, de forma geral, estava em queda. Os crescimentos nos meses anteriores, combinados com uma queda no açúcar, resultou no recuo registrado em junho. Alimentos, porém, têm um saldo positivo, diferente da média da indústria”.

Já coque, produtos derivados do petróleo e biocombustíveis caem após expansão de 16,3% em maio, quando a atividade interrompeu três meses de consecutivos de queda na produção, que acumularam perda de 20,1%. “O recuo da atividade em junho é natural, em função do avanço maior observado em maio”, disse André Macedo.

Grandes categorias também crescem pelo segundo mês seguido

Entre as grandes categorias econômicas, bens de consumo duráveis (82,2%) e bens de capital (13,1%) registraram taxas positivas mais acentuadas em junho do que em maio, indo para o segundo mês seguido de expansão na produção e acumulando nesse período avanços de 287,4% e 47,3%, respectivamente. Mesmo com resultados positivos, esses segmentos ainda estão bem abaixo do patamar de fevereiro (-40,1% e -27,1%).

Os setores produtores de bens de consumo semi e não-duráveis (6,4%) e de bens intermediários (4,9%) também tiveram taxas positivas em junho, com ambos avançando abaixo da média da indústria (8,9%), mas marcando o segundo mês consecutivo de crescimento na produção e acumulando nesse período ganhos de 17,7% e 10,7%.


Reforma tributária ou endividamento? Semelhanças, diferenças e consequências

Por Fernando Facury Scaff

Este é um texto contraintuitivo, para se pensar fora da caixinha em que estamos sendo colocados, como se a crise econômica brasileira só pudesse ser solucionada através de uma reforma tributária. Como dizia Millôr Fernandes, com ironia, o livre pensar é só pensar. Logo, com ousadia, vamos pensar.

A tributação faz parte de um contexto maior, orçamentário, estudado pelo Direito Financeiro, que se caracteriza por ser um sistema de vasos comunicantes, isto é, qualquer modificação na receita acarretará impactos na despesa e assim por diante, pois trará a necessidade de reorganização dos agentes econômicos públicos e privados. Isso, por si só, já aponta para a inadequação de uma reforma tributária de vulto neste momento histórico, pois os governos brasileiros estão falidos, também em face da pandemia sanitária. Assim, será a reforma tributária uma solução ou necessariamente aponta para aumento de carga tributária? Ajustes são sempre bem vindos, mas reforma, com “r” maiúsculo, parece inadequada neste momento.

O ideal, sob meu ponto de vista, seria olharmos para a experiência europeia, na qual os países, reunidos sob a forma de confederação, aprovaram um pacote de endividamento por emissão de títulos públicos no valor de 750 bilhões de euros, e distribuição desses recursos para que cada país adote, de forma coordenada, políticas de soerguimento das atividades econômicas e combate ao desemprego. Isso implica em que as políticas que vierem a ser adotadas na Grécia ou Portugal, que possuem tradição de turismo de verão, sejam diferentes daquelas que vierem a ser implementadas pela Polônia ou Alemanha. Esse exemplo é adequado para a federação brasileira, uma vez que as atividades econômicas no Nordeste são radicalmente diferentes daquelas da Amazônia ou do Sul do país.

Ocorre que, ao invés da União optar pelo endividamento, optou pela reforma tributária – quais as diferenças e semelhanças, e ainda mais importante, quais as consequências?

Comecemos pela semelhança. Tanto na Europa com o endividamento, quanto no Brasil, com a modificação tributária, quem pagará o pato serão os contribuintes em primeiro lugar, e, em última instância os consumidores de bens e serviços.

Já as diferenças e as consequências são enormes. Vamos tentar listá-las de forma didática.

Primeira diferença. A proposta brasileira visa resolver o problema de caixa dos governos pela via da receita. A proposta europeia busca solução pela dívida.

Segunda diferença. A dívida europeia será paga sem aumento de tributos, no longo prazo. No Brasil, os consumidores de bens e serviços pagarão imediatamente a carga tributária majorada.

Terceira diferença. O Brasil vai onerar as atividades produtivas, e até algumas sem qualquer produtividade através da CPMF travestida, cuja incidência ocorre pela singela movimentação bancária. As propostas brasileiras aumentam a carga tributária, sendo que algumas preveem vigência logo após seis meses de aprovada, como a do Pis e a da Cofins. A proposta europeia é para pagamento da dívida em trinta anos.

Essas diferenças geram consequências, pois, na fórmula europeia a tributação regular pagará essa receita antecipada, com o necessário compromisso de austeridade fiscal futura para que, em trinta anos essa dívida possa ser paga em suaves prestações. No Brasil o pagamento dos tributos será aumentado praticamente de imediato, ou seja, toda a sociedade deverá pagar mais caro pelo consumo de bens e serviços, em face da ampliação da carga tributária.

Fica uma dúvida. Quem emprestaria dinheiro ao Brasil, caso houvesse a opção pelo endividamento? Penso que muita gente.

Consta que há um excesso de liquidez no mercado, fruto da redução do consumo, entre outros fatores. Com a queda dos juros em nível mundial, o que também ocorreu no Brasil, a Bolsa de Valores subiu durante a crise, injetando dinheiro diretamente nas empresas – o que é muito bom, porém se trata de investimento de alto risco.

Eis aqui uma oportunidade para os governos oferecerem opções com menor risco aos investidores mais conservadores, ou para aqueles que buscam diversificar sua carteira, como a dos títulos públicos da dívida estatal (“dívida soberana”). Hoje o site do Tesouro Direto oferece taxa de 6,54% ao ano (sem correção monetária) para quem quiser investir em um título público até janeiro/2031. Há também a oferta de remunerar com juros de 3,39% mais IPCA quem quiser investir em títulos com vencimento em março/2035. Observe-se que o Brasil no início de junho deste ano, em plena pandemia, conseguiu atrair investidores no mercado norte-americano, obtendo US$ 1,25 bilhões com vencimento em junho/2025 oferecendo juros de 3% ao ano, e ainda obteve US$ 2,25 bilhões para vencimento em junho/2030, com juros de 4% ao ano. Isso aponta para confiança no Brasil a médio e longo prazos.

Seguramente nossos economistas saberão desenhar algumas opções com remuneração condizente que atraiam investidores para o médio e longo prazo, expressos em moeda nacional ou estrangeira.

A ideia de calote na dívida pública brasileira ficou no passado. Até mesmo os governos que foram alegadamente de esquerda honraram o pagamento da dívida pública com juros altíssimos, em nome da governabilidade. No governo atual, de direita, nem se há de cogitar em calote. E as garantias constitucionais e legais ao pagamento dos credores da dívida pública são enormes, sem paralelo no mundo civilizado, constituindo-se em verdadeiras cláusulas pétreas orçamentárias, como expus em texto acadêmico1.

Enfim, pensando fora da caixinha, é oportuno fazer uma reforma tributária (com “r” maiúsculo) agora? Além de tudo o que foi exposto, isso não afastará investidores em razão da insegurança jurídica daí advinda? Reitero que ajustes no sistema serão sempre benvindos, mas não é isso que se tem na mesa do governo.


1 SCAFF, Fernando Facury, Orçamento republicano e liberdade igual – Ensaio sobre Direito Financeiro, República e Direitos Fundamentais no Brasil. Editora Fórum: Belo Horizonte, 2018.


Tributação da folha e CPMF

Na semana passada, o assessor especial do Ministério da Economia, Guilherme Afif Domingos, anunciou que o governo está trabalhando numa proposta para desonerar a folha de pagamentos em 25%, para todas as faixas salariais, compensando a perda de receita através de um imposto digital – que, ao que tudo indica, seria uma reedição da CPMF.

Embora a desoneração da folha de salários seja uma agenda importante, a forma de implementar essa desoneração e a forma de financiar a consequente perda de receita são essenciais para que a mudança tenha efeitos positivos. A proposta descrita acima parece estar equivocada nas duas dimensões.

Inicialmente, é importante ter em conta que as contribuições incidentes sobre a folha de salários têm como principal objetivo financiar benefícios previdenciários concedidos aos trabalhadores cujo salário é onerado pelas contribuições. Do ponto de vista econômico, é indiferente se essas contribuições são recolhidas pelo empregador ou pelo empregado, pois o relevante é a cunha fiscal, ou seja, a diferença entre o custo do empregado para a empresa e o salário líquido percebido pelo trabalhador.

Desse ponto de vista, é importante que haja uma correlação entre o valor das contribuições e os benefícios gerados.

Idealmente, o custo das contribuições para a previdência pública (INSS) deveria ser equivalente ao custo de uma previdência privada de baixo risco que gerasse os mesmos benefícios. Em termos econômicos, diz-se que deve haver um equilíbrio atuarial entre contribuições e benefícios.

A desoneração quase completa das contribuições sobre folha, na forma aventada pelo dr. Afif Domingos, pode não ser adequada. Contribuições muito inferiores às que garantem o equilíbrio atuarial são equivalentes a um subsídio aos benefícios, que seria financiado por toda a sociedade. Esse desequilíbrio tem várias consequências indesejadas. Por um lado, haveria um estímulo a ações pouco éticas, como a contratação de parentes por proprietários de empresas, apenas visando à geração de benefícios previdenciários com baixo custo. Por outro lado, o modelo resultaria em iniquidades distributivas, na medida em que tributos incidentes sobre pessoas de baixa renda (inclusive a CPMF) estariam financiando subsídios à previdência de trabalhadores com renda de até R$ 6 mil, valor bem superior ao rendimento médio do trabalho no País.

Mesmo como estratégia de geração de empregos, a redução da contribuição patronal sobre a folha tem efeitos limitados. Ainda que no curto prazo possa haver algum efeito positivo, dado o alto nível de desemprego atual, no longo prazo a desoneração da folha tende a se refletir em maiores salários, e não em mais empregos ou maior rentabilidade para as empresas. Esse é o resultado previsto pela teoria e comprovado em vários casos práticos de mudança na tributação da folha de salários.

Uma boa desoneração da folha de salários deveria ter como objetivo não uma redução linear das contribuições, mas sim a eliminação (ou redução) de tributos que incidem sobre a folha e não geram benefícios. Tal mudança – que contemplaria, entre outros, a desoneração do primeiro salário mínimo de todos os salários – teria resultados mais consistentes com um custo menor que a desoneração linear da folha.

Por fim, cabe discutir a forma de financiamento da desoneração da folha. A CPMF não parece ser uma boa alternativa, pois, além de cumulativa – onerando investimentos e exportações –, é um tributo que estimula a desintermediação financeira e prejudica o funcionamento eficiente da economia ao reduzir a liquidez dos mercados.

Não há por que substituir um tributo distorcivo sobre a folha por outro tributo distorcivo sobre transações financeiras. A melhor forma de financiar a desoneração da folha é corrigindo outras distorções do sistema tributário – principalmente distorções na tributação da renda, que fazem com que parcela relevante dos brasileiros de alta renda seja pouco tributada.

*DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL


Maia: novo imposto gera ilusão de que vamos ter dinheiro para tudo

Rodrigo Maia defendeu prioridade às reformas que busquem melhorar a qualidade do gasto público e a produtividade

04/08/2020 - 00:27

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que é ilusão achar que a criação de um novo imposto vai resolver os problemas do Brasil. Para Maia, o importante é retomar os debates sobre as reformas que buscam melhorar a qualidade do gasto público e a produtividade do País.

As declarações foram feitas durante entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, na noite desta segunda-feira (3).

“Minha maior preocupação é que temos que voltar para o eixo do debate: a qualidade do gasto público. Estão querendo encontrar atalhos ao invés de fazer reformas”, afirmou o presidente da Câmara.

Maia cobrou mais uma vez que o governo encaminhe a reforma administrativa e disse acreditar que a reforma tributária será aprovada neste ano pela Câmara. Ele avaliou que é preciso dar mais competitividade para garantir o crescimento sustentável da economia brasileira.

“Aumentar a carga tributária vai segurar qualquer possibilidade de crescimento”, disse.

Pandemia
Rodrigo Maia afirmou que o Parlamento teve um papel importante no combate à crise provocada pela pandemia da Covid-19. Segundo ele, o presidente da República, Jair Bolsonaro, errou ao minimizar o impacto do coronavírus. “O Congresso fez muito mais do que era sua responsabilidade”, declarou.

Maia deu como exemplo de ação positiva da Câmara em relação à pandemia a emenda que criou a chamada PEC do “orçamento de guerra”, que segrega o orçamento fiscal do orçamento de combate à Covid-19 enquanto durar a calamidade pública. Para ele, “a emenda deu as condições para o Brasil ser governado no enfrentamento da crise”.

O presidente da Câmara citou também o auxílio emergencial, que nasceu de uma proposta do deputado Eduardo Barbosa (PSDB-MG); os avanços na MP 936/20, que autorizou o corte de salários e de redução de jornada para manutenção de empregos; o aperfeiçoamento das propostas encaminhadas pelo governo para garantir crédito para as empresas; e a ajuda aos estados e municípios.

“O presidente [Bolsonaro] errou na questão de minimizar o impacto da pandemia, da perda de vidas, vamos chegar a 100 mil vidas. Acho que ele minimizou isso e criou um falso conflito [sobre isolamento]: o problema não está atrelado à economia, está atrelado ao vírus”, afirmou.

Meio ambiente
Maia reafirmou que a agenda ambiental é uma pré-condição para garantir investimento no País. Segundo ele, o Brasil precisa de capital externo e, além da questão fiscal, a situação do meio ambiente, particularmente da Floresta Amazônica, é fundamental.

“Estamos fazendo nossa parte. Essa agenda do meio ambiente, se continuar indo para onde vai, é uma agenda suicida: o Brasil não vai crescer, o desemprego vai continuar crescendo e vamos ter muitas dificuldades nos próximos anos”, ressaltou Maia.

Reportagem – Luiz Gustavo Xavier
Edição – Pierre Triboli

Fonte: Agência Câmara de Notícias


Dividendos “isentos” são taxados em 34%

A trajetória da tributação dos dividendos demonstra a fragilidade da solução apontada pelo governo

Por Samir Nemer

Se há um assunto no Brasil unânime é a necessidade de se repensar o sistema tributário, elevando-o a um patamar aceitável de simplicidade, transparência e equidade à melhoria do ambiente de negócios no país.

A ausência dessas características produz diversas consequências negativas, como distorções distributivas em que situações equivalentes são tributadas de forma discrepante; redução da produtividade e da competitividade; tributação sobre investimentos e a folha de pagamento; excesso de regimes especiais; dentre tantas outras deformações.

No Brasil, com mais de 60 tributos federais, estaduais e municipais, uma empresa gasta, em média, 62,5 dias ou 1.501 horas ao ano para pagar impostos, mostra o estudo Doing Business, do Banco Mundial. O país lidera a lista de maior tempo gasto para o pagamento tributário, seguido da Bolívia, onde são necessárias 1.025 horas anuais. Entre o grupo de países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), esse tempo é, em média, de 158,8 horas. Na América Latina e Caribe, é de 317 horas por ano, 21% do total do que os empresários brasileiros gastam.

Sem dúvida é preciso mudar. Mas qual caminho seguir? Certamente não será tributando os dividendos gerados pelo setor produtivo nacional, como vem defendendo abertamente o Ministério da Economia nos últimos meses. Em recente declaração, o ministro Paulo Guedes afirmou que o governo incluirá tributação de dividendos na reforma tributária. “Não quero tributar empresa, mas se o dinheiro sair para o acionista, aí você tributa o dividendo. Não é possível que alguém pague zero sobre dividendo enquanto o trabalhador paga 27,5%”.

Mas, no Brasil, o lucro das empresas é tributado em 34%, pois já incluída nesta alíquota a tributação sobre os dividendos, conforme dispõe a Lei 9.249/95, que derruba o discurso do ilustre ministro.

A trajetória da tributação dos dividendos demonstra a fragilidade da solução apontada pelo governo. Os dividendos passaram a ser tributados a partir de 1988 pelo ILL – Imposto Sobre o Lucro Líquido – (artigo 35 da Lei 7.713), que incidia à alíquota de 8% sobre o lucro líquido comercial, em retenção na fonte. Em 1991, esse imposto passou a incidir somente sobre dividendos remetidos ao exterior (artigo 77 da Lei 8.383). Em 1992 e 1993, houve isenção dos lucros já tributados na pessoa jurídica. E no ano seguinte, a distribuição de lucros e dividendos voltou a ser tributada à alíquota de 15% (Leis 8.849/94 e 9.064/95).

Portanto, até 1995, os dividendos eram diretamente taxados na alíquota de 15%, mas com uma enorme diferença do cenário atual: a carga tributária no país era de 28,90%, e não os atuais 35% do PIB, conforme apontam diversos estudos.

A Lei 1.926/1995 estabeleceu que os dividendos calculados com base nos resultados apurados pelas empresas, a partir de janeiro de 1996, não ficariam sujeitos à incidência do Imposto de Renda Retido na Fonte e tão pouco integrariam a base de cálculo do imposto de renda do beneficiário. E sua distribuição isenta, dado que o pagamento do imposto seria de responsabilidade da pessoa jurídica. Na distribuição do lucro, após tributação na empresa, na forma de dividendos a seus sócios ou acionistas, estes passariam a declarar tal rubrica como isenta em suas declarações de imposto de renda.

Assim, esta lei apenas atenuou a carga tributária incidente sobre os dividendos no país, não sendo correta a ideia de que gozam de isenção plena, dada sua tributação reflexa.

Além disso, a referida norma veio facilitar a fiscalização, pois até 1995, os tributos eram recolhimentos de forma difusa por todos as empresas de um mesmo conglomerado e seus respectivos acionistas. A partir de 96, os recolhimentos passaram a ser concentrados na empresa que distribui os resultados, objetivando aumentar a eficiência fiscalizatória e, consequentemente, a arrecadação.

Diferentemente do imaginário popular, a dita “isenção dos dividendos” não beneficia apenas grandes empresas e multimilionários. Há 6,4 milhões de estabelecimentos, sendo 99% micro e pequenas empresas, responsáveis por 52% dos empregos com carteira assinada (16,1 milhões). Ou seja, a tributação dos dividendos afetará os micro e pequenos empresários, além de aumentar a chaga do desemprego.

E qualquer discussão a este respeito deve vir atrelada à atualização da tabela do imposto de renda. Se levada a efeito, aproximadamente 10 milhões de brasileiros ficariam isentos do imposto ou mesmo teriam uma carga tributária mais justa e equitativa. Isso porque as deduções legais com dependentes e educação dobrariam seu valor, tendo como consequência menos impostos ou maior restituição.

Samir Nemer é advogado tributarista, sócio do Furtado Nemer Advogados e membro do Grupo de Trabalho Fazendário da Secretaria de Estado da Fazenda do Espírito Santo (GTFAZ)


Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional prorroga suspensão dos atos de cobrança até 31 de agosto

A medida abrange a suspensão da rescisão de parcelamentos por inadimplência e o envio de débitos para cartórios de protesto
Publicado em 31/07/2020 18h39

A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) prorrogou, até 31 de agosto, a suspensão temporária dos atos de cobrança em decorrência da pandemia causada pelo novo coronavírus. A medida foi estabelecida pela Portaria nº 103, de 17 de março de 2020, do Ministério da Economia, e regulamentada pela Portaria PGFN nº 7.821, de 18 março de 2020, que teve o prazo prorrogado pela Portaria PGFN nº 18.176, de 30 de julho de 2020. Confira como estão os atos de cobrança suspensos:

Rescisão de parcelamento por inadimplência

Parcelamentos que incidam em motivo de rescisão, por falta de pagamento, não serão rescindidos durante o período de suspensão. Ao final desse prazo, o contribuinte que deixar acumular parcelas em atraso poderá ser excluído do parcelamento, caso não regularize a situação.

As parcelas referentes aos meses de maio, junho e julho – as quais tiveram as datas de vencimento prorrogadas para agosto, outubro e dezembro de 2020, respectivamente – não contarão como parcelas em atraso. Embora, no sistema, essas parcelas não quitadas possam constar como atrasadas, na prática essa pendência não será considerada como causa para rescisão de parcelamento até a nova data de vencimento.

Envio de débitos para protesto em cartório

A medida alcança apenas a suspensão do envio de certidões de dívida aos cartórios de protesto. Sendo assim, os débitos já protestados continuarão nessa situação até que sejam regularizados, por meio de pagamento, parcelamento ou transação.

Prazo para manifestação de defesa nos procedimentos administrativos

O prazo para manifestação de defesa no Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade e no Procedimento Administrativo de Exclusão de Parcelamento (Pert) está suspenso, retomando a contagem ao final do período da suspensão (30 de agosto).

Além disso, a PGFN também suspendeu o início de novos procedimentos, e, por isso, não haverá novo envio de cartas e publicação de editais de notificação. As cartas eventualmente recebidas e os editais publicados durante esse período são referentes a procedimentos iniciados antes da suspensão dos atos de cobranças.

Prazo para oferta antecipada de garantia em execução fiscal e apresentação de pedido de revisão

A PGFN continua com a rotina de inscrever débitos em dívida da União e do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Entretanto, estão suspensos os prazos para ofertar antecipadamente uma garantia em execução fiscal ou para requerer a revisão da dívida, mesmo para aqueles que já tenham recebido a carta ou venham a recebê-la até 31 de agosto.

Portal Regularize disponível para manifestação

Embora os prazos estejam suspensos, todos os serviços digitais continuam disponíveis no Portal Regularize.


Transação extraordinária e transação por adesão são prorrogadas

Contribuintes terão até 31 de agosto para optar por essas modalidades de negociação
Publicado em 31/07/2020 19h16

A Portaria nº 18.176, de 30 de julho de 2020 e o Edital de Transação nº 5, de 31 de julho de 2020, publicados nesta sexta-feira (31/7), prorrogam o prazo de adesão às modalidades de transação extraordinária e de transação por adesão.

Saiba mais sobre cada uma das modalidades:

Transação extraordinária

A modalidade, disponível para todos os devedores, permite parcelar a entrada — referente a 1% do valor total dos débitos — em até três meses. Já o pagamento do saldo restante poderá ser parcelado em até 81 meses para pessoa jurídica; e até 142 meses, no caso de pessoa física, microempresa ou empresa de pequeno porte, instituições de ensino, Santas Casas de Misericórdia, sociedades cooperativas e demais organizações da sociedade civil de que trata a Lei n. 13.019/2014.

Nessa modalidade de transação não há descontos, mas possibilita alargamento no prazo para pagamento das parcelas e da entrada.

Quem já teve inscrição parcelada ou possui parcelamento ativo também poderá aderir à proposta. No entanto, o contribuinte que tem inscrições parceladas deverá desistir do parcelamento. Nestes casos, a transação será um reparcelamento, então a entrada será equivalente a 2% do valor total dos débitos transacionados.

Transação por adesão

Essa modalidade é mais restrita, pois apenas os contribuintes contemplados no Edital nº 1/2019 podem aderir, por atenderem às seguintes condições: débitos inscritos em dívida ativa da União de pessoas jurídicas baixadas, inaptas ou suspensas no cadastro CNPJ, sem anotação atual de parcelamento, garantia ou suspensão por decisão judicial; débitos inscritos em dívida ativa da União há mais de 15 anos, sem anotação atual de parcelamento, garantia ou suspensão por decisão judicial; débitos inscritos em dívida ativa da União com anotação de suspensão por decisão judicial há mais de 10 anos; débitos inscritos em dívida ativa da União de titularidade de pessoas físicas cuja situação cadastral no sistema CPF seja titular falecido.

Além disso, a modalidade considera apenas os contribuintes com dívida total de até R$ 15 milhões. Para débitos superiores, somente será autorizada a transação individual.

Os descontos oferecidos podem chegar a 50% para a opção de pagamento em parcela única e o prazo pode atingir até 84 meses. Se o devedor for pessoa física, microempresa ou empresa de pequeno porte, o desconto para parcela única pode atingir 70% e o prazo de pagamento pode chegar a 100 meses.

Disposições comuns

No caso de débitos previdenciários, o prazo máximo de qualquer negociação é de 60 meses, por conta de limitações constitucionais.

Além disso, a transação não abrange débitos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), do Simples Nacional e multas criminais. A inclusão dos débitos apurados no regime do Simples Nacional depende da aprovação de Lei Complementar, em tramitação no Congresso Nacional.

Procedimento de adesão

Para aderir à proposta de transação extraordinária ou de transação por adesão, o contribuinte deverá acessar o portal Regularize e selecionar o serviço Negociação de dívida > Acessar o Sispar > clicar no menu Adesão > opção Transação.


Projetos reduzem burocracia tributária, mas carga de impostos pode aumentar

O projeto de reforma tributária enviado ao Congresso pelo governo é considerado mais tímido do que as duas propostas que tramitam na Câmara e no Senado desde o ano passado e traz uma controvérsia em relação à alíquota padrão da nova contribuição, que pode resultar em aumento de carga tributária.

As três propostas têm algo em comum: a oposição da maior parte das empresas do setor dos serviços, que passam a pagar a mesma alíquota do setor industrial.

No ano passado foram apresentadas duas emendas à Constituição para unificar tributos sobre o consumo. Sem o apoio do governo federal e sem consenso entre deputados e senadores, a tramitação de ambas foi deixada de lado após a chegada da pandemia ao país.

Os dois textos tratam de tributos federais, estaduais e municipais que seriam unificados em um imposto sobre valor agregado (IVA) com alíquota estimada em cerca de 25%. A proposta do governo trata de apenas dois desses tributos, o PIS e a Cofins, com alíquota padrão de 12%.

Em todos os casos, trata-se de um sistema que prevê a utilização de crédito, a partir do tributo pago pelos fornecedores de insumos, para reduzir o imposto a recolher.

A cobrança também se dá "por fora". Ou seja, a nova CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) não integra a base de cálculo do próprio tributo, algo que ocorre atualmente e já gerou derrotas para o governo no Judiciário.

A legislação dos dois tributos será simplificada. Atualmente, há dois regimes principais: cobrança de 3,65% de forma cumulativa (sem direito a crédito de insumos) e 9,25% com direito a abatimento de crédito. E mais de uma centena de casos especiais.

Apesar de reduzir o número de exceções, a proposta do governo não afeta empresas dos regimes especiais do Simples e da Zona Franca de Manaus. Combustíveis e cigarros mantém o regime atual diferenciado de recolhimento.

Bancos, planos de saúde e seguradoras continuam no regime cumulativo, com alíquota de 5,8%.
Foi dada isenção na venda de imóvel residencial para pessoa física, na operação entre cooperativas e associados, nos produtos da cesta básica e no transporte público coletivo, entre outras exceções.

Guedes entrega reforma tributária ao Congresso
 

Ana Cláudia Akie Utumi, sócia-fundadora de Utumi Advogados, afirma que o mérito da proposta do governo é melhorar a legislação do PIS/Cofins, ao seguir o mesmo modelo de simplificação das propostas da Câmara e do Senado.

"A crítica é que, com os 12%, o governo está cobrando um pedágio, estão colocando uma alíquota que representaria acréscimo de carga tributária sobre o setor de serviços e de empresas que faturam menos de R$ 78 milhões/ano e estão no lucro presumido. E quem vai pagar é o consumidor", afirma Utumi.

"O Simples não é afetado. Então, 85% das empresas não terão mudança. Para os outros 15%, me parece que vai ter aumento da carga", afirma Rodrigo Spada, presidente da Febrafite (Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais) e da Afresp (Associação dos Fiscais de Rendas de São Paulo).

Segundo Spada, a inclusão de tributos estaduais e municipais na reforma do governo levaria a alíquota total a mais de 30%. Ele lembra que, na proposta da Câmara, a alíquota estimada era de 25% a 27% para substituir cinco tributos.

"Seria o IVA mais alto do mundo. Parece que houve um exagero. Imagino que o governo esteja pensando na negociação no Congresso, que vai ter de ceder aqui e ali, mas não deixa de ser uma proposta que não respeita a premissa de que a reforma seja para simplificar e não para aumentar a carga", afirma Spada.

Odair Silva, líder de tributos da Grant Thornton, diz que a reforma do PIS/Cofins é um passo importante, pois sinaliza que o governo entende o problema que é ser o país mais burocrático do mundo em questões tributárias, mas não resolve a simplificação dos tributos sobre o consumo, pois deixa de fora da discussão estados e municípios. Ele também afirma que o aumento da carga para algumas empresas, como as que estão no setor de serviços e recolhem 3,65%, preocupa. Cita ainda o fim do sistema diferenciado para segmentos como automobilístico, beleza e cosméticos e farmacêutico.

"Dá para afirmar que o setor de serviços vai perder. O salto para 12% é um aumento de carga tributária muito pesado. E há uma série de segmentos, como educação, construção civil, telecomunicações, medicamentos, que vão ser impactados", afirma.


Proposta de unificação de impostos na reforma tributária vira pesadelo de municípios

Secretários reclamam que reforma tributária, tal qual apresentada, tira autonomia sobre tributos municipais recolhidos

Reformas substanciais no Brasil costumam demorar a acontecer. E quando acontecem, são cercadas de debates acalorados, polêmicas e discordâncias de todas as partes. Com a reforma tributária, uma reformulação na maneira como os impostos são recolhidos no país, não seria diferente. A reestruturação dos tributos é debatida há décadas e agora, em pleno ano de pandemia, parece ter ganhado um certo fôlego para seguir adiante. Entretanto, a variedade de propostas apresentadas até agora e que ganham força no Congresso parecem convergir para um ponto que se tornou alvo de preocupação e insatisfação por parte dos municípios: a unificação de impostos.

Até o momento, três principais propostas de reforma são debatidas no Congresso. Duas do Legislativo e uma do Executivo. São elas: A PEC 45, cujo conteúdo foi elaborado pelo economista Bernard Appy e é amplamente defendida por Rodrigo Maia na Câmara; a PEC 110, discutida pelo Senado e relatada pelo senador Roberto Rocha e a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes, que parece ser entregue “por camadas” ao Congresso.

Ao que parece, a proposta do Executivo, na figura de Guedes, é a que tem levantado mais polêmicas até agora. O ministro quer recriar a impopular Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira, a CPMF, e defende o novo tributo para compensar o fim da contribuição previdenciária patronal de 20% sobre a folha de salários. O titular do Ministério da Economia alega que essa seria a solução para criar empregos, reduzir a informalidade e que o novo imposto “seria moderno, de caráter digital e difícil de ser sonegado”.

O presidente da República, Jair Bolsonaro, que antes era reticente quanto à ideia da reedição da CPMF, agora sinaliza ter cedido. Em uma conversa recente relatada à Folha de São Paulo, o presidente teria dito que o ministro Guedes pode voltar a testar o apoio ao tributo nas eventuais tratativas com os parlamentares. Entretanto, nos bastidores comenta-se que o presidente reconhece que dificilmente o novo imposto terá endosso do Legislativo.

Conforme Guilherme Afif Domingos, assessor especial do Ministério da Economia, ainda no “bolo” de propostas para reformar a tributação que será apresentado pelo ministro, estão o aumento do limite de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF); a redução das deduções; uma alíquota maior para os mais ricos; e também a taxação de transações financeiras a fim de desonerar as folhas de pagamento.

Entre as mudanças estão o aumento da faixa de isenção (dos atuais R$ 1.903,99 por mês para cerca de R$ 3 mil); redução nas deduções (atualmente há deduções por despesas médicas, por dependentes e por despesas educacionais); diminuição da alíquota de 27,5% (atualmente, a mais alta); criação de uma alíquota maior para os mais ricos; e retomada da cobrança de imposto sobre a distribuição de lucros e dividendos para as pessoas físicas, que existia até 1996.

Porém, mesmo com pontos que se distinguem das propostas do Legislativo, o projeto de reforma de Guedes traz um tópico em comum com elas: a unificação de tributos para a criação de outro. Enquanto a ideia do ministro é a de unificar o PIS e Cofins na chamada Contribuição de Bens e Serviços (CBS), a PEC 45 pende para a unificação em um só imposto de três tributos federais (PIS, Cofins e IPI), um estadual (ICMS) e um municipal (ISS), com a ideia de criar um único imposto sobre bens e serviços. Já a PEC 110 prega a criação de um tributo que substitui nove. A proposta que está no Senado atinge IPI, IOF, PIS/Pasep, Cofins, CSLL Salário-Educação, Cide-Combustíveis. Da alçada estadual, surge o ICMS na PEC 110. E da parte dos municípios vem o ISS.

É justamente essa fusão de impostos apresentada comumente nas três propostas analisadas pelo Congresso que não convenceu os secretários da Fazenda dos Municípios. Para eles, muita coisa precisará ser mudada.

“Nossa visão realmente não é favorável”, diz Danillo Garcia sobre reforma

O secretário de Finanças do município de Senador Canedo, Danillo Garcia Camargo, é um dos que vê as propostas em debate no parlamento com insegurança. Segundo Camargo, a maneira como as mudanças foram expostas aos municípios passa a ideia de retirada de autonomia dos municípios.

“Nós temos receio pela forma como foi apresentada. O município fica com um certo grau de dificuldade naquilo que ele faz. Temos uma dependência dos recursos estaduais e federais e, agora, nesse momento, começar a depender de tudo da União é algo que deixa a gente não só de mãos atadas, mas de mãos, pé e olhos atados”, desabafa.

O secretário avalia que a questão tributária tem pontos característicos e singulares de cada município. Para ele, cada região “conhece a realidade de cada setor e cada empresa”. Camargo acredita que as propostas de reforma tributária, tais quais apresentadas, delimitam o que “os municípios tomam conta”, uma vez que envolve a fusão de impostos municipais, e é categórico ao afirmar que deseja que a reformulação tributária não seja concebida do jeito que está sendo ponderada.

 

O titular das Finanças de Senador Canedo não é o único que está reticente quanto às mudanças apresentadas até agora pelo Congresso e Executivo. O secretário de Aparecida de Goiânia, André Luis Rosa, é outro que considera que os municípios sofrerão grandes prejuízos com o que foi proposto até agora.“Nossa visão realmente não é favorável. Nosso desejo é que não saia [a reforma]. Ir em Brasília captar recursos tem uma certa dificuldade. Agora, naquilo que nós delimitamos, que tem uma receita, uma variável muito boa, que são os tributos municipais, ser tirado da gente é complicado… Nós temos uma secretaria que fica só por conta disso”, conclui.

De acordo com André, as preocupações de Aparecida se voltam para o setor de serviços que será um dos grandes afetados. O secretário explica que esse setor é o que tem a menor alíquota, que varia entre um mínimo de 2% e um máximo de 5 a 6% em alguns municípios. Na proposta de Guedes, a alíquota passaria para 12%.

“No caso de Aparecida, onde você tem ISS variando entre 3%, automaticamente uma empresa teria um aumento de mais de 500% de seu imposto sobre serviço. O setor de serviços não tem cumulatividade. O prestador de serviços, como a rede hoteleira, o restaurante, o professor, a manicure, não tem uma cadeia de prestação de serviço. O imposto dele é no topo. Não tem o que descontar para trás. O impacto na rede de serviços vai ser muito grande”, expõe.

André adianta que, em Aparecida de Goiânia, dois tipos de serviços seriam amplamente atingidos pela reforma: os planos de saúde e o educacional. Os usuários podem, segundo o secretário, migrar para os planos públicos devido ao aumento da alíquota repassada à ponta, o que geraria uma sobrecarga. “Nós teríamos uma massa de pessoas que hoje estão nas escolas particulares ou nos planos de saúde que deixariam esse serviço e migrariam para o poder público. Prioritariamente para o município”, arremata.

Para secretária, reforma não seria “um bom negócio” para Goiânia

Em Goiás, não são apenas os municípios da Região Metropolitana que estão insatisfeitos com o que foi proposto até agora pelos poderes Executivo e Legislativo. A secretária de Finanças de Goiânia, Zilma Peixoto, também rejeita a tese que a reforma tributária como está poderá trazer benefícios.

Zilma parte do princípio de que os tributos que serão unificados nas propostas pesam muito para os municípios, principalmente o ISS. De acordo com a secretária, o ICMS representava uma boa parte da tributação recolhida por Goiânia, mas o crescimento dos serviços na capital fez com que o ISS se tornasse o que ela chama de “imposto do futuro”. Com a fusão dos tributos, a secretária questiona: como será feita a divisão?

“É claro que a gente ainda tem que olhar isso com mais profundidade. O governo fala que vai unificar esses tributos, depois vai fazer um repasse do percentual do todo. Mas a gente não sabe, não fez uma conta ainda do quanto será esse todo e se esse percentual vai cobrir o que o município arrecada hoje em termos de ISS. Porque o ISS arrecadado hoje é todo do município”, relata.

A titular de Finanças da capital de Goiás critica uma suposta retirada de autonomia do município na lida com os impostos recolhidos. Para ela, os moldes propostos na reforma até agora seriam adequados apenas para os pequenos municípios, não para uma cidade como Goiânia. “Para Goiânia não seria um bom negócio. Uma coisa é viver de repasse [da União], outra é ter um imposto que é seu e que você tem autonomia. Para um Município menor, que tem dificuldade de ter uma estrutura de arrecadação, pode até ser bom. Mas para Goiânia, que tem competência para arrecadar, que tem estrutura para isso, não é o melhor”, diz.

Zilma apontou para falhas na reforma alvo dos debates e afirmou que a solução para um recolhimento justo e eficaz de impostos vai em outra direção. A secretária de Goiânia defende a implantação ampla de impostos progressivos, o que, segundo ela, traria “justiça fiscal” para a população.

“O Executivo e o Legislativo precisam entender que hoje a gente coloca 80% da carga tributária em impostos regressivos. Eu pago mais imposto com relação à minha renda, e o outro que tem muito mais renda paga igual. E a gente sabe que precisa trabalhar nisso, na questão dos impostos progressivos. Eu preciso dar mais imposto àquele que tem mais renda. Isso é o que pode mudar a situação tributária no País. É uma justiça fiscal. Agora, mexer, unificar, tirar autonomia de Município, a princípio a gente não vê com bons olhos para Goiânia, que tem uma capacidade de fazer uma gestão tributária”, reitera.

Proposta de Guedes é tímida mas soluciona imbróglios judiciais, aponta tributarista

Em entrevista ao Jornal Opção, o advogado tributarista Simon Riemann explicou pontos alvos de polêmicas nas propostas de reforma tributária apresentadas até agora, sobretudo nos projetos do Poder Executivo. Riemann se referiu à proposta de Guedes como uma “minirreforma tímida”, mas que pode ser efetiva em certos pontos.

O advogado também esclarece a questão da mudança de tributação sobre o setor de serviços e menciona o aumento da alíquota para 12%, mas deixa exposto que a proposta de Guedes pode ser benéfica em alguns pontos, como a diminuição de disputas judiciais em razão de uma legislação tributária mais clara e elucidativa

Confira:

Como é o projeto do Paulo Guedes? Podemos chamar de reforma? O que vem a ser ele?
É uma minirreforma, digamos assim. Não é uma mudança ampla, mas é uma mudança pontual em uma área muito sensível. Eu acho que o critério foi dois tributos que são o PIS/Cofins, que são extremamente complexos e que geram um litígio muito alto. Eu acho que eles estão fazendo uma reforma possível. Porque uma reforma mais ampla demanda do engajamento dos Estados, e eu tenho dúvidas que eles tenham nesse momento.

O que foi apresentado pelo Paulo Guedes no Congresso, que é essa junção que eles estão chamando de CBS, Contribuição sobre Bens e Serviços, juntando PIS/Cofins, só esses principais tributos federais, já são questões que estão abarcadas em reformas mais amplas, que são a pec 45/19 na Câmara, e a PEC 110/19 no Senado. Por que apresentar uma nova proposta se já se tem discussões mais amplas no congresso, que já discutem, inclusive essa parte?
Eu acredito que eles não devem ter sentido uma adesão no Congresso para uma reforma mais ampla. Uma das propostas cria o chamado imposto sobre valor agregado e que alcança tributação sobre o consumo inclusive estadual e municipal.

Mas essa não é a do governo, mas sim a que já está em discussão no Congresso.
Isso, essa já está em discussão no Congresso. Eu acredito que deve ser uma leitura política deles que deveria fatiar a reforma para tentar passar por etapas. Então eu imagino que eles não devem ter sentido uma adesão em relação às outras propostas que são mais amplas. Imagino que seja isso, especificamente. Acho que eles estão pegando de forma pontual, ir enfrentando, para depois tentar acoplar os outros tributos.

Qual é a grande questão dos serviços? Eles têm pouco crédito. Então imagine um escritório de advocacia, a margem de lucro é mais alta porque eu gasto com o pessoal que trabalha no escritório, mas não tem gastos com insumos, com nada. Então se eu passo por um regime não cumulativo, aumentando a alíquota no meu faturamento e gerando um direito a crédito, eu pago muito porque eu vou ter pouco crédito. Quase não tem o que gerar crédito pra mim.Teve uma outra questão desse texto pequeno que o Ministério da Economia apresentou, que gerou muita polêmica, que é o aumento da alíquota justamente incidente sobre a questão dos serviços. Como o setor está vendo isso? Que repercussão tem o aumento da alíquota?
O PIS/ Cofins hoje tem duas hipóteses de regime: uma é o cumulativo, que você simplesmente tributa a sua venda, 3,65%, e o outro regime é o chamado não cumulativo, em que você tem crédito em relação ao que você compra. Exemplificando: se eu sou um supermercado, eu compro determinando item para revenda e gasto mil reais para a compra de um item. O que tributou na operação de compra eu vou abater na tributação de venda. Esse é o regime não cumulativo.

Já uma indústria é o contrário. Pense num laticínio que fatura milhões, a margem de lucro dele é muito pequena, 4%, 3%. Ele tem muita tributação na venda, mas tem muito crédito porque ele compra coisa demais. Então historicamente, os serviços no regime atual não vão para o PIS/Confins não cumulativo. O não cumulativo hoje, a alíquota é de 9,25% contra 3,65% do cumulativo. Vai tudo pra 12%, com crédito e tudo. Obrigou tudo mundo a ir para um regime não cumulativo e com direito a crédito.

Um dos pontos que está sendo elogiado desse novo texto apresentado pelo Paulo Guedes ao Congresso é a questão de que a base de cálculo, mesmo subindo para 12% da alíquota desses dois impostos federais unificados na CBS, está bem explicada no texto, o que deixa a coisa mais clara. É isso mesmo que está acontecendo? Como isso fica mais claro?
Fica mais claro na medida em que coloca a base de incidência, que foi colocado bem claramente sobre o que vai incidir e colocou bem claramente o que vai dar crédito. Então todas as requisições geram crédito, inclusive compras de empresas do Simples Nacional. Então esse direito amplo de crédito facilita muito.

O PIS/Cofins hoje tem um regime muito estranho pelo seguinte: um regime é o imposto da pessoa jurídica, então a pessoa faturou e pode descontar tudo o que ela gasta até encontrar o lucro dela. Isso é um regime. Um outro regime é o do IPI, em que você paga imposto sobre o que você industrializa e gera crédito sobre o que vai na industrialização. O PIS/Cofins incide sobre todo o seu faturamento, mas a interpretação é que nem tudo o que você usa para faturar te dá crédito. Você fica numa situação esdrúxula. Tem decisões inclusive do STJ invalidando as interpretações da Receita Federal.

As notas fiscais vão trazer obrigatoriamente o valor da contribuição que incidiu e você se apropria disso. Então é preto no branco.

Isso diminui disputa judicial?
Diminui. Porque hoje os documentos não destacam o valor do PIS/Cofins. Você calcula em cima da sua compra, não do que foi pago, por quem vendeu. É um regime um pouco diferente. Tem o lucro presumido e o lucro real. Cumulativo e não cumulativo. Vamos supor que tem uma empresa que está no regime que gera direito a crédito e compra de alguém que não está no regime de direito a crédito. Aquele que vendeu, um prestador de serviço, um escritório que prestou serviço pra uma grande indústria, ele paga 3,65%. Mas a indústria vai tomar crédito em cima de 9,25%, que é o valor dela. E tem situações que você não sabe se gera ou crédito ou não e isso gera muita discussão.


Um déjà vu no PIS/Cofins x CBS

No último dia 21, o governo federal apresentou o que denominou como a primeira entre várias propostas objetivando "corrigir os problemas" de um "sistema tributário complexo e caro" [1]. Trata-se do PL nº 3887/2020, com o qual se propõe, em apertadíssima síntese, unificar PIS e Cofins, disso resultando a nova Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS), exigível à alíquota de 12% sobre a receita bruta e com direito a créditos correspondentes ao valor da mesma contribuição destacado nas notas fiscais de aquisição de bens e serviços.

Há, por óbvio, diversos aspectos a serem examinados e debatidos em relação ao PL 3887, o que se espera seja feito com zelo e competência pelo Congresso Nacional, valendo-se do importante auxílio da sociedade civil.

De pronto, contudo, chamou a atenção de todos a significativa alteração das atuais alíquotas somadas de PIS/Cofins, que se propõe sejam majoradas de, salvo exceções, 3,65% (no regime cumulativo) e 9,25% (no regime não cumulativo) para 12%. Justificou-se que a majoração proposta não objetivaria "gerar aumento de arrecadação em relação aos níveis atuais", mas decorreria de cálculos que "tomaram como premissas a tributação homogênea e o creditamento amplo, além da exclusão dos tributos sobre consumo de sua base de cálculo" [2].

Infelizmente, já assistimos a filme bastante parecido, com resultados, no mínimo, desanimadores.

A não cumulatividade do PIS e da Cofins foi pleiteada durante anos pelos contribuintes em geral, mas, em várias situações, sua implementação implicou custos até mesmo superiores àqueles suportados na sistemática cumulativa. O "balão de ensaio" ocorreu com o PIS, quando da edição da Medida Provisória nº 66, de 29 de agosto de 2002 (convertida na Lei nº 10.637/2002), que instituiu a sistemática de forma restrita àquela contribuição e apenas para determinadas hipóteses, majorando, contudo, a alíquota a elas aplicável (de 0,65% para 1,65%). No ano seguinte (2003), foi editada a Medida Provisória nº 135, convertida na Lei nº 10.833/2003 e, desta feita, instituindo a sistemática não cumulativa para a Cofins, bem como majorando sua alíquota de 3% para 7,6%.

Tal como na atual proposta, justificou-se, à época, não haver intenção de majoração da carga fiscal, asseverando-se constituir "premissa básica do modelo a manutenção da carga tributária" [3] correspondente ao que então se arrecadava com tais contribuições.

Como se sabe, desde as edições das MPs nºs 66 e 135 e respectivas Leis de Conversão nºs 10.637/2002 e 10.833/2003, foram introduzidas diversas alterações na legislação e nos atos regulamentares atinentes a ambas as contribuições, em verdadeira colcha de retalhos, com diretrizes cada vez mais complexas e onerosas, incidências monofásicas e plurifásicas, cumulativas e não cumulativas, repletas de exceções das mais diversas. A racionalidade do sistema e a redução da carga imaginadas quando dos pleitos de "modernização" de tais contribuições, infelizmente, não se concretizaram. Como registram, entre outros, Luís Eduardo Schoueri e Matheus Cherulli Alcântara Viana, "o sonho se transfigurou em pesadelo", tendo sido implementada sistemática "ainda mais danosa que o 'efeito cascata' que se pretendeu mitigar na origem das discussões", fazendo com que as contribuições de que se cuida "se tornassem um verdadeiro 'frankenstein tributário'" [4].

Pois bem. O PL nº 3887/2020, não obstante apresente o percentual de 12% como "alíquota geral da CBS" (artigo 8º), propõe diversas exceções: isenções, incidências monofásicas, alíquota diferenciada de 5,8% para determinadas pessoas jurídicas, vedação à apropriação de créditos em algumas situações, exclusões de base de cálculo etc. A própria exposição de motivos do PL 3887 pretende justificar a adoção de "alíquota uniforme de 12%" ou "alíquota positiva única (e alíquota zero aplicada apenas a exportações)" (item 12) para, logo a seguir, mencionar hipóteses de isenção (item 13) e regimes diferenciados (item 14.1).

Ora, por mais apropriadas que possam eventualmente ser tais exceções, não há como afastar o temor de continuarmos no "pesadelo" e lidando com o "frankenstein tributário" referidos por Schoueri e Viana, tudo a contrariar o discurso de simplificação, modernização e redução da litigiosidade.

Não bastassem esses temores, como justificar que, apesar de tantas exceções, setores que sabidamente não terão créditos relevantes em razão de suas peculiaridades (tendo sido, inclusive e por esse motivo, anteriormente mantidos na sistemática cumulativa [5]) não tenham sido por elas abrangidos?

A justificativa de que não serão prejudicados porque esse custo poderá ser recuperado com os respectivos créditos a serem escriturados por seus clientes é por demais simplista. Desconsidera diversos fatores como, entre outros: a inevitável majoração dos preços praticados, o custo financeiro decorrente do descasamento entre o desembolso e a recuperação do respectivo montante, a impossibilidade de recuperação por não contribuintes e as dificuldades para renegociação do preço para fins de futuros pagamentos atinentes a contratos anteriormente celebrados.

Como se pode cogitar de manutenção da carga fiscal nessas e em diversas outras hipóteses em que a alíquota terá mais do que triplicado (12% = 3,65% x 3,29) sem que se mostre viável uma recuperação minimamente proporcional à majoração?!

A exposição de motivos do PL 3887 menciona, ainda, terem sido realizados "cálculos para determinação da alíquota" (item 15). Não poderia ter sido diferente, em especial após mais de 18 meses de espera. Até o momento, contudo, não se tem conhecimento de que tais cálculos tenham sido disponibilizados. Impõe-se, assim, amplo acesso a cálculos, estudos e simulações que fundamentem a proposta apresentada, para que possam ser escrutinados e discutidos, inclusive em observância à tão propalada transparência que se pretende assegurar (itens 5 e 7 da referida exposição de motivos).

Os aspectos ora brevemente comentados, a exemplo de inúmeros que o tema suscita, deverão ser considerados e debatidos na regular tramitação desta e de tantas outras propostas, muitas delas ainda a serem apresentadas. Há, de fato, muito a ser feito para viabilizar a tão aguardada e necessária reforma tributária, a demandar alterações relevantes tanto na Constituição Federal quanto na legislação ordinária.

Os diversos ajustes que se fazem necessários por certo acabarão por onerar alguns e desonerar outros, em comparação com suas atuais situações. Espera-se, contudo, que nenhum setor da atividade econômica seja por demais onerado ou mesmo desarrazoadamente desonerado. Se a situação econômica do Brasil assim não permitia antes mesmo da pandemia do Covid-19, agora as consequências de eventual oneração excessiva serão ainda mais catastróficas.

É inadmissível que, novamente — e, pior, envolvendo as mesmas contribuições —, ocorra, na prática, substancial majoração da carga tributária (ainda que apenas para alguns setores), sob a ultrapassada justificativa de que a não cumulatividade "plena" exigiria majoração das alíquotas aplicáveis.

Não incorramos nos mesmos erros do passado; antes, aprendamos com eles.

Artigo publicado originalmente no site JOTA

[1] Expressões constantes da apresentação em PowerPoint "Reforma Tributária. Quando todos pagam todos pagam menos", então disponibilizada pelo Ministério da Economia.

[2] Item 15 da Exposição de Motivos apresentada (EM n. 00274/2020 ME, de 17/7/2020).

[3] Itens 4 da Exposição de Motivos da MP 66/2002 e 3 da Exposição de Motivos da MP 135/2003.

[4] O termo “insumos” na legislação das contribuições sociais ao PIS/Pasep e à Cofins: a discussão e os novos contornos jurisprudenciais sobre o tema, em "PIS e Cofins à luz da jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais", Coord. Marcelo Magalhães Peixoto e Gilberto de Castro Moreira Junior. São Paulo: Ed. MP, 2011, pág. 409.

[5] Como os prestadores de serviços sujeitos ao lucro presumido, cujos gastos mais relevantes se concentram na remuneração de empregados e autônomos.